SAF: Mais dúvidas do que certezas, mais perguntas do que respostas. E, como perguntar não ofende…
Por Max Pereira @Pretono46871088 @MaxGuaramax2012
Muito se fala sobre SAF e pouco se sabe sobre esse modelo societário tido e havido por muitos como a salvação do futebol brasileiro. Neste artigo não pretendo esgotar o assunto, porquanto tratar-se de um tema árido e complexo e, ao mesmo, cingir-se até o momento a experiências insipientes e pouco transparentes, regradas por uma legislação nova, polêmica e que já deve passar por alterações significativas, como promete o projeto de lei PL 2.978/2023 em tramitação no Senado Federal.
A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é um modelo societário, tipicamente tupiniquim, que começa a ser adotado por alguns clubes brasileiros, onde a entidade é constituída como uma empresa de capital aberto, com ações negociadas na bolsa de valores. E, não atoa, os clubes brasileiros em situação de insolvência foram os primeiros e únicos até agora a aderirem a este modelo.
As vantagens da SAF, a grosso modo, incluem a possibilidade de atrair investidores e captar recursos financeiros para o clube, através da emissão de ações. Isso, em tese, pode contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento da estrutura do clube, permitindo investimentos em infraestrutura, contratação de jogadores de ponta e melhorias no desempenho esportivo.
No entanto, também existem riscos associados à adoção desse modelo. Um dos principais é a perda de controle do clube por parte dos sócios e torcedores, uma vez que investidores externos podem adquirir ações e, mais que influenciar, pautar as decisões estratégicas a seu interesse. Além disso, o foco excessivo no aspecto financeiro pode levar a uma priorização do lucro em detrimento dos objetivos esportivos e do desenvolvimento de jogadores da base.
Cabe ressaltar que o modelo da SAF obstante não ser ainda amplamente adotado, é objeto de discussões e debates no contexto do futebol brasileiro. A decisão de implementar uma SAF deve levar em consideração os objetivos e os valores do clube, bem como os impactos potenciais nas relações com a sua torcida e na identidade da instituição.
A Lei n° 14.193/2021, que cria o Clube-Empresa através da regulação expressa da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), trouxe inovações no espectro societário dos clubes de futebol, no regime específico de tributação, além de delimitações expressas quanto à sucessão trabalhista e às relações com as entidades de administração do desporto (artigo 2º e incisos da referida lei).
E, no Capítulo I, seção V, a lei do Clube-Empresa trata particularmente “Do Modo de Quitação das Obrigações” e disciplina a estruturação do passivo trabalhista dos clubes ou pessoas jurídicas, seja na forma do Regime Centralizado de Execuções, seja através da Recuperação Judicial e Extrajudicial do Clube ou Pessoa Jurídica Original.
A transformação de clubes de futebol em uma sociedade empresarial não é uma novidade no futebol brasileiro. O artigo 27 da Lei Pelé (Lei n° 9.615/98), ao tratar da responsabilidade direta dos bens particulares dos dirigentes das entidades de prática desportiva, não faz qualquer limitação quanto à “forma jurídica adotada” pelas agremiações em relação ao modelo societário. E mais: o §13 deste mesmo artigo, também não faz qualquer distinção acerca da modalidade de constituição das entidades esportivas.
Some-se a isso a autorização conferida pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019). Assim, antes mesmo da entrada em vigor da Lei do Clube-Empresa, já havia no Brasil clubes constituídos e/ou convertidos à forma de sociedades empresariais como, por exemplo, os clubes Atlético Tubarão SPE Ltda, o São Caetano Futebol Ltda e o Red Bull Bragantino, este último o caso mais conhecido no futebol brasileiro.
O projeto de lei (PL 2.978/2023) em tramitação no Senado Federal objetiva proteger as SAF’s das dívidas antigas deixadas pelos clubes. Apesar das inovações trazidas pela Lei 14.193/2021, o mercado do futebol brasileiro enfrenta um cenário de insegurança jurídica, especialmente no que diz respeito à responsabilização solidária da SAF por obrigações do clube, contraídas antes de sua constituição. Existem decisões judiciais em ambos os sentidos e essa insegurança, além de gerar críticas, acaba por desencorajar investidores, especialmente os estrangeiros.
Nesse sentido, o PL 2.978/2023, segundo especialistas, visa cobrir lacunas e os pontos controversos que se verificaram na prática, de forma a tornar a Lei 14.193/21 ainda mais efetiva, trazendo uma maior segurança jurídica ao futebol brasileiro e gerando um ambiente de negócios mais atraente.
O PL 2.978/2023 acrescenta ao art. 2º da Lei 14.193/21 o §7 que dispõe que a constituição da SAF não implica a formação de grupo econômico, aprimora a redação do art. 9º para aclarar que a Sociedade Anônima de Futebol não responde pelas obrigações do clube que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, salvo quando lhe forem expressamente transferidas e ainda veda a transferência de obrigações da associação originária que não guardem relação com o objeto social da Sociedade Anônima do Futebol, como, por exemplo, dívidas relacionadas à esportes que não sejam o futebol.
Há quem entenda que o projeto de lei pretende blindar ainda mais os clubes e as SAF’s de sofrerem execuções fundamentadas na lei trabalhista. Sobre isso, o advogado trabalhista Theotonio Chermont diz que “não há na lei ou mesmo na recente proposta qualquer mecanismo de fiscalização dos pagamentos, obrigatoriedade na prestação de contas – completa falta de transparência – e punições rigorosas em caso de inadimplência.
E acrescenta: “Essa deveria ser uma das principais preocupações dos envolvidos. A situação é preocupante e já havíamos alertado que a maioria absoluta dos investidores das SAF’s já existentes são estrangeiros, sem bens no Brasil, assim como a SAF é apenas uma figura jurídica criada para gerenciar a atividade produtiva dos clubes e dificultar o recebimento de créditos alimentares. Na falta de pagamento, certamente, os credores não terão a quem executar, ainda que a lei permita direcionar para a SAF e seus gestores. Quando que a justiça comum ou do trabalho conseguirá penhorar seus bens fora do Brasil? Nunca”.
“Juridicamente falando, o que causa maior espanto é a lei expressamente afirmar que a relação entre clube original e SAF não caracteriza grupo econômico, tentando evitar a responsabilização solidária desta última, tal como vem decidindo muitos tribunais. É irrelevante tal colocação, pois sempre será aplicado o artigo 2º da CLT e a primazia da realidade dos fatos”, emenda Chermont.
O projeto de lei ainda detalha que “é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas da Sociedade Anônima do Futebol, inclusive por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie, com relação às obrigações do clube ou da pessoa jurídica original, anteriores ou posteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol”.
Em diferentes casos, o Judiciário interpretou que a SAF era responsável solidária pelas dívidas do clube por ambos participarem de um mesmo grupo econômico. A nova proposta veda expressamente isso e deixa claro que clube e SAF não compõem o mesmo grupo.
O PL prevê também que “os credores do clube terão liberdade para escolher por receber ações da SAF em vez de dinheiro para pagamento dessas dívidas, porém só se a SAF autorizar o mecanismo — de acordo com a lei atual, é necessária apenas a previsão no estatuto para que isso seja permitido”.
A composição acionária da SAF mostrando quem são os donos do clube com pelo menos 5% das ações deverá ser tornada pública no site do time. O PL 2.978/2023 define, outrossim, que o Regime Centralizado de Execuções – RCE (arts. 14 a 24 da Lei 14.193/2021), que vinha sendo utilizado indiscriminadamente pelos clubes, destina-se exclusivamente ao clube que tiver constituído a SAF, na forma dos incisos II e IV, do art. 2º.
Outra novidade é a criação de um novo dispositivo para aumentar o repasse da SAF ao clube, enquanto este mantiver suas dívidas. Por isso, o projeto de lei dispõe que “enquanto o clube ou pessoa jurídica original permanecer acionista da Sociedade Anônima do Futebol e registrar em suas demonstrações financeiras obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, esta deverá distribuir, como dividendo mínimo obrigatório, em cada exercício social, no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado”.
O projeto determina ainda a criação do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, com a presença de membros independentes, “seguindo as melhores práticas de governança e de transparência empresarial” da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por fim, a proposta penaliza o clube-empresa que não cumprir as obrigações educacionais para suas categorias de base. Caso a obrigação não seja respeitada, a SAF perde direito de usufruir do regime tributário específico criado para os clubes-empresas – Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF).
E todas essas propostas, claro, podem sofrer ainda alterações profundas, supressões ou acréscimos em razão das emendas que certamente serão interpostas ao Projeto de Lei. Paralelamente a tudo isso, o Atlético está indicando que o processo de constituição de sua SAF está chegando à sua reta final.
E, como a legislação da SAF, no entender de vários especialistas, contém vários pontos obscuros, gerando muitas decisões judiciais divergentes e um ambiente insegurança jurídica indesejável e, por isso, tramita no Senado Federal, um projeto de lei que pretende aperfeiçoar a Lei 14.193/21 e dirimir as questões controversas, é natural, portanto, que surjam mais dúvidas do que certezas e mais perguntas do que respostas a respeito da SAF atleticana. E como perguntar não ofende…
Por exemplo, se a nova redação da lei 14.193/21, a ser introduzida pelo aludido PL, prevê que o clube original pode deixar de ser acionista da Sociedade Anônima do Futebol, a partir de uma hipotética cisão entre ambos, com quem ficaria o direito de disputar as competições patrocinadas pelas entidades que comandam o futebol, vez que, com a constituição da SAF, é a essa que os direitos e deveres decorrentes de relações, de qualquer natureza, estabelecidos com o clube, pessoa jurídica original e entidades de administração, inclusive direitos de participação em competições profissionais, bem como contratos de trabalho, de uso de imagem ou quaisquer outros contratos vinculados à atividade do futebol são compulsoriamente transferidos?
Quais são as âncoras que a associação, Clube Atlético Mineiro, está cuidando de prever em seu estatuto social, no estatuto/contrato de constituição de sua SAF e no instrumento de cessão de participação de acionistas, controladores ou não, com o objetivo de proteger os seus interesses nobres, como identidade, símbolos, cores, escudo, nome e reversão automática dos direitos e dos deveres relativos à prática do futebol, em caso de fim de sua participação societária na SAF ou de gestão temerária dos controladores?
Em relação às dividas contraídas pela SAF, a vedação da aplicação do mecanismo da solidariedade também se aplicaria em relação ao clube originário, i.e., estaria este blindado e protegido? O que o clube pensa e está fazendo a respeito?
A Legislação inglesa, por exemplo, estabelece compulsoriamente que, na constituição do clube-empresa, seja prevista uma cláusula que permite à associação originária, ao acioná-la em caso de comprovada gestão lesiva do controlador ou de flagrante desvirtuação dos objetivos nobres da instituição, retomar o controle total da entidade. O Clube Atlético Mineiro estaria prevendo algo do tipo?
O Atlético, como clube originário, estaria cuidando de criar ferramentas jurídicas que lhe permitam fiscalizar os pagamentos, exigir prestação de contas e garantir a responsabilização dos gestores e a aplicação de punições rigorosas em caso de inadimplência ou de gestão temerária ou revel aos seus interesses e direitos?
A elaboração e a aprovação pelo Conselho Deliberativo de um novo e moderno estatuto estruturando o clube para essa nova realidade deveria anteceder à autorização para a constituição da SAF. E, como perguntar não ofende, por que até agora este novo regimento ainda não foi sequer colocado em discussão entre os conselheiros?
E como será a composição dos Conselhos de Administração e Fiscal da SAF, cuja legislação prevê a presença de membros independentes? O Atlético, como clube originário, teria representação nestes fóruns com poder de voto e de veto em relação a questões atinentes à preservação de seus direitos, às âncoras legais que lhe dão sustentação e a futuras alienações de patrimônio por ventura entendidas como despropositadas, imprudentes e/ou temerárias?
No Esporte Clube Bahia, por exemplo, foi criada uma Assembleia Geral onde o sócio torcedor, mediante regras claras, tem assento. No Atlético há previsão de se criar um Fórum onde o seu sócio torcedor, aquele que injeta dinheiro no clube, tenha voz?
Diante de tantas dúvidas e de tantas perguntas, o atleticano quer respostas. Enfim, perguntar não ofende.
Ah! A modelagem da SAF atleticana, valuation, investidores, holding, percentuais, o que entra e o que não entra no pacote e o que deve e o que não deve entrar, etc., são assuntos para outro ensaio.
TEXTO OPINATIVO, DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR, COM ISSO, NÃO REFLETE NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DO PORTAL FALA GALO!