Por: Antônio Carlos e Hugo Fralodeo
20 jan 2023 21h
INTENSIDADE. Como acompanhamos ao longo da pré-temporada do Atlético na Cidade do Galo, essa é a principal característica do trabalho de Eduardo Coudet. Entretanto, além de intensidade não necessariamente significar correria e força, não é a única marca do modelo e filosofia de jogo do treinador argentino. Há muito mais do que “apenas” intensidade nas camadas de Chacho.
Frisando que nossa pretensão não é ensinar, desvendar mitos, armar adversários ou ter a última palavra, apenas propomos um debate – baseado em estudo e análise de um grande acervo de jogos de várias fases do trabalho de Coudet (Rosário Central, Tijuana, Racing, Internacional e Celta) – a partir da nossa ótica acerca do que o treinador pode apresentar no comando técnico do Atlético.
Importante, porém, destacar que Eduardo Coudet não é adepto do jogo posicional (jogo de posições ou JdP), não fazendo parte da ‘Escola Bielsista’ – havendo, inclusive, um histórico de problemas entre Coudet e El Loco na época que o treinador atuava dentro das quatro linhas –, tendo uma visão mais prática e utilitária do jogo, abandonando a rigidez do jogo de posições. Apesar disso, a mentalidade protagonista, vertical e ofensiva de Chacho Coudet é semelhante a treinadores da “vertente posicional”, como seu amigo Sampaoli, que ocupou seu atual cargo em 2020/2021.
Com essa breve introdução, apresentamos ‘O Jogo Funcional de Eduardo Coudet’.
O 4-1-3-2 funcional
Normalmente, as equipes treinadas por Coudet não são guiadas por uma ocupação mais racional do espaço como no jogo de posições; suas equipes possuem uma identidade tática bem definida e sabem o que fazer em todas as fases do jogo. Seu esquema preferido é o 4-1-3-2, com algumas variações para o 4-2-2-2, por exemplo. Quase sempre a formação atua com linhas altas.
Linha de 4
Na primeira linha, os laterais atacam e defendem pelo corredor, de um modo mais “tradicional”. Dificilmente um lateral de Coudet irá se posicionar na base ou participar da construção por dentro. O principal papel dos laterais de Coudet é oferecer amplitude e a chegada ao fundo.
A dupla de zaga é que forma a base das jogadas e, por atuar quase sempre em linha alta, há a necessidade de que os zagueiros tenham velocidade e capacidade de correr para trás, caso precisem perseguir os atacantes adversários que ataquem o espaço vazio nas costas dessa primeira linha.
O volante “isolado”
À frente da primeira linha, um volante “isolado” com papel primordial na base da construção e a missão de ligar a linha de defesa e a linha dos 3 meias. Com dinâmica e pulmão, esse “1” também tem a responsabilidade de “resguardo” e recuperação, sendo o cara que precisa estar a postos para salvar a defesa, evitando que os blocos fiquem espaçados e também correndo para trás quando necessário. Eventualmente, a depender das circunstâncias de jogo e adversários, esse volante pode ser mais um a se apresentar para encorpar a fase ofensiva.
Linha de meias
Composta por um meia central dinâmico, com capacidade de atuar de área a área (box to box) e dois meias interiores que atacam o meio espaço (espaço entre o zagueiro e o lateral) e pisam muito na área, a linha de meias participa da criação a partir de triangulações, tabelas e associações, aproveitando espaços abertos pela movimentação deles próprios e da dupla de ataque. Buscando se posicionar entre as linhas dos adversários, os meias devem confundir a marcação, abrindo e preenchendo tais espaços e obrigando os defensores a cobrir buracos e quebrar suas linhas montadas.
Na eventualidade da variação para o 4-2-2-2, o meia central se alinha ao volante, com os meias interiores formando uma linha mais alta entre esses “volantes” e os dois atacantes.
A partir do recuo do volante se alinhando aos zagueiros e a subida de um dos meio-campistas para a linha de ataque, o time pode se estruturar em um 3-4-3.
Dupla de ataque
Na frente, geralmente atuam um atacante de maior movimentação e outro mais fixo. Não, Coudet não utiliza pontas, seus atacantes atacam a área, não costumam abrir o campo e raramente miram o fundo. Nessa altura, trocas de posição, abertura de espaços e ataques rápidos nas costas da defesa. O jogo de Coudet é todo construído para que a bola chegue aqui.
Assim como os meias, os atacantes buscam o posicionamento entrelinhas, também na investigação dos espaços, fazendo com que os defensores se desprendam da formação, ganhando vantagem com “clarões” abertos na defesa.
Primeira fase de construção (saída de bola)
Onde o jogo começa, na saída. Em primeira construção (saída de bola), um time de Chacho Coudet pode sair jogando em bola curta, prioritariamente, ou longa, de forma mais circunstancial. Conceitos que o grupo do Atlético está mais do que habituado e pratica desde o início de sua formação, em 2020, na era Sampaoli:
Bola curta
Quando constrói a partir da bola curta, Coudet se baseia no conceito da ‘Saída Lavolpiana’ – estilo de saída de bola implementado pelo treinador argentino Ricardo La Volpe (El Bigotón), que chamou atenção no comando do México na Copa do Mundo de 2006, consistindo na saída sempre com três jogadores, para fazer superioridade numérica (aumentar o número de jogadores em relação ao adversário no setor da posse).
Nos times de Coudet, geralmente, o volante afunda entre os zagueiros, os laterais se posicionam mais abertos e em linha mais alta no campo e o meia central recua para auxiliar, sempre com o objetivo de ter um jogador a mais para buscar uma saída com passes mais limpos e fugir da eventual pressão adversária. A participação do goleiro, claro, é imprescindível.
A saída é a origem de tudo e se torna fundamental o trabalho de atrair mais jogadores para abrir espaços, já pensando no ataque com passes curtos e mais rapidez, afinal, uma saída limpa leva a uma construção mais fluida e rápida, grande característica dos times de Chacho.
O apoio dos companheiros na base da construção permite aos jogadores que se posicionam na segunda linha terem uma melhor e mais clara leitura dos espaços à frente. Essa dinâmica faz com que o time progrida sempre buscando a melhor opção para a jogada. Neste ponto, a aproximação, a compactação em bloco e os automatismos dos movimentos, aliado ao entrosamento – que o grupo do Atlético já tem – são determinantes.
Bola longa
Quando a opção é pela bola longa – sobretudo por uma circunstância de jogo e a depender das peças disponíveis -, a equipe se posiciona para ganhar a “primeira” ou a “segunda bola”. A ideia se torna esticar a bola com direcionamento para os lados, na intenção de criar uma “zona de guerra” e avançar de forma mais rápida e direta, a partir da necessidade de se desvencilhar de uma marcação mais alta e incômoda.
Segunda fase de construção
O avanço
A partir da primeira construção iniciada na base do jogo, o objetivo passa a ser, ainda com movimentação e troca passes rápidos, a complementação da saída para ganhar terreno com a transição rápida da bola, empurrando cada vez mais o adversário para o terço final e abrindo espaços a partir da eventual indecisão causada na defesa, que terá de optar por manter suas linhas compactas ou subir a marcação para tentar cobrir espaços e fechar as linhas de passe abertas.
Quanto mais altas as linhas, mais congestionado o setor vai ficando, portanto, mais jogadores da primeira linha se aproximam, sempre na busca pela superioridade numérica, que vai manter a fluidez e velocidade do jogo, deixando o portador da bola com mais opções de passe.
Fase ofensiva
Em organização ofensiva, meia central dinâmico; meias interiores atacando o meio espaço e pisando na área; laterais como pontas, dando amplitude e profundidade, com muita presença no ultimo terço do campo; dupla de ataque trocando posições, abrindo espaços e atacando e incomodando a defesa.
Aqui sempre terá muita gente aglomerada no setor da bola, atraindo e fixando as marcações, fazendo a inversão para o lado oposto, colocando as peças deste lado em vantagem numérica em relação à defesa, ou deixando o lateral, que aqui já se transformou em ponta, em situação de 1×1. Com muitas tabelas, triangulações e associações, muitas peças chegam para povoar a área.
Mais mecanismos de ataque
Observamos ainda mais mecanismos de ataque nas equipes treinadas por Coudet, como a presença dos laterais no último terço do campo, sempre em amplitude, com o objetivo de espaçar a última linha de marcação do adversário, o que exclui a necessidade dos pontas atuando abertos. Complementando esse mecanismo, temos a movimentação de ataque ao meio espaço pelos meias interiores, o que faz com que os zagueiros e os laterais adversários tenham que dividir sua atenção entre os laterais de Coudet buscando a profundidade e atacando a última linha e seus meias interiores atacando o meio espaço.
Como as trocas de posição entre os meio-campistas e os atacantes são constantes, com os homens de frente saindo da área, fixando a marcação e abrindo espaço para a infiltração dos meias, que sempre pisam na área, além da chegada do meia interior como elemento surpresa, aumenta ainda mais a confusão causada na defesa, possibilitando a criação de jogadas em tabelas rápidas e aproveitamento dos espaços gerados.
Ainda do ponto de vista ofensivo, um sub-princípio muito utilizado por Coudet diz respeito à criação de superioridade numérica na zona da bola. A ideia é fixar a marcação para liberar espaços, seja nas costas da pressão, no entrelinhas ou invertendo a bola para o lado oposto.
Além disso, a superioridade na zona da bola facilita o perde/pressiona quando a equipe perde a posse. Outros mecanismos usuais de Coudet para entrar no último terço são o passe cavado, os apoios frontais e os desmarques de ruptura.
Organização defensiva
Perde/Pressiona
Na eventualidade da perda da posse, automaticamente ela precisa ser retomada, a partir do conceito perde/pressiona. A pressão costuma ser alta, partindo do mesmo 4-1-3-2, com muita intensidade na marcação e agressividade sem a bola, pressionando, literalmente, o tempo inteiro.
Transição para o 4-4-2 em bloco médio/baixo
Caso a bola não seja retomada nos primeiros combates, entra em cena a transição defensiva, quando Coudet posiciona a equipe em bloco médio/baixo, geralmente no 4-4-2, com os laterais baixando no corredor, o meia central se aliando ao volante e os interiores fechando a segunda linha.
Já na fase defensiva, neste 4-4-2 pode haver algumas variações partindo de eventuais encaixes no setor dos meias.
Outros mecanismos de defesa
Há também a opção por manter o 4-1-3-2 na transição/organização defensiva. Nesse caso, o volante se posiciona à frente dos zagueiros.
Dependendo do encaixe no esquema adversário, a movimentação dos meias estrutura-se em um losango de marcação que parte do 4-1-3-2 e varia para o 4-3-1-2 e o 5-3-2 (com o volante recuando na primeira linha).
Na eventualidade do 3-4-3, com o volante já na linha dos zagueiros e um dos meias subindo para o ataque, na fase defensiva há o recuo dos laterais/alas, fixando uma primeira linha de 5, montando um 5-4-1, a partir do alinhamento dos dois atacantes abertos aos dois meio-campistas em reposição aos laterais. Formação que também se move para o 5-3-2.
Vulnerabilidades
Alguns problemas que Coudet geralmente enfrenta estão, obviamente, diretamente ligados ao seu modelo de jogo. Apesar de dosar melhor os momentos de subir o time no campo, como suas equipes jogam com a linha mais alta, podem sofrer em contra-ataques caso o adversário consiga superar a primeira pressão. Além disso, seus meias, laterais e zagueiros precisam ter uma boa velocidade de recomposição, no caso da necessidade de se correr para trás.
Conceitos aplicados ao elenco do Atlético
Como pudemos observar no breve vídeo do jogo-treino contra o Villa Nova, no último sábado (14), disponibilizado pelo Atlético na GaloTV, já é possível identificar algumas ideias de Coudet postas em prática no time que ele começa a construir no Atlético.
Obviamente, até por alguns conceitos de jogo aplicados por Chacho serem conhecidos e naturais para a maior parte do elenco, que pratica a maioria destes mecanismos desde o início da sua formação, em meados de 2020, a implementação das ideias tende a ser mais orgânica. Naturalmente, a presença de jogadores que já trabalharam com o treinador em outras oportunidades (Bruno Fuchs, Edenílson, Patrick e Zaracho) é outro fator facilitador da absorção da metodologia e filosofia.
É notório que Chacho é um treinador que exige intensidade e concentração a todo instante, portanto, a formação do elenco reflete não somente a identidade do comandante, como também que existiu uma seleção de jogadores que encaixem na formação tática e técnica desejada, ofertando ao argentino possibilidade de praticar qualquer um dos modos e variações que seu repertório possui.
Em 2023, veremos uma versão do Galo Doido: agressivo, protagonista, controlador (seja a partir da posse, da recomposição ou da própria agressividade) e, principalmente, competitivo. Defesa sólida, meio-campo que sustenta, ataque que decide.
Eduardo Coudet tem tudo à disposição para conseguir resgatar aquele Galo que estamos com saudade.