Coluna Preto no Branco: muito além das quatro linhas
Por: Max Pereira / @MaxGuaramax2012
Os desabafos, os xingamentos, a raiva, a bronca, a insatisfação, as cobranças passionais e os sentimentos de impotência, frustração e desânimo que demarcaram as mais diversas manifestações de atleticanos nas redes sociais após a doída e tenebrosa eliminação da Copa do Brasil são naturais e nada surpreendentes.
A temporada atleticana ficou parcial e inevitavelmente perdida. O tempo de recuperação mental e emocional do time e do treinador, visivelmente abalados, para as batalhas seguintes praticamente inexiste. Está cada vez mais claro para muitos atleticanos que há muito o que fazer intramuros do clube em relação aos cuidados que a preparação mental e emocional do grupo está a requerer.
Hulk, autor do golaço da vitória em Uberlândia, ainda é de longe o atleta que mais preocupa e mais requer um trabalho especial com a sua saúde emocional e, por isso precisa descansar e ser cuidado. Qualquer coisa que ele fale, publique ou faça soa como uma bomba e é usada para desestabilizar o clube ainda mais. E o número excessivo de cartões é autoexplicativo.
Tudo o que acontece dentro de campo é consequência do que acontece fora dele. Embora o futebol não seja uma ciência exata e, por isso, as chamadas “zebras” felizmente fazem parte dele, o que o time alvinegro vem mostrando em campo é revelador e preocupante. Não, não estou dizendo que perder para o Corinthians seja uma zebra.
Sem retirar os méritos da equipe paulista que foram evidentes e também sem deixar de reconhecer o futebol competitivo e aguerrido do rival azul e, muitos menos, de lembrar que clássico é clássico, independentemente dos times que forem a campo e, por isso, sempre muito disputado e tenso, é preciso admitir que as atuações do Atlético em Itaquera e em Uberlândia escancararam que o clube tem problemas mais que graves. Reconhecer o valor do outro não exclui as nossas deficiências. Uma coisa apenas potencializa e deixa a outra ainda mais visível.
Também não estou querendo dizer que o treinador e os jogadores não devam ser cobrados na proporção exata de suas responsabilidades. O que estou querendo deixar claro é que os problemas atuais do clube já são de tal forma complexos que estão a requerer soluções que exigem de quem tem a responsabilidade de gerir o clube e, particularmente o futebol, uma expertise própria e bem particular.
Sistêmico, o futebol de hoje requer que o comando e o staff dos clubes possuam em seus quadros profissionais dotados de um conjunto de habilidades e conhecimentos que nenhum outro tipo de organização ou negócio exige.
Portanto, é preciso perceber que as soluções dos problemas atleticanos, assim como de qualquer outro clube, dada a sua complexidade, estão além da capacidade de qualquer treinador e dos jogadores de resolvê-los sozinhos, embora seja fundamental que cada um deles faça a sua parte.
Enfim, além da preparação técnica iniciada na base e que deve ser aprimorada sempre no decorrer da carreira de qualquer atleta, do condicionamento físico e do desenvolvimento e da assimilação de conteúdos táticos, para os jogadores enfrentarem a pressão e os calendários malucos, próprios do futebol moderno, há, além das quatro linhas, muito mais o que cuidar e fazer.
Falta ao elenco atleticano, por outro lado, jogadores de determinadas características e de perfil próprio para determinadas funções, como a de capitão. Falta aquele jogador para chamar o jogo para si, tranquilizar os seus companheiros e liderá-los. Falta aquele jogador capaz de ler o jogo, orientar os companheiros e reorganizar o time.
Não, não estou dizendo que os jogadores do Atlético são ruins, pernas de paus e que não servem para jogar no Glorioso. Estou dizendo apenas que faltam peças de características e perfil diferentes dos que temos hoje. E esse desequilíbrio na composição do elenco tende a ser fatal como foi nessa decisão diante do Timão e poderia ter sido diante do time azul.
Muitas vezes ter um jogador diferente ou com determinadas características muda todo o cenário de um jogo. Renato Augusto, dono de uma capacidade impar de leitura de jogo, percebendo que o jogo adquiria um ritmo hostil e desinteressante para o Corinthians passou a orientar seus companheiros e mudou inteiramente a partida.
Bastou isso, para que o time do Atlético se desorganizasse por completo e se perdesse totalmente em campo, revelando a total fragilidade emocional do time. E, tudo o que aconteceu a partir daí em Itaquera foi resultante natural dos erros dos jogadores atleticanos e os erros dos atletas do Galo foram consequência óbvia e inevitável da cabeça dançada de vários deles.
Os atleticanos que mais se notabilizaram pelo futebol ruim naquele jogo, como Patrick, Lemos, Otávio, Hulk e Paulinho, já jogaram juntos e muito bem, cumprindo as mesmas funções e, por isso, foram largamente elogiados pela mídia e pela torcida. Desaprenderam de jogar futebol? Não, claro que não. Estiveram mal em razão de alguma deficiência de caráter? Imagino que não. As expressões de seus rostos denotando insatisfação, angústia, impotência e muita tensão não é própria de quem age por falta de caráter.
Com Hyoran em campo, muitos dizem sentir saudades de Igor Gomes. Com Igor Gomes em campo, dizem que estão morrendo de saudades de Hyoran. No primeiro tempo diante do Timão, muita gente criticou e pediu a saída de Vargas. Hulk entrou no lugar do Chileno e não foi melhor. Portanto, o problema efetivamente não se restringe a este ou a aquele jogador.
Ah! Então falta padrão de jogo? Não. Apesar dos tropeços diante do Botafogo e do Corinthians e da atuação conturbada no clássico, é inegável que o time atleticano vem evoluindo nesse quesito. Faltou confiança, autoestima elevada e equilíbrio emocional. Embora não tenha faltado luta, o time não teve força mental suficiente para manter o jogo que fez nos primeiros 15/20 minutos do primeiro tempo em São Paulo e nem para impor o seu jogo ofensivo contra o rival no Parque do Sabiá, notadamente na etapa complementar.
Jogar mal, oscilar e sofrer alguma derrota amarga faz parte do jogo e acontece com qualquer time. O que está acontecendo com o Atlético, porém, é claramente anormal. E, para complicar, sempre que o Atlético tem jogos decisivos um noticiário vesgo e imoral inunda as redes sociais e também contamina a mídia tradicional. Nem bem se iniciou essa sequência de jogos decisivos para o Galo a partir do confronto contra o Xará Paranaense pela Libertadores, já começaram a pipocar aqui e ali várias notícias e “notícias”.
Horas antes da partida contra o Timão veio a informação sobre mais um bloqueio das contas do clube. E, após a eliminação da Copa do Brasil, a notícia de que o Glorioso deixou de fazer jus a um prêmio da ordem 4 milhões de reais alimentou a tese de que o clube não teria como quitar os atrasos no pagamentos dos direitos de imagem dos atletas e aí… . Tudo isso, claro, é sempre explorado como uma justificativa da política do vender e vender. E o dinheiro do PIX?, perguntaram alguns atleticanos em suas redes sociais. Ah! Claro, a SAF vai ser assim ou assado.
Nathan Silva e Rubens entraram na vitrine alvinegra enquanto se alardeava que o “insatisfeito” Allan havia acertado com o Flamengo um contrato de 5 anos e insistia em deixar o clube, mas que o Atlético ainda resistia e recusava a proposta rubro-negra. Foi neste clima que o Galo entrou em campo para decidir a sua vida na Copa do Brasil. Deu no que deu.
E foi também purgando esse carma maldito que o Atlético se preparou para o clássico contra o time azul. À medida em que o jogo contra o maior rival local se aproximava o “#ForaCoudet”, alimentado pelos inimigos externos de sempre e por muito fogo amigo, voltou a pulular sem nenhum disfarce nas redes sociais e na mídia tradicional. O clássico de Uberlândia ganhou pelo lado atleticano uma importância ultra especial. A deterioração do ambiente e a pressão sobre os jogadores e o treinador ameaçavam atingir um nível absolutamente destrutivo.
“Se não ganhar o clássico…”. Ameaça? Previsão apocalíptica? Coisas do Atlético? Fogo amigo? Ou coisa de inimigo? Ou ainda tudo isso junto e misturado? A presença de torcedores na porta do CT de Vespasiano na véspera do clássico protestando, cobrando do treinador e exigindo a sua saída foi o corolário de mais um momento convulsivo da história atleticana.
Em seu conhecido “portunhol” o técnico atleticano tentou explicar aos torcedores que o recepcionaram na entrada do CT que na reapresentação após a derrota para o Timão quatro jogadores não puderam treinar normalmente em razão do desgaste e do risco de lesão. Uma tradução covarde e tendenciosa deu a entender que estes atletas haviam faltado ao treinamento.
Constrangido e se isentando de qualquer responsabilidade pelo ocorrido o Atlético divulgou uma nota oficial repudiando o protesto havido nas portas da Cidade do Galo, enquanto o atacante Paulinho manifestava publicamente o apoio do grupo ao treinador. E não para por aí. As cadeiras localizadas na área externa do Centro de Experiências da Arena MRV apareceram quebradas, fruto de ato de vandalismo de autores até então desconhecidos.
Ah! E mais uma “bomba” explodiu. Não é que o Palmeiras voltou à carga e vai fazer uma nova proposta por Allan? Coisas atleticanas além das quatro linhas. Foi assim, sacudido por mais uma das suas intermináveis crises e sob ataque cerrado dos inimigos de plantão, que o Atlético voou para Uberlândia, levando enfim uma boa notícia: o Homem Arana voltou a ser relacionado. E não é que horas antes do clássico um perfil atleticano divulgou que na semana seguinte ao confronto contra o rival haveria uma reunião para definir a venda de Nathan Silva. Haja paciência.
Um dia depois de ser recebido em sua chegada ao Hotel Gran Executive com rua de fogo e muita festa, o Galo entrou em campo em um Parque do Sabiá especialmente preparado para aquele clássico. Jogou, venceu e não convenceu. Atuação estranha, particularmente no segundo tempo quando se inferiorizou e, dando uma de Dom Quixote de Cervantes lutou contra um poderoso inimigo imaginário. Mais uma vez faltou força mental para impor o seu jogo ofensivo.
A destacar a grande atuação de Everson. A bem da verdade e da justiça há que se reconhecer também que Nathan Silva, Rubens e Edenílson em quanto este esteve em campo jogaram bem. Vontade de lutar e de vencer não faltou a ninguém, mas nem sempre querer é poder. E, quiseram os deuses do futebol que Hulk, a lá Éder Aleixo, esmagasse as redes azuis.
A imensa dificuldade de criar e a baixa intensidade ofensiva nestes dois últimos jogos são reflexos de fatores que vão muito além das quatro linhas. Se algo não for feito internamente em relação a isso o prognóstico para o resto da temporada é muito ruim. Sem tempo para respirar e descansar, o Atlético já partiu para outra batalha, agora na terra dos Incas. Que os deuses do futebol não o abandonem. Que venha o Alianza e que o Galo de raça cante mais alto.