Por Hugo Fralodeo
28 fev 2024 10h13
Perguntado por que não se tornou comentarista após pendurar as chuteiras, Roberto Baggio – aquele mesmo – respondeu: “Acho desagradável julgar jogadores em campo, por isso não faço programas de TV. Vejo colegas que condenam certos jogadores como professores, quando eles não conseguiam fazer três dribles”.
Até concordo com o ídolo italiano. Apesar de haver alguns ex-jogadores comentaristas que se prepararam para a nova empreitada. Existe aqueles, até, que são melhores com as palavras do que com as chuteiras. Porém, veja bem: você come, certo? Precisa saber cozinhar para dizer se um prato é bom ou te agrada? Claro, para falar em alto nível, sobre a alta gastronomia, sobre um esporte de alto rendimento, ou sobre qualquer assunto diverso, com propriedade, o que se espera é o mínimo de preparo.
E eu me preparei, hein! Nuuu! Meu grande amigo, Professor Antônio Carlos, é testemunha. Para quem não sabe, o Professor é a mente por trás do Galo Análises. Tivemos um programa de análise por um breve período, aqui mesmo no Fala Galo. Fizemos muita coisa boa em pareceria. Também formamos uma dupla celebrada, principalmente nas noites de análise. O trabalho que tivemos para desvendar O Jogo Funcional de Eduardo Coudet está entre algumas das melhores coisas que participei no portal. Antes, analisamos até o jogo-treino contra o Villa Nova.
São livros, cursos, vídeos, apostilas, milhares de “horas/aula” de jogos por semana. Diziam que ninguém “perderia tempo” em procurar saber como jogava o Carabobo, adversário do Atletico na primeira fase preliminar da Libertadores do ano passado. Só ele e eu sabemos a luta que foi para arranjarmos informações do elenco dos caras, dos jogos-treino que fizeram. E para ver o único jogo oficial que teriam antes de enfrentar o Galo, então…. A gente gravou o jogo, perdemos a gravação, recuperamos, depois não conseguíamos compartilhar os pedaços um com o outro. Até que, no último minuto, o programa de análise que usávamos disponibilizou o jogo na íntegra, conseguimos o material para publicar um texto e dissecar os venezuelanos em live.
Antes de cada jogo, indicávamos o que o Atlético poderia fazer para vencer e com o que deveria se preocupar no adversário. Depois de cada jogo, analisávamos o que havia rolado, muito além do resultado. Víamos os jogos ao vivo, mais uma vez sem o calor do momento, mais uma vez para recortar lances para análise e mais quantas vezes fosse necessário para que chegássemos ao material que achássemos mais completo possível.
Desde que Felipão chegou ao Atlético, nunca mais abordei o campo tático. Além de não haver muito o que dizer, nosso programa foi ficando encaixotado, tínhamos outras funções no portal…. Mas, nunca deixamos de conversar, principalmente sobre o jogo.
Não precisa ser muito esperto para sacar que o jogo de Felipão apresenta falhas contra certos tipos de sistemas praticados por determinados adversários. Qualquer analista e comentarista com o mínimo de entendimento, deveria saber disso. Algumas vezes, disse ao próprio Professor, que não me deixa mentir, que o encaixe de modelos de jogo era o grande responsável pela boa fase do time após o início desastroso. Eu “previ” vitórias contra São Paulo, Palmeiras, Fluminense e Flamengo. Previmos dificuldades contra os times da parte de baixo da tabela. Antônio lembra o desânimo que eu andava mesmo com o time indicando que sairia da mediocridade.
É para falar de tática? É preciso mostrar que tenho conhecimento para ter voz? Sabe por que o Atlético de Felipão conseguiu ir bem – com alguns trancos – no recorte do segundo turno do Brasileirão? Para além do afunilamento do campeonato, quando os times se soltam mais para decidirem seus destinos, Scolari conseguiu que o meio-campo sustentasse tanto a proteção da defesa quanto a liberdade de Hulk, sobretudo a de Paulinho, quando deixou de ser ponta-direita para voltar a jogar até mais adiantado que o camisa 7. Otávio, Battaglia, depois Franco, Igor Gomes, Rubens e até Edenílson eram agentes do equilíbrio. A defesa era raramente pega de calças curtas. Quando era, Everson salvava.
Falando especificamente da linha defensiva, o lateral pela direita, fosse Mariano ou Saravia – lembra quantos cartões o argentino tomou?! -, conseguia fazer o balanço defensivo para que Arana tivesse a liberdade para se integrar ao ataque, onde Hulk, mesmo afastado da área pelos adversários, tinha com quem dialogar, pois, no espaço que ele deixava, Paulinho, Zaracho, Gomes, o próprio Arana, Ed, Rubens e Pavón, os únicos que foram às redes na fase boa, aproveitavam e conseguiam entregar profundidade vertical e amplitude pelos lados.
Por que, ingênuos, pensamos que tais movimentos seriam mais orgânicos e encaixados na atual temporada? Porque Felipão está completando oito meses de trabalho, teve tempo de preparação, ganhou uma peça de inquestionável qualidade para o meio-campo, que é capaz fazer mais vezes e melhor tudo que os demais companheiros de setor podem entregar, além de dividir a responsabilidade com os dois artilheiros, tirar a bola dos pés deles em alguns momentos para que eles possam romper, com movimentação, as defesas fechadas que insistem tanto em criticar. Fora qualificar a bola parada.
Por que, então, tudo desmoronou? Será mesmo só a qualidade do ferrolho dos adversários? Porque é inimaginável pensar que o entrosamento se perca com somente um mês de férias. Ainda mais em um elenco que, mesmo com variações, se conhece para a base de três, quatro anos, até. Os conceitos implementados em uma temporada não se esvaem na outra. Dou um desconto pela questão física, apesar de tal problema ter ficado para trás há pelo menos duas semanas. Mas qual o problema? Uma má fase coletiva, a bola diferente da utilizada no Brasileirão?
Não. Minha gente, a resposta já foi dada. O Carnaval de Everson passou, o maluco parou de pegar geral. Lemos, melhor zagueiro da temporada passada quando esteve inteiro, não está inteiro. O lateral-direito não consegue mais fazer o balanço defensivo. Arana não avança mais, não se integra ao ataque, fica encaixotado na deficiência defensiva do ponta Paulinho e na falta de equilíbrio do meio-campo, que mudou de desenho, de peças e de função no time. O espaço aberto pela movimentação de Hulk não é mais preenchido na velocidade de antes, pois Paulinho está muito longe da área e Scarpa se posiciona tanto entre as linhas do adversário quanto entre as linhas do Atlético. Sem Zaracho e Otávio, o meio-campo de Felipão não tem movimentos diagonais, o que faz com que o camisa 6 até tenha espaço para pensar, mas fique ilhado no círculo central. O ataque perde profundidade, mesmo com a habilidade de Alisson e a explosão de Rubens, porque Felipão, que nunca foi um treinador de estilo propositivo, não tenta abrir defesas com passes, movimentação, inversões em um ponto aglomerado de jogadores, não. Ele fixa as peças, que dão referências aos marcadores e dificulta a transição para a fase defensiva, porque, sem a unidade, o indivíduo quebra o sistema. Se um erra, todo mundo tem que correr para trás ao invés de correr de ladinho, buscando o posicionamento prévio combinado na sessão de treinamento.
Não adianta eu ou você querermos que o Atlético passe a ser um time de subir pressão, controle de espaços, retenção de bola…. Scolari não oferece isso, nunca ofereceu. Há alguma semelhança do Atlético das últimas dez rodadas do Brasileirão de 2023 com o maior trabalho de sua carreira, 21 anos antes? Me lembro bem que Marcos pegava tudo, Edmilson descia para a zaga e fazia o balanço defensivo, Gilberto Silva e Kléberson davam equilíbrio, Cafu e Roberto Carlos ganhavam liberdade, nada estourava na defesa, então, Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo tinham a possibilidade de resolver.
Estão vendo? Quando eu quero, quando tem o que se analisar, eu analiso. Não precisa mesmo de muito esforço para detectar o problema do Atlético. Juninho fez muito bem seu dever de casa. Mas sabe o que mais me deixa frustrado e irritado? Sampaoli tinha Nathan, Keno, Savarino, Vargas, Sasha e Marrony e chegou ao mesmo lugar que Scolari. Por ter começado melhor e caído e não o contrário, é malvisto. Não desrespeitou nenhum torcedor, mas foi culpado. Longe de mim querer defender o ‘Pelado’, mas, reitero, ambiente no vestiário não pode ser planejamento. Só quero mostrar que todos nós temos pesos e medidas diferentes quando nos convém.
Mas, sabe qual o maior problema? Podemos até identificar as dificuldades do Atlético em campo. Podemos até debater. Analistas, podemos analisar, opinar, observar. Torcedores, podemos protestar e tentar fazer barulho. Não somos nós quem precisamos fazer isso. Enquanto torcedor, meu papel é torcer e minha opinião tem que ser apenas no que tange ao passional. Ainda que eu tenha a obrigação de ser claro e respeitoso. Enquanto analista e comunicador, meu papel é tentar desvendar, traduzindo da melhor forma que eu conseguir, o ponto de vista do treinador. Preciso tentar mostrar ao público o que o treinador tentou fazer e não deu certo e também o que deu certo. Conclusões, quem tem de tirar não somos nós. Quem precisa ter a capacidade de identificar, analisar e compreender tudo o que foi dito acima, para aí sim decidir o que fazer, pagou ingressos. Não tão caros quanto deveriam, mas na casa do bilhão.
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