A sorte não acompanha só quem não teme, mas a vontade e a organização vencem a teimosia e a incoerência
Por Hugo Fralodeo
18 mar 2024 11h02
O Atlético conseguiu cumprir seu objetivo e está na final do Campeonato Mineiro. Mas a que preço? Para passar pela fase classificatória com a pior campanha (em pontos) entre os quatro semifinalistas e superar o América em dois jogos, o time de Felipão perdeu qualquer resquício de confiança do torcedor, que, ao invés de comemorar ter a chance de conquistar o penta, acompanhar o sorteio da fase de grupos da Libertadores e relaxar, passa a se preocupar em sofrer mais uma derrota em casa para o seu arquirrival e teme que qualquer configuração de chave na principal competição sul-americana de clubes, que é o grande sonho e objetivo de todos na temporada, signifique um grupo da sua morte.
Hulk saiu de campo elogiando o América, que, segundo ele, praticou o melhor futebol do certame e merece voltar à Série A. Assino em baixo. Espero, porém, que Hulk tenha a consciência de por que o Coelho foi o melhor time do Estadual: apesar de ter um orçamento ainda menor que o do ano passado, manteve uma base no elenco e tem um treinador que conhece os jogadores que têm à disposição e sabe o que tirar deles.
Luiz Felipe Scolari, que elogiou este América nos dois embates anteriores, parece não ter assistido nem os jogos que esteve na beira do campo contra eles. Na antevéspera da partida, em coletiva, Paulinho dizia que o Galo deveria usar a vantagem revertida na Arena, mas precisava de uma estratégia para sacramentar a classificação. Segundo o Arqueiro, isso estava sendo trabalhado por elenco e comissão na Cidade do Galo. Na hora do vamos ver, o que foi que vimos? Vimos que a estratégia trabalhada nos seis dias de preparação para a partida tinha como bases fundamentais a posse de bola infrutífera na intermediária defensiva e torcer para o tempo passar com o máximo de segundos que Everson pudesse gastar e com o máximo de paralisações que os jogadores de linha conseguissem.
Enquanto Scolari olhava para o relógio e para a arbitragem, apontando para os ponteiros e o regulamento, Cauan de Almeida lia a partida e ia desmontando o pouco de futebol que o Atlético tinha. Não que fosse tão difícil assim, pois Scolari deu a ele todas as condições para ganhar a partida. O treinador do Atlético não escalou – com a justificativa de não ser um jogador preparado para esse tipo de jogo – Alisson, que foi o jogador que segurou o lado esquerdo de ataque americano na ida, que se provou ser mais forte durante todo o campeonato. Não satisfeito, colocou Alan Franco e Igor Gomes, que deveriam povoar, na cabeça dele, o meio-campo, para correrem atrás da trinca de meia-cancha do América, que fez o trio Atleticano – junto com Battaglia – de baratas tontas.
A resposta de Scolari? Anular Paulinho, que veio para a direita – não para empurrar o lateral-esquerdo para a linha de fundo, mas para marcá-lo -, jogando Scarpa para o outro lado – quando ele poderia ter espaço no centro, onde o América seria obrigado a concentrar o jogo e desguarnecer a marcação -, anulando Guilherme Arana – que então precisaria ter preocupação não só com o ponta, mas também com o lateral-direito – e, colocando a cereja em cima do bolo de terra arrasada, isolando Hulk, que teve de brigar contra mais de um defensor nas pouquíssimas oportunidades
que teve a bola dominada.
Cauan, que não é bobo nem nada, afastou Hulk da área, o jogando para o lado, armou a cobertura para que Paulinho não conseguisse avançar com a bola no pé, soltou Juninho para avançar pela direita e triplicar a carga em cima de Arana, prendeu Alê, que anulou Scarpa, recuou Moisés, que fazia a bola sair limpa, mostrando que passou sua semana de trabalhos focado em destruir as poucas qualidades do Atlético e criar situações para favorecer as maiores virtudes do seu time.
A confiança faz diferença, mas a sorte também. Em qualquer outro momento da partida até então, o Atlético não conseguiria ter chegado ao empate quando chegou. Do apito inicial até os três minutos da segunda etapa, Paulinho não havia colocado os pés na pequena área. Aliás, o Atlético havia passado 53 minutos de jogo com uma jogada dentro da área, o chute de Hulk salvo por um defensor do Coelho antes que a bola ultrapassasse a linha.
Isso porque ainda não falei da incoerência do treinador, que descarta jogadores sem mais nem menos. Por exemplo, o que aconteceu com Otávio? Claro, Battaglia é mais jogador, é natural que, jogando com apenas um volante, esse homem seja o argentino. Porém, todas as vezes que os dois estiveram saudáveis e Scolari optou pelo double pivot, o camisa 5 esteve em campo. O cara não era acionado há quatro partidas, entra no final do jogo, claramente incumbido de arrumar confusão e pilhar os jogadores do América.
É muito pouco para o que o Atlético tem a oferecer. O que vimos no Independência na noite deste domingo foi a violação das características de cada um dos jogadores que entraram em campo. Me desculpe, Hulk, a camisa pode pesar, como você disse, o Atlético pode ter jogadores experientes para suportar a pressão, mas o seu jogo e dos seus companheiros não é e nunca será de um time que entra em campo para irritar os adversários, fazer o relógio correr quando está em vantagem, discutir, arrumar confusão, esquecendo da bola. É inadmissível que Scolari esteja tentando implantar isso nos jogadores do Atlético e é nada além do que triste que um elenco com essa qualidade aceite tal situação.
Concordo, em determinados momentos, a ordem é classificar, mas há sempre um contexto. Detalhes colocaram o Atlético na decisão. Até quando isso pode funcionar? Tudo que aconteceu nos jogos das semifinais, ao invés de dar confiança aos jogadores e esperança aos torcedores, colocou uma pressão maior ainda sobre os ombros de quem não lidou lá muito bem com isso nos últimos meses.
A partir de agora, toda vez que o Atlético entrar em campo, está valendo título. Para quem não entende esse língua: toda vez que os jogadores vestirem o Manto, calçarem suas chuteiras, se perfilarem no gramado, o árbitro apitar, está valendo dinheiro. A sorte, o acaso, eles até classificam em alguns momentos. A incoerência e a teimosia sempre perdem. A vontade e a organização quase sempre superam todo o resto. Por melhores peças que um elenco possa ter, um time só pode ser tão bom quanto seu treinador.
–
*Este texto é opinativo, de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.