Todo dia é uma oportunidade para aprender algo novo, mas a ignorância é a verdadeira benção
Por Hugo Fralodeo
1 ago 2024 – 13:13
Metido a besta confesso que sou, me considero um cara criativo o bastante para não suportar clichês. Apesar, contudo, todavia, mas, porém, deixando de lado toda sua previsibilidade, em determinados casos, eles caem bem como o processo linguístico da ênfase. Portanto, nem o torcedor mais otimista do CRB esperava o que se sucedeu a partir do apito inicial no Rei Pelé.
E vou além: ninguém, no campo, nos bancos, nas áreas técnicas, cabine do VAR, arquibancadas e os pobres expectadores da – com todo respeito aos colegas profissionais – péssima transmissão da partida, ninguém, literalmente, acreditava no que via (cos ói quia terra há di cumê).
Sem perder a elegância e a educação, sem subestimar ninguém, Milito deixou claro a quem quis entender: nem os planos mais meticulosos serão à prova de surpresas. Quem aceita que o novo sempre vem, já se conformou de que o futebol vem já é uma nova ciência. A grande questão, na verdade, é que muitos dos que já deram o braço a torcer, ainda confiam na exatidão das ciências formais. Por mais que o treinador do Atlético prepare seus jogadores, seus torcedores e seus comentaristas para correrem riscos calculados, nem a tal da Aurora (futuro supercomputador mais poderoso do mundo), que prometem ser capaz de fazer 2 quintiliões de operações por segundo, prediria que um dos melhores times das Américas tomaria dois gols do 10º colocado da Série B no espaço de tempo que um processador computa sei lá o quê mais de 100 quintiliões de vezes.
Para quem continua atordoado, eu desenho o que aconteceu até o minuto 7 em Maceió: o Atlético começou bem o jogo, quase saiu na frente, mas, em mais um clichê, padeceu no ímpeto do mandante nos 15 minutos iniciais, falhou, não fez e tomou, dentro de outro clichê. Aí, perdeu seu principal jogador, se desesperou, se desorganizou, se lançou, errou, diminuiu, conversou, se acalmou, se equilibrou, jogou, empatou, quase virou, reclamou, acabou.
Depois de seu primeiro dia na Cidade do Galo, Milito, me lembro bem, perguntado sobre estrear em um clássico valendo título, deu o papo, para ele seria algo indiferente, pois seu objetivo era usar a mentalidade vencedora do seu elenco para convencê-los de que todo jogo deve ser jogado com a mesma seriedade e empenho. Não estou dizendo que tenha faltado concentração aos atletas nos primeiros minutos, mas, algo que foi sistemático na fase ruim do Galo, que também se tornou clichê, foi o excesso de confiança e tranquilidade, em mais um clichê, transparente nos rostos dos 11 Atleticanos dentro das quatro linhas: “eu treinei durante a semana, eu sei o que fazer, nosso objetivo é controlar o jogo, que vai acontecer da forma que nós queremos, quando nós quisermos”. Sei que já estou abusando, mas, não tem jeito, quanto maior a altura, maior a queda.
Há uma explicação muito simples para um dos grandes pontos em discussão neste meu singelo ensaio. As coisas já andam tão fora de ordem nessa nova ordem mundial, absurdos já são tão banais, que as pessoas vão perdendo sua capacidade de se indignar e se espantar. Inconformado contumaz, eu fico impressionado é com a falta de impressão que a gente vai tendo de tudo. Todo dia é só mais um dia, enquanto todo dia deveria ser uma oportunidade para aprender algo novo. Eu sou “fã” de outro clichêzaço: “viva todos os dias como se fosse o último”. Esse está entre os meus preferidos, sério mesmo. Uma dose mínima de bom senso seria suficiente para concluir que o contrário deveria ser o “ideal”, viver cada dia como se fosse o primeiro, conhecendo, descobrindo, se aperfeiçoando, amando, construindo. Mas, só se vive uma vez, não é mesmo?
E Milito tentou nos ensinar mais uma vez. Quando ele diz que “ele” deve analisar o desempenho enquanto nós analisamos resultados, ele está jogando na nossa cara. Mas o pior cego é aquele que não quer ver. (Beleza, parei. Prometo). O Atlético fez um bom jogo. O resultado, dentro do contexto, ainda fica amargo, pois o time criou chances para sair de Alagoas com a classificação encaminhada. Em determinados contextos, transformar um 2 a 0 contra em 2 a 2 raramente será algo ruim. Eu vi gente esperneando pelo Atlético ter alçado a bola na área mais do que o normal. Me desculpem, mais uma vez, com todo respeito, é para analisarmos o desempenho, mas o resultado faz parte disso também. Depois do gol de Scarpa, o time teve mais quatro chances de gol. A partir de um momento, não importa a tática, o negócio é colocar a bola mais perto da meta e tentar empurrar para dentro. Numa dessas, Cadu teve uma chance e guardou. Outros tiveram mais chances e desperdiçaram. Outros desses outros atrapalharam Cadu. Eu vi. Outros viram. Cadu viu. Milito viu. Aposto, com quem quiser, um pacote de balas suspense, que o prata da casa será a opção número 1 nas próximas oportunidades. Isso se ele não começar o próximo jogo na vaga de Hulk.
Mas sabe qual o real problema mesmo? É que o burro tem mais confiança do que o inteligente. O sábio não tem medo de ser ignorante. Ele titubeia mesmo quando tem certeza. Não por vaidade, muito menos por arrogância. É justamente o contrário. Quem pratica a burriquice, burreza, asnice… tem muito mais convicção e e enche a boca para falar suas bobagens. Pode saber, quem responde tudo de bate-pronto, sem pensar pelo menos por um segundo, só quer estar certo. Possuidores de sapiência, em qualquer situação, mesmo com total certeza, sempre irão considerar e ponderar antes de dar a palavra final.
Fiz a mesma pergunta a algumas das pessoas mais brilhantes que conheço:
– Sem pesquisar, quantos zeros tem 1 quintilhão?
Acho que todos erraram (eu ainda não tenho certeza de quantos são), mas todos deram a mesma resposta. Claramente, todos foram pela mesma linha de raciocínio. Depois, como eu suspeitava – não querendo me colocar entre os CDF’s, mas seria o que eu faria -, todos pesquisaram e se corrigiram. Está conseguindo enxergar o que quero te mostrar? Então, fiz mais duas perguntas:
– Milhão, bilhão, trilhão, quadrilhão e quintilhão. No conceito de unidade, o milhão não deveria ser maior?
Todos, óbvio, dando alguns segundos para o cérebro respirar, concordaram que deveria ser um caso a se pensar.
– Mas então, se trata de um problema matemático ou linguístico?
Também de forma unânime, concluímos ser uma questão da língua. E todos estamos “certos”.
O idioma que falamos hoje é uma variação da mistura do português (PT-PT), originário do latim vulgar, com línguas indígenas, diversos dialetos africanos, além de vícios de linguagem adquiridos com estrangeirismos de outros idiomas de origem latina e também germânica. Passando por galego-português, galego propriamente dito, português arcaico e português clássico, adicionando coloquialismo, regionalismo é uma maior globalização, chegou-se ao que falamos hoje. A palavra “bilhão” vem do francês e equivale a “mil milhões” no português. Em Portugal, o “bilião” se refere a “um milhão de milhões”, deixando para nosso “bilhão” brasileiro a paridade com o “bilhão” francês, voltando aos “mil milhões”.
Logo, pesquisando, filosofando, confabulando e dissertando sobre, a conclusão mais óbvia, e talvez correta, vem da suposição e assunção de que o bilhão surgiu na preguiça do brasileiro e deveria continuar sendo mil milhões, deixando o milhão como “última unidade”, teoricamente, respeitando a mesma condição dos milhares: mil, 2 mil, 10 mil, 100 mil…. E é vadiagem mesmo. Generalizando, temos tanta aversão a aprender, que nossos vícios de linguagem ressignificam palavras. Veja o que aconteceu com os pobres “onde” e “aonde”, que hoje não têm mais identidade própria, significam a mesma coisa. “Mas” e “mais”, cuidado…. A piada de mau gosto é ver o errado tomando o lugar do certo, só porque os burros repetiam uma burrice várias vezes (voltei a falar de futebol).
Podemos estar falando e pensando muita merda? Na verdade, eu tenho quase certeza que sim. Mas a coisa é justamente essa. A ignorância é o “estado de quem não tem conhecimento, cultura, por falta de estudo, experiência ou prática”. Já a burrice, “qualidade, caráter ou condição de burro (‘falto de inteligência’)”. E ser ignorante é uma verdadeira benção, tanto pelo lado do “o que os olhos não veem, o coração não sente” (achou que eu pararia mesmo?), tanto pelo doce prazer de poder aprender sobre o que você ainda não conhece. Mas burro é burro mesmo! Não adianta.
Tem outro jogo, o Atlético continua com a obrigação de vencer e estar nas quartas de final da Copa do Brasil. Nada mudou. Milito dará prosseguimento ao trabalho, refrescando a memória de alguns jogadores. Eles precisam competir, manter a concentração do último treino preparatório até a liberação para a folga. Boa gente que é, Milito também continuará, a nós que usamos microfones e teclados para pitacar sobre o time dele, dando a preciosa oportunidade de entender subjetividades, não só subjetivismos.
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* Este texto é opinativo, de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do portal Fala Galo.