Para cumprir o objetivo de dar espaço à base, Milito precisará desafiar o histórico do Atlético
Por Cris Bastos e Hugo Fralodeo
1º abr 2024 11:25
Uma das premissas que trouxe Gabriel Milito ao Atlético foi sua capacidade de trabalhar com jogadores jovens. Aliada à ideia do comitê de futebol da SAF de formar, captar e desenvolver mais atletas na base, a chegada do treinador argentino pode ser o casamento perfeito, mas o novo comandante terá de desafiar o histórico recente no Alvinegro.
Mudança estrutural
Com metas ousadas, incluindo o plano de chegar a ter um elenco 40% formado por pratas da casa, o Clube vem promovendo mudanças na estrutura do departamento de base, como a movimentação para colocar todas as categorias inferiores na Cidade do Galo.
Dentro do processo de captação, nos primeiros meses de 2024, diversos jogadores abaixo dos 20 anos foram contratados para terem sua formação concluída no Clube, que visa retorno técnico e financeiro.
Fatores como avaliações trimestrais de desempenho, uma padronização de variados aspectos do sub-8 ao sub-20, visitas técnicas a fóruns e a clubes europeus para a observação de novos modelos, além da busca por excelência, mostram que o Galo quer mesmo voltar a ser um grande formador.
Outro grande indicativo da virada de chave é o desejo do presidente Sérgio Coelho e do CEO Bruno Muzzi de usar parte do novo aporte na SAF para investimentos na contratação de ainda mais atletas para a base e na reforma da estrutura do departamento no CT.
A base esbarra no profissional
Mesmo antes da mudança de rota, o Atlético já vinha conseguindo descobrir e lapidar joias de valor, como Rubens, que apareceu em 2021 e se consolidou em 2023. O problema, porém, é que o sucesso do polivalente lateral-esquerdo/meio-campista em encontrar espaço é uma exceção.
Excetuando o próprio Rubens e Jemerson, nomes já consolidados, o elenco principal do Atlético tem oficialmente outros nove jogadores formados em casa: os goleiros Matheus Mendes, Gabriel Delfim e Gabriel Átila, o lateral-direito Vitinho, o volante Paulo Vitor e os atacantes Alisson, Cadu e Isaac, o que já está perto da meta. Entretanto, essa turma esbarra na falta de oportunidades.
Trazendo a análise para o comparativo feito pelo próprio Clube no documento apresentado a Milito em sua entrevista com Victor Bagy (diretor de futebol) e Rodrigo Weber (coordenador do CIGA), que tem a idade como parâmetro, a taxa média de ocupação no elenco de jogadores abaixo dos 24 anos – inclui Rubens e o recém-chegado Brahian Palacios e retira Matheus Mendes – em alguns dos principais clubes formadores do mundo está em 40% (veja abaixo). O Galo fica pouco abaixo da “nota de corte”, com 31%.
A grande diferença entre esses clubes e o Atlético não está no volume de jovens no elenco principal, está no uso. A média de utilização de jogadores abaixo dos 25 anos, com pelo menos 1.000 minutos de jogo no último ano e 3.000 minutos na carreira entre os seis clubes considerados pelo Alvinegro no estudo, também está na casa dos 40%. No Galo, o cálculo da porcentagem
chega a ser desnecessário, uma vez que apenas Rubens, considerando a prata da casa, superou tal minutagem na temporada de 2023.
Na atual temporada, apesar dos jovens terem conseguido um pouco mais de espaço, o panorama não é muito diferente. Alisson, Cadu, Paulo Vitor, Isaac e Vitinho, que entraram em campo no Campeonato Mineiro, ainda precisam brigar muito pelos minutos concedidos.
Dificuldade na transição e no último estágio
Ou seja, o Galo ainda não chegou ao número que considera ideal, mas a prata da casa já consegue se inserir no elenco principal. A transição é que ainda precisa ter o ponto final, como aconteceu com Rubens.
Eduardo Coudet, inclusive, conseguiu mudar a política de que os atletas da base que treinavam com o time de cima precisavam descer de volta para disputar jogos pelas competições das categorias inferiores, o que prejudicava no processo de maturação e firmação do atleta.
Outra mudança sensível foi na função do coordenador de transição, cargo agora ocupado por Réver, que auxilia e acompanha os garotos que vão sendo integrados ao time de cima. Ao contrário do seu ex-parceiro de zaga Léo Silva, que era mais atuante na base, o Capitão América é figurinha carimbada nos treinos de seus ex-companheiros, o que permite uma monitoração mais profunda.
Mas não se trata apenas de planejar que o jovem chegue, tampouco que ele se firme. O grande plano deve comportar também o último estágio, que cada vez mais e mais jovens completem a transição definitiva, mas com tempo de jogo.
A título de comparação, o Palmeiras, que tem colecionado taças tanto na base quanto no futebol profissional, traçou objetivos semelhantes aos do Atlético, conseguindo cumpri-los em 2023.
No final da temporada passada, 11 dos 28 atletas disponíveis para o técnico Abel Ferreira eram oriundos das canteiras, o que representa o número de 40% que o Alvinegro também acredita ser a porcentagem ideal.
Mas, além de simplesmente ter jovens para compor o elenco, o rival do Galo nos últimos anos criou um plano para a utilização dos seus jogadores formados em casa. A ideia do Palmeiras é que, a cada temporada, pelo menos quatro jogadores da base do clube atuem no mínimo 45 minutos em dez partidas, sendo utilizados por pelo menos 450 minutos. Ao final de 2023, nove jogadores ultrapassaram a meta, o que impactou diretamente no volume de minutagem da equipe, pois cerca de 20% do tempo de jogo foi de jogadores jovens.
Quando a demanda cria a oportunidade
Com uma maratona de até 19 jogos nos próximos dois meses, não há mistério, Milito terá de rodar o elenco. Se os garotos fazem parte dele, terão de ser utilizados. Do contrário, o grupo não terá pernas para alcançar os objetivos traçados.
Será um grande desafio para o treinador, que parece mesmo gabaritado para a missão. Em sua entrevista coletiva de apresentação, quando revelou seu gosto por promover e trabalhar com os jovens, garantindo, inclusive, que Alisson e Rubens terão muitos minutos, Milito deixou claro que tem a capacidade e a vontade necessárias para contribuir com o que pretende o Clube.
A grande dúvida é se o Atlético realmente irá respaldar o treinador e os garotos, mas, principalmente, se o Clube aprendeu com os erros cometidos no passado recente, como Sávio, que, lançado talvez muito cedo, ficou pelo caminho no Galo, não conseguindo entregar nem esportivamente e nem financeiramente. Tudo isso torna a missão de Milito algo extremamente complexo. O treinador precisará impedir que os garotos subam apenas para treinar, não recebam tempo de jogo e o Clube perca em termos esportivos e financeiros, não aproveitando em campo e deixando de faturar no momento de amadurecimento do atleta, vendendo por necessidade e não pela oportunidade.
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