A missão de Milito no Atlético é muito maior do que simplesmente fazer o exato oposto de seu antecessor

Por Hugo Fralodeo
24 mar 2024 13h13
A contratação de Gabriel Milito para assumir o comando técnico do Atlético pode ter alguns significados, dependendo dos outros diversos pontos de vista. A grande questão é que nossos olhos podem nos enganar. Isso não seria problema, mas sempre pode ter alguém que resolva se aproveitar disso.
Já quero dizer que não tenho nada contra o Mariscal. Acho, inclusive – muito devido à escassez de treinadores, é verdade -, uma boa opção. Apesar de ser o protagonista do papo, porém, Milito fica para estrofes mais adiante.
Já que falei em ótica, vejo que a holding, já colhendo louros de ter entregado em bandeja de prata a cabeça que muitos queriam, tenta passar uma visão à torcida: Milito chega ao Alvinegro em uma ação de ruptura, resgatando, junto do futebol ofensivo, o ânimo da torcida, que já nem mais gritava para o Galo ir para cima deles, contrariando e contrariada com a birra de quem queria colocá-lo cada vez mais para trás. Se o estilo de jogo era um problema, não será mais, acredita a turma do cheque. Confiando que presentearam o torcedor com o que ele queria, parecem ter certeza de que fizeram sua parte, que a paz voltou e que a obrigação de fazer o trem andar volta a ser única e exclusiva de quem bate ponto diariamente na Cidade do Galo.
Pensando com o ‘pacote office 365’, inteligência artificial, os gadgets assistentes pessoais e a carteira de investimentos, a ordem era fazer diferente do que foi feito antes. Com o crash na bolsa, desistiram de manter treinadores só porque deu errado demití-los em outras estações e mudaram de ideia mais uma vez, resolvendo voltar a demiti-los, acreditando ainda estarem fazendo diferente. Longe de mim criticar a demissão de Scolari, fiquei aliviado. O que quero dizer, enrolando como um coach guru do mercado, é que o comitê não tem consertado erros com tentativas de acertos. Com preguiça e sem convicção e ideia alguma, eles têm justificado erros com erros do passado, apostando que o vento pode virar e a bolsa voltar a dar lucro.
Para chegar aqui, o erro primordial foi a manutenção de Turco quando não havia convicção, a demora em demiti-lo quando a situação parecia que não teria mais solução e a falta de coragem para bancá-lo, o que a gestão considera seu grande pecado. O roteiro se repetiu com Chacho. Ao contrário do que pensam, o maior erro dos últimos quatro anos foi a contratação de Scolari, depois a manutenção do “trabalho” de uma temporada para outra e, mais uma vez, a demora em agir. Parece cíclico, como o ouroboros, a cobra comendo o próprio rabo. Repito: o escudo caiu.
De toda forma, é dificílimo prever o destino de Milito. A parada é duríssima até para os mais competentes clarividentes da especulação do mercado financeiro. Indiretas e brincadeiras de lado, a missão do Marechal do Galo é muito mais do que simplesmente fazer o exato oposto de seu antecessor e evitar cometer os mesmos erros de seus compatriotas que lideraram o Alvinegro em batalhas recentes. O nível de dificuldade, porém, pode variar.
Um treinador que goste da bola, não viole as características dos jogadores, preferencialmente baseando o jogo nas virtudes das principais peças que tem à disposição e não pedindo documento para escalar seu time, tem meio caminho andado. Isso Milito pode entregar.
Apesar do novo treinador do Atlético não ter um aproveitamento fora da curva em seu principal trabalho, devemos lembrar que o Argentinos Juniors figura no segundo ou terceiro escalão da hierarquia do futebol argentino. Nossos olhos nos enganam, lembra? O que Gabriel fez em La Paternal é muito grande. Colocar El Bicho entre os três times que mais criaram chances na Argentina por dois anos consecutivos não é pouca coisa. Mesmo sem qualquer conquista no currículo, se trata de um jogador e técnico que conhece muito bem o que é a pressão de um clube grande.
Além de priorizar um futebol bem praticado do goleiro ao centroavante e ter o gol adversário como único objetivo, Gabriel cobra de seus jogadores valentia e valoriza a inteligência. A tendência é que o grupo volte a jogar com a cabeça antes das pernas e que a bola volte a correr mais do que eles. Lembremos também que este elenco do Atlético foi montado, durante a pré-temporada de 2023, para um treinador com conceitos fundamentais muito similares aos de Milito. Isso, junto com o fato dessa galera já ter trabalhado de tal forma, não dá muita margem para desculpas. Agora, o Galo pode, literalmente, jogar.
Chegando ao grande ponto em questão, tudo isso não significa que Milito precise apenas respeitar o torcedor (que coisa tão difícil, não?), explicar o que deu certo ou errado depois dos jogos, ser honesto com seus comandados e colocar o Galo para frente. Fazer um trabalho melhor que o antecessor nem é tão complicado assim. O maior desafio de Milito será resistir no cargo. Ele também não pode, como Sampaoli, Turco, Cuca (em 2022), Coudet e Scolari, ser interino dele mesmo. Ao invés de sorte, costumo desejar muito trabalho a alguém que assume uma função tão importante. No caso de Gabriel, ele precisa mesmo é da intervenção do senhor acaso, seja para que seu time encaixe e tenha resultados rapidamente ou para que ele tenha tempo de fazê-lo, porque um bom trabalho é provável que ele entregue, mas ele precisa poder (ter permissão e condições) entregar.
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*Este texto é opinativo, de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.