‘Você pode me ouvir, Major Tom?!’ Antes um só, perdidos, Atlético e Massa se estranham. A odisseia do Atleticano à deriva

Por Hugo Fralodeo
26 out 2023 11h35
Lá no sublime 1969 – o ano perfeito, musicalmente falando -, quando David Robert Jones – o ao mesmo tempo mais peculiar e mais ‘ordinário’ ser humano a pisar na Terra – mudou pela primeira vez o mundo e lançou a inovadora ‘Space Oddity’, ele sequer deveria conhecer o Atlético, muito menos prever que sua “diferente” e “extraterrestre” obra seria relacionada a diversos aspectos comuns à humanidade. Mas da estranheza comum e inerente a todo e qualquer ser humano, ah, o visionário Bowie tinha completa ciência. O ponto é que, até hoje, ele é um dos poucos de nós a perceber tal ironia sapiana.
Trazendo o papo de fato pra dentro da Cidade do Galo, com sua balada que conta a vista do ponto de Major Tom, que acabara de “desembarcar” no espaço, Bowie, inspirado por ‘2001: Uma Odisseia No Espaço’, de Kubric, quis dizer que o Major era nada além de um ser humano, tentando retratar a tristeza em relação ao espaço, que, pra ele, tinha sido desumanizado. O ‘camaleão’, ainda, garante que Space Oddity se trata de uma “canção-farsa”. Tentando relacionar ciência e emoção humana, a canção nunca entrou no vale da estranheza, e só é farsa pra quem não quer ver, pois descreve perfeitamente a ansiedade quando se vê a inércia em meio ao caos que te rodeia. Conhece algo parecido, Atleticano(a)?
De 1908 até aqui, era claro e senso comum de que Atlético e Atleticanos seriam um só. O Clube, a instituição, jogadores, torcedores, edificações, funcionários, tudo, cada um exercendo seu papel, mesmo em tempos de completo desequilíbrio e incerteza, juntos transformávamos o um em coletivo, trazendo o coletivo de volta para um só, quase como uma espécie de colmeia. Mais preciso, na verdade, seria dizer que o Atlético é uma entidade. A questão é que, quando os organismos vão se quebrando, a cadeia vai se separando. Então não resta mais unidade, o que era um passa a ser cada um. E é cada um por si.
Atlético e Massa estão perdidos. Perdidos a ponto de transformar em miserável um ano que deveria ser único como 1937, 1971, 2013, 2014 ou 2021 e outros tantos. Sem controle, o Atlético esvazia seu estádio e torcedores perdem a cabeça e cometem atos insanos. Está tudo errado! Tudo mesmo. Quer um exemplo concreto dessa quebra? O Atlético começou a acabar com o Manto da Massa, que deveria se tratar justamente do projeto que evidencia a liga entre todos nós. E o absurdo na campanha de renovação do GNV? Os abusivos preços praticados na Arena, como o que se paga para estacionar um carro? E as declarações infelizes, para dizer o mínimo? O processo da SAF… terminando com o campo e bola.
A Massa não tem culpa no geral, mas há entre nós aqueles que podem buscar a chave pix do bolo pra dividir a conta. Ah, se tem…. Mas a gente sabe. Textos atrás, escrevi que não mais criticaria o comando técnico, pois era inútil e eu seria taxado de oportunista. Até repenso sobre o mal falado “eu avisei”, não há nada errado em alguém dizer que avisou, porque a memória de algumas pessoas é como a música que me fez pensar nisso, funciona de formas misteriosas. Por essas e outras, a crítica vem depois de uma vitória (que veio com uma dose forte de sorte, diga-se de passagem). Como o tema é estranheza, Scolari não combina com o Atlético, nunca irá se encaixar entre nós. Alguns nomes do atual elenco também não. É nítido quem se importa com o que está acontecendo e quem trata o momento atual como mais um dia no escritório.
A última vez que dois jogadores ultrapassaram os 20 gols em um mesmo ano com o Manto foi em 2010. Felipão atrapalhou diversas vezes a dupla de artilheiros e não consegue aproveitar os quase 50 gols que fizeram, assim como os companheiros da dupla não conseguem acompanhá-los, mesmo que alguns se esforcem e sintam. Como Tom, o Atleticano é viciado em acreditar, em meio a um otimismo melancólico, por vezes, ele não se apega a discursos derrotistas e não se diminui. O Atleticano sente o Atlético, que sente o Atleticano. E o treinador, que, na cabeça de quem comprou a ideia, teria vindo justamente pra pacificar e unir, resolve dividir ao bater de frente com a torcida, de forma covarde, ainda, depois de uma vitória. Por que não mandou recadinho depois de perder o clássico? Deixa eu te contar um negócio, bacana: sem os pontos do time do Coudet, baseado pelo seu aproveitamento, você iria sofrer ainda mais, mas para chegar na Sul-americana. Baixa a bola.
O maior problema não é cometer erros, o negócio é a volta, quando você não faz nada para tentar corrigir, mesmo que torne tudo pior. (Que nossos erros sejam pesados de forma diferente dos nossos acertos também é um problemão. Mas isso é outra história). Assim como Major Tom, que indo a 100 mil por hora se sente imóvel, o Atlético está parado. Blasfêmia contra os deuses do rock me comparar a David Bowie, mas muito do que escrevo aqui sobre o Atlético é sobre mim e outros aspectos da minha vida. Pra quem não sabe, Major Tom, protagonista também em ‘Ashes to Ashes’ e ‘Hello Spaceboy’, também do camaleão, e em outras diversas canções, como ‘(Coming Home)’, de Peter Schilling, ou em ‘Rocket Man’, de Sir Elton John, pelo menos pra muitos, é uma das personificações do próprio David Jones, que se despiu em diversas personalidades ao longo da vida e da carreira, voltando, ele, Bowie e Major Tom, para morrerem em ‘Blackstar’.
E agora eu me vejo como esse astronauta à deriva no espaço. Parecendo tão perto, mas tão longe ao ver a Cidade do Galo e a Arena MRV por outra perspectiva, sem nada poder fazer. Sentado aqui, sozinho, na minha lata velha, flutuando de um jeito peculiar, com as estrelas parecendo tão diferentes. Eu tento dizer, eu tento ajudar, eu tento corrigir o que acho que posso. Outros diversos Atleticanos e Atleticanas atônitos com a situação também tentam. Mas os circuitos morreram, a mensagem não chega mais de forma clara, a conexão com a base de controle foi perdida. A gente grita daqui do espaço. Eu, desesperadamente calmo, grito daqui, mas você não ouve, você não entende. Tom não parou de tentar, pois, como vimos, ele retorna pra contar mais de suas aventuras. Alguém ouve?! Eu não vou desistir. Nós não vamos desistir. Reage. Reage, Atlético!
‘Tem algo errado!
Você pode me ouvir, Major Tom?!
Você pode me ouvir, Major Tom?!
Você pode me ouvir, Major Tom?!
Você pode…’
*Este texto é opinativo, de inteira responsabilidade do autor e não reflete, nescessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.