Por Max Pereira –
SAF, Sociedade Anônima do Futebol, não é apenas um modismo como tantos outros que, com o passar dos tempos, é substituído por outros e, por vezes, cai no esquecimento. A SAF, que para muitos é o único porto seguro para os mal administrados e endividados clubes brasileiros, ainda é um caminho cheio de sombras, dúvidas e incertezas. Para muitos juristas a legislação da SAF é dúbia e contém vários pontos obscuros, senão inconstitucionais, que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser discutidos e definidos de uma vez por todas pelo Supremo Tribunal Federal. Para o bem ou para o mal, a SAF veio para mudar radicalmente o futebol e, por isso, todo o cuidado é pouco.
Mas, antes mesmo que os imbróglios jurídicos que já estão pipocando aqui e acolá, particularmente em relação às dividas trabalhistas da associação e sobre qual é a responsabilidade e quais são as obrigações da SAF em relação a elas, cheguem ao STF, muitos aficionados do esporte bretão nessas terras tupiniquins por temerem efeitos nefastos dessa nova legislação em relação a outro enfoque tão importante e tão crucial quanto ao crescente e irresponsável endividamento dos clubes, heranças consideradas malditas pelos investidores, com justa razão, já cobram dos próceres de seu time do coração respostas quanto à preservação da identidade da agremiação e, em consequência, do sentimento de pertencimento, amálgama fundamental à robustez do elo clube/torcida.
Assim, tão importante e essencial quanto preservar o direito dos credores da associação e não permitir que o instituto da SAF venha a oficializar o calote, é vital falar também do sentimento de pertencimento, do significado de identidade e do porque a preservação destes princípios e valores deve ser considerada cláusula pétrea em qualquer contrato firmado para a constituição da Sociedade Anônima de Futebol.
À medida que o Atlético for desenvolvendo o seu projeto de SAF muitas perguntas e outro tanto de dúvidas e incertezas surgirão naturalmente sobre esta e outras questões, indicando não só a necessidade de debatê-las todas à exaustão, como também que, mais do que nunca, o atleticano, instigado pelo seu sentimento de pertencimento em relação ao clube e ciente da importância da preservação da entidade da associação, deve buscar exercer o seu direito e cumprir o seu dever de vigiar e de cobrar.
No sentido formal, o sentimento de pertencimento é uma ligação psicológica entre colaborador e empresa, em que o funcionário se vê como parte de uma comunidade. Assim, a organização deixa de ser apenas outro lado de uma relação de serviços, tornando-se um grupo social cuja unidade e permanência fazem sentido para os seus membros.
No sentido informal, pertencimento, ou o sentimento de pertencimento é a crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos que pensam em si mesmos como membros de uma coletividade na qual símbolos expressam valores, medos e aspirações. Esse sentimento pode fazer destacar características culturais e raciais. A sensação de pertencimento significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse tal lugar.
A ideia de pertencimento institui uma identidade no indivíduo que o fará a refletir mais sobre a vida e o ambiente, desencadeando uma postura crítica e reflexiva dentro do local onde ele se encontra e, no futebol, em relação ao seu clube do coração, sobre o que ele é e para onde e como ele deve ser conduzido. Identidade é o conjunto de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la. Assim, a preservação da identidade de um clube é a sua individualização no universo do futebol, a preservação de sua história, marca, tradição, cores e brasão.
É o reconhecimento de que o indivíduo é o próprio clube. É o conjunto de caracteres particulares, que o identificam e alimentam o seu sentimento de pertencimento àquela nação, àquela massa torcedora. No caso atleticano à Massa, como “M” maiúsculo. Enfim, a identidade é o conjunto das características e dos traços próprios de um indivíduo ou de uma comunidade. Esses traços caracterizam o sujeito ou a coletividade perante os demais. Somente uma pessoa que exerce o seu direito de conhecer o seu passado sabe e consegue defender a sua identidade.
A identidade também é a consciência que uma pessoa tem dela própria e que a torna em alguém diferente das outras. Neste sentido, a ideia de identidade está associada a algo próprio, a uma realidade interior que se não for bem cuidada e protegida, pode ser corrompida por atitudes ou comportamentos que, na realidade, não são próprios da pessoa. Assim como muitas pessoas ficam depressivas e infelizes por terem colocado de lado a sua identidade ao aceitar trabalhos que não lhes agradavam e com os quais não tinham nada em comum, muitos clubes podem ir por um caminho sem volta e ver romper o elo com a sua torcida se se permitirem descaracterizar. Não à toa muitos atleticanos rejeitam a ideia de o Atlético ter um dono. O Galo é muitos, o Galo é plural e uno ao mesmo tempo, o Galo são todos os seus torcedores.
Três estrofes do hino do Atlético, obra prima do saudoso Vicente Mota, expressam com maestria a dimensão, a identidade e o significado da ideia de pertencimento desse Galo maluco e o porquê ele é o mais famoso e o mais querido do mundo. As duas primeiras estrofes dizem com todas as letras que NÓS SOMOS DO CLUBE ATLÉTICO MINEIRO, que JOGAMOS, VIBRAMOS e HONRAMOS, i.e., que somos todos juntos o próprio Atlético e a terceira estrofe decreta que este sentimento de pertencimento é para sempre. É uma vez até morrer. E há quem diga que nem a morte é capaz de acabar com ele.
“Nós somos do Clube Atlético Mineiro
Jogamos com muita raça e amor
Vibramos com alegria nas vitórias
Clube Atlético Mineiro
Galo Forte Vingador
Vencer, vencer, vencer
Este é o nosso ideal
Honramos o nome de Minas
No cenário esportivo mundial
Lutar, lutar, lutar
Pelos gramados do mundo pra vencer
Clube Atlético Mineiro
Uma vez até morrer”
Pertencimento e identidade, tudo a ver.
Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
ESTE TEXTO E DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR, NAO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL.