Atleticanidade, um sentimento em cheque. Torcedor ou clientes? Eis a questão!

Por Max Pereira @MaxGuaramax2012
Presenciei dias atrás um diálogo bastante significativo e revelador entre torcedores do Atlético na praça de alimentação de um shopping de Belo Horizonte. Inicialmente eram apenas três pessoas. De repente, e sem nenhuma surpresa, 10, 15 pessoas, talvez um pouco mais, algumas vestidas de preto e branco, tinham se aproximado e uma arena se formou.
Afinal, o assunto era o Galo e isso era suficiente para prender a atenção de quantos por ali passassem. E o mais curioso: conversavam entre si como se se conhecessem há bastante tempo. Eram atleticanos e isso bastava. Eram irmãos, era isso o que sentiam.
De minha mesa, aproveitei para aprender mais com as experiências daqueles atleticanos e, assim, poder saber um pouco mais sobre o que hoje sente e pensa o torcedor alvinegro sobre esse Galo bipolar e muito complicado.
Não se enganou quem pensa que as conversas giravam em torno de broncas e reclamações. Mas, errou quem acha que as insatisfações se restringiam tão somente ao que está acontecendo dentro das quatro linhas. Ao contrário, eram exatamente várias questões extracampo que incomodavam bastante a estes torcedores que não se sentiram sozinhos, graças à simpatia e a cumplicidade explicitamente demonstradas pelos vários galistas que fortuitamente passavam por ali, ouviam seus desabafos e também expunham suas frustrações.
Embora em alguns momentos estes ou aqueles defendessem pontos de vista aparentemente antagônicos entre si, ficou claro que todos estavam muito machucados e ressentidos com o clube do seu coração. E era exatamente isso o que mais chamava a minha atenção: a imensa insatisfação com a relação clube/torcida, na qual se consideram desprezados, um zero à esquerda. Entendem eles que o Atlético hoje só enxerga os seus torcedores de grande poder aquisitivo e que o povão atleticano daqui prá frente estará irremediavelmente cada vez mais rifado da vida clube.
Preços dos ingressos impraticáveis, atendimento deficiente, aplicativos de vendas de ingressos que nunca funcionam a contento, informações confusas, reclamações não atendidas e, por fim, um clube e um time que não correspondem às expectativas de seus torcedores dentro e fora do campo, eram, resumidamente, as maiores reclamações que se pôde ouvir. A polêmica declaração do ex-presidente Alexandre Kalil que afirmou que o futebol destes tempos modernos é para quem pode pagar, foi lembrada com tristeza por um torcedor de cabelos grisalhos.
Uma senhora sexagenária, se identificando como sócia Galo na Veia, reclamou do tratamento que vem recebendo e dizendo que os seus problemas muitas vezes não são resolvidos. Outro torcedor, ao contrário, dizia que sempre foi muito bem tratado e as suas pendências em relação ao seu Plano Sócio do Atlético sempre são bem solucionadas. Uma e outra situações são normalmente passíveis de ocorrer e, isoladamente, não podem balizar um diagnóstico definitivo e justo.
Por outro lado, a elitização do público atleticano na nova casa do Galo tem sido o mote de várias discussões e pendengas. A insatisfação do torcedor em relação às vendas de ingressos, aos funcionamentos dos sites e dos aplicativos utilizados pelo clube, aos atrasos recorrentes das entregas dos mantos da Massa, aos preços dos ingressos e ao desencontro de informações, tem sido cada vez mais frequente. E esse era o ponto comum das falas daqueles torcedores atleticanos.
E uma delas foi bastante significativa, marcante e preocupante. Um torcedor de um clube conhecido como TIME DO POVO, disse em alto e bom: “os ricos não gostam e não se importam com os pobres. O Galo hoje é time de ricos. Não reconheço mais aquele Atlético pelo qual me apaixonei”.
A observação que veio logo a seguir tornou essa fala ainda mais perturbadora e angustiante: “e com esse time sem vida, sem alma, morto dentro de campo, como continuar me identificando com ele e, principalmente, como passar aos meus filhos e netos esta atleticanidade que meu pai me transmitiu?”.
No artigo “HOUVE UM TEMPO EM QUE O VENTO PERDEU”, publicado no Arquibancada do Galo em 13 de outubro de 2023, escrevi que “aprendi muito com meu velho e saudoso pai, com o meu tio e padrinho, o velho Lindolfo e com meu companheiro de tantas jornadas no Mineirão, o tio João Coelho no nome, Galo no coração, sobre aqueles tempos que o mitológico Olavo Leite Bastos, o velho Cafunga, emoldurava com suas histórias, sua verve e suas opiniões”.
Aprendi também que se o Atlético é hoje o gigante que é no futebol brasileiro é graças ao trinômio clube/time/torcida. Sem qualquer um deles o Atlético não seria o que é.
Portanto, é hora de o clube aprender com a sua torcida que esta dicotomia entre as figuras de torcedor e cliente pode funcionar bem em alguns compêndios, mas que no universo atleticano, precisa e muito de um arcabouço bastante especial que não se encontra em livro nenhum: A ATLETICANIDADE.
Assim, não custa repetir: “Quem tem que continuar brilhando, conquistando títulos, protagonista e hegemônico é o Clube Atlético Mineiro e não nenhuma SAF, nenhuma empresa. Só assim, a Massa voltará a derrotar o vento”.