‘O mar da história é agitado’
Por Hugo Fralodeo
13 nov 2022 23h37
Geralmente, quando algum intelectual (ou metido a) passa por um momento difícil, ‘E então, que quereis?’, do grande poeta da revolução russa, Vladimir Maikóvski, é citado. Comigo, eu que sou muito metido a besta e, também, um pouco metido a intelectual, não seria diferente.
Sou tão metido a besta que chamo para a conversa o grande João Bosco – através de quem conheci o poema -, que trouxe, em versão de uma de suas grandes canções, ‘Corsário’ – parceria dele com outro grande poeta, Aldir Blanc -, em icônica apresentação ao vivo, em 1992, unindo sua canção ao poema para dar todo o peso necessário, para dramatizar tal apresentação, que viria ser histórica.
E o Galo? Bem, como Maiakóvski quis dizer sobre a guerra, quando lemos as páginas dos jornais (ou do Fala Galo), não há nada de novo sobre o Atlético. Parece até que voltamos um pouquinho no tempo. “Nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?”
O ano de 2022 do Atlético não foi nada menos do que medíocre. Apesar do grandessíssimo esforço para terminar a temporada da pior maneira possível, o Galo foi lá, numa improvável “ressureição” de Eduardo Vargas, em parceria com Keno – que esteve inteiro -, e cumpriu o objetivo que restava: classificar o time à fase preliminar da Libertadores. Pouco? É, muito pouco.
Porém, como “meu coração tropical que está coberto de neve”, de fato “ferve em seu cofre gelado e a voz vibra e a mão escreve mar”, tal como este corsário, tal qual um pirata com carta de corso, apaixonado e solitário, longe da amada (que nem sabe que é amada), aprisionado na solidão, a mão escreve mar, que é sua vida, tudo aquilo que ele poderia entregar, o Atlético também entregou tudo que poderia entregar. Decepcionante? Sim. Motivo de tristeza? Não. Ainda que seja plausível e extremamente aceitável que tenhamos raiva e frustração.
Como o corsário preso em Santa Fé de Bogotá, antes capital do Vice-Reino da Nova Granada de Espanha, onde era localizada a prisão da Coroa Espanhola, na Cidade do Galo, o Atleticano anseia pelo amor, pela liberdade, o Atleticano luta suas batalhas até a bendita lâmina grave ferir teu coração. Ou seja, passamos pelas batalhas que temos de passar. Ainda que estejamos de frente para a morte certa, o Atleticano acredita e se une a qualquer um que esteja representando o Atlético. Porque quando está ali um Manto Preto e Branco, não importa quem esteja por baixo dele, o Atleticano o tem como um dos seus.
O mar da história é mesmo agitado. Cresci ouvindo contos sobre o grande Atlético da década de 80, aquele esquadrão injustiçado, que padeceu em batalhas desleais, mas que forjou o orgulho Alvinegro. Eu vi o Atlético técnico e azarado da década de 90, vi a chuva molhar o sonho de um dos melhores times que as alterosas forneceram ao Brasil. Vi o Atlético renascer depois da queda anunciada. Testemunhei com os mesmos olhos a maior reviravolta na história do Clube, o frouxo time de 2011, que protagonizou o maior vexame da história do mais tradicional Clube das Minas Gerais, se tornar o time mágico e mais uma vez operado em 2012, que desaguou nos libertadores de 2013, que ainda deu uma repaginada para render um grande caldo em 2014. Quem diria?
E o Atlético de agora? Será “apenas” o Atlético que tirou o Clube da fila de 50 anos no Brasileiro? Será esse Atlético lembrado pelo comodismo e fiasco de 2022, ou esse Atlético dará a volta por cima, entrará de novo nos trilhos do trem da história, que o mar irá virar, e quando eu for contar de gerações em gerações, quando me fizer de velho sábio e disser “no meu tempo…”, quando eu me fantasiar de menestrel, poderei encher a boca e falar do “Atlético da década de 20”? Hoje há mais incertezas do que fatos. Mas, ainda que de certo só a incerteza, tenho certeza de que podemos estar certos. O mar da história é agitado. Colocar o barco de volta na rota só depende dos marujos que estão agora na Cidade do Galo.
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E então, o que quereis?
(Vladimir Maiakóvski)
Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes
E logo de cada fronteira distante
Subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa
Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades
Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado.
As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as, como uma quilha corta as ondas.
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Corsário
(Aldir Blanc/João Bosco)
Meu coração tropical está coberto de neve, mas
Ferve em seu cofre gelado
E a voz vibra e a mão escreve mar
Bendita lâmina grave que fere a parede e traz
As febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais
Roseirais, Nova Granada de Espanha
Por você, eu, teu corsário preso
Vou partir a geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar
Me arrastar até o mar, procurar o mar
Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos e as rosas partindo o ar
Nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar