Na prancheta: Atlético e Cuca no campo
Por: Hugo Fralodeo
Cuca está de volta ao Atlético, clube que mais treinou em tempo e número de jogos, foi apresentado na última terça-feira, falou sobre a busca pelos títulos e, entre outros tópicos, abordou temas como sua preferência pelo jogo ofensivo, a herança de Sampaoli e como essa espinha dorsal que o argentino deixa pode contribuir no seu novo trabalho. Vencedor no Atlético, onde conquistou seu primeiro título de expressão e o maior de sua carreira, a mítica Libertadores de 2013, Cuca treinou na China, teve passagens por 3 clubes de São Paulo, acumulou mais títulos antes de retornar ao Galo e, errônea e geralmente atrelado à prática do ‘Cucabol’ – termo que designa seu modelo de jogo baseado em bolas longas, pivô, recuperação da segunda bola e utilização de ‘latereios’ (cobranças de arremesso lateral diretamente na área) – Alexi Stival, ao longo de sua carreira, provou que, apesar de realmente sempre pensar seu jogo a partir do ataque, é um treinador extremamente versátil, adaptável e que sua principal arma é a capacidade de extrair a inteligência e criatividade de seus comandados.
SISTEMA DE JOGO
Falando em números, até por sua já citada versatilidade, Cuca não se apega a um sistema ou formação. Quando deu o grande salto na carreira do Goiás para o São Paulo, em 2004, além de apresentar-se como um treinador que sabe muito bem montar elencos e times, deu o fundamento do time que seria campeão da Libertadores e mundial no ano seguinte e se sagraria tricampeão brasileiro. Não, não foi Paulo Autuori ou Muricy Ramalho, a espinha daquele 3-5-2 que se mostrou muito sólido defensivamente, foi forjada por Cuca, que contratou boa parte dos jogadores que se destacaram no clube e deu início ao ciclo vitorioso. Após passagens frustradas em outros clubes, foi em 2007 no Botafogo, que armou um 3-4-3, levando o clube carioca à liderar o brasileirão daquele ano e ser apontado como dono do futebol mais vistoso do país na temporada, apesar dos constantes fracassos na disputa por títulos. No ano de 2009 treinou dois rivais cariocas baseando seu jogo no 4-3-3, participou do início da jornada do Flamengo campeão brasileiro daquele ano e salvou o Fluminense de rebaixamento praticamente certo ao final do certame.
Cuca monta suas formações de acordo com as características do elenco.
GALO DOIDO
No Atlético, a história está aí para ser lembrada, apreciada e reverenciada, tendo salvado o Galo do rebaixamento em 2011, sua primeira temporada no comando do Alvinegro, a partir de 2012, como ele próprio relembrou em sua apresentação, remontou seu elenco, foi campeão mineiro invicto, coisa que o Atlético não fazia há 36 anos, chegou ao vice campeonato nacional e se consagrou, inclusive largando para trás a fama de azarado, ao levar Ronaldinho, Massa e companhia à libertação. Sei que daquele time você se lembra de cor, sei que se encantava com a magia do bruxo, comemorava os gols de Jô e Tardelli e se inclinava nas arquibancadas do Horto para não perder Bernard de vista quando arrancava pela ponta esquerda, mas, e as variações táticas que Cuca deu àquela “bagunça organizada”? O que o Galo doido diz sobre a vocação para montar times ofensivos e encontrar soluções de Cuca?
Baseado no 4-2-3-1 e, sim, com jogo direto para Jô amortecer a redonda e segurar a defesa enquanto R10 se aproximava para praticar sua bruxaria, intensa velocidade pelos lados com a infiltração de Tardelli e Bernard, dobras na área, principalmente na saída de bola no tiro inicial, com a subida de Léo Silva, força na bola parada para as torres gêmeas e os laterais longos de Marcos Rocha, tudo sustentado pela resistência e capacidade de marcação de pitbull e general na frente da zaga. Tudo isso é verdade, mas o Galo Doido não era “só isso”. Já naqueles tempos, Cuca utilizava o lado esquerdo da defesa, com Ricky ou Júnior César, para equilibrar a força ofensiva de Marcos Rocha pelo lado oposto, e “prendia” o lateral canhoto para dar mais consistência defensiva e encurtar os espaços para eventuais contragolpes, sempre posicionando um dos dois volantes imediatamente atrás do lateral-direito, que tinham a missão de cobrir sua ausência posicional. Revezando, ora Pierre, ora Donizete, um cobria Rocha, o outro protegia a entrada da área, além de participarem da saída de bola, ainda que ela fosse mais fluida pelas laterais. Do 4-2-3-1 para o 3-1-3-3 de forma muito orgânica, ensaiada e rápida.
Apesar da ‘bagunça”, aquele Galo também mostrava boas movimentações ofensivas, com Ronaldinho sempre disposto a encostar dos dois lados do campo para armar jogadas e chegando bem próximo a Jô, vezes até mais adiantado, Tardelli e Bernard infiltrando a área em movimentos verticais para finalizar e Marcos Rocha, como já explorado, deixando a lateral para se posicionar quase como um segundo meia construtor, muito próximo da área, perto de Tardelli e Ronaldinho, além de aproveitar o corredor direito quando DT9 se posicionava na área. Apesar dos problemas defensivos, aquele esquadrão já apresentava conceitos modernos, como a pressão imediatamente após a perda da posse e encaixes individuais próximos para evitar perseguições longas aos adversários.
O Galo doido tinha muito talento, qualidade individual e era mesmo uma bagunça para os adversários na frente, mas também apresentava variações e conceitos táticos modernos para a época.
HERANÇA DE SAMPAOLI E VOLTA AOS HOLOFOTES NO SANTOS
Depois de se aventurar no ‘mundo chinês’, voltou ao Brasil em 2016 para levar o Palmeiras ao título brasileiro daquele ano, onde levou muitos conceitos e práticas do Galo Doido para o alviverde. Após passagens frustradas por Santos, retorno ao Palmeiras, e São Paulo, voltou ao alvinegro praiano para 2020 e, como bem lembrado por ele, não substituiu Sampaoli imediatamente, mas reconheceu que o trabalho do argentino no Santos o ajudou a queimar etapas na formação do seu time e desenvolvimento do seu trabalho, que chegou à final da Libertadores passada.
Entre Sampaoli e Cuca teve Jesualdo Ferreira, que fora contratado para dar equilíbrio a um time que tinha muita força ofensiva, marcas do jogo posicional, mas não havia chegado à consistência esperada. Após o fracasso do português, Cuca chegou com a missão de aproveitar o que Sampaoli tinha implementado, dando mais segurança e competividade ao elenco – semelhante à sua nova missão no Atlético – e foi bem assertivo justamente ao assumir características que o elenco já tinha e não abandonar totalmente o modelo de jogo já implantado, encurtando um pouco seu trabalho ao acelerar a construção de seu time.
No Santos, Cuca aproveitou muito a força ofensiva pelos lados, muito a partir do desenvolvimento de Marinho e Soteldo por Sampaoli; Contou com a versatilidade dos meio-campistas, sobretudo os volantes, que, nas mãos de Sampaoli, desenvolveram melhor saída de bola, inteligência tática para leitura de jogo, capacidade de infiltração e aproximações aos lados para associar ao jogo dos pontas. Mas também colocou seu dedo no bolo, variou a presença interna dos laterais com sua participação pelo lado, alternava o estilo de marcação, adiantando ou mantendo bloco baixo, e fazendo encaixes individuais na pressão, coisa que não se via com Sampaoli.
O QUE ESPERAR DO GALO VERSÃO 2021?
Cuca conhece o clube, conhece a Massa e nós conhecemos nosso novo velho treinador. Sabemos que a pressão e a expectativa é pelos títulos, com o time chegando mais longe do que foi na última temporada e, com os reforços que encorpam e dão mais qualidade ao elenco, apresentar um futebol ainda melhor. Baseado em seu histórico, receber mais uma vez um time montado a partir das ideias de Sampaoli e até pela sua primeira passagem, o primeiro pensamento da Massa é pela esperança de ver um Atlético mais forte, consistente defensivamente e que seja um Galo Doido 2.0.
Saída de bola
Como no Santos, Cuca não precisa necessariamente abrir mão da saída com 3 jogadores, como também não deve se prender a esse único modo de iniciar a construção. Na última temporada, ele variava entre uma formação de saída mais “convencional” com os 4 defensores posicionados para a saída, como também destacava seu primeiro volante para infiltrá-lo entre os zagueiros e dar mais consistência e segurança à primeira linha de passe, utilizando também seus goleiros, apesar de não de forma tão “radical”, permitindo sim chutões e lançamentos do arqueiro, no caso de pressão dos adversários. Como Lucas Gonçalves revelou em sua última coletiva, Cuca já dava pitacos na formação do time e no sistema de jogo, apesar de dar autonomia à comissão interina. Vimos o Atlético também já variando mais essa saída de bola, mas podemos continuar vendo Guga se apresentando para o apoio aos zagueiros.
Posicionamento dos laterais
Cuca também mesclou bastante a forma como seus laterais se posicionavam na última temporada, a depender muito do momento do jogo e do que o adversário mostrava, tanto resistindo aos movimentos do Santos, como tentando arrastar os times de Cuca para fora da área de marcação. Mas, como era um volante que se alinhava aos zagueiros e os laterais faziam parte da saída, era mais habitual ver os laterais mais abertos, na saída e também ofensivamente, sendo eles responsáveis por abrir o campo, deixando o centro para os volantes e os pontas infiltrarem. Com a presença ofensiva e movimentações de Arana pelo lado esquerdo, inclusive sua boa comunicação com Keno, ele pode utilizar muito o corredor esquerdo e continuar confundindo as defesas pelo lado que foi mais forte ofensivamente na temporada passada. Pelo lado oposto, com a presença de Hulk, que também tende a buscar mais a área, Guga, que desenvolveu mais qualidades, se tornando mais completo, apesar de características diferentes de Arana, por não ser um lateral de chegada no fundo e apoio na área ofensiva, também pode cumprir bem função semelhante, pois a amplitude que Cuca deve dar ao Atlético, tende a ser num ponto mais próximo ao meio-campo, permitindo ainda muita movimentação do meio-campista que estiver pela direita, papel que cabe muito bem nas características e movimentos de Zaracho e Alan Franco, que vão ter a possibilidade de se lançar ao corredor direito quando Guga se aproximar dos zagueiros.
Formação do meio-campo
A maior expectativa para a Massa no momento é pela estreia de Nacho. Sabendo que se trata de um jogador criativo, que vai “arrumar” o meio campo do Galo e sanar os problemas de construção, o argentino tende a se ajeitar em campo de acordo com a necessidade e o momento das partidas. Zaracho vem se destacando no início da temporada e, apesar do nível de exigência do mineiro ser mais baixo, vem demonstrando muito bom futebol nas 3 fases e funções do meio, e também se arranjou em campo ao perceber o espaço que poderia ocupar, muito a partir das deficiências do time na construção, num primeiro momento, mas também pela adaptação ao que o jogo pedia. Atuando como primeiro homem do meio-campo, ele participa da base da construção, mas também infiltra e arma o time, com sua qualidade de passe, drible e criatividade. A dupla de argentinos joga?
O meio-campo de Sampaoli é o setor de maior exigência e desgaste, foi o setor onde tivemos o maior número de suspensos e lesionados, justamente pela intensidade cobrada. Assim como no Santos, Cuca recebe de Sampaoli meio-campistas versáteis, capazes de se posicionar e entregar diferentes formas de jogo, inclusive dentro de uma mesma partida. Como visto, o primeiro volante de Cuca participava da saída, mas também contribuía na construção, chegando a se infiltrar na área; o segundo volante ficava responsável pela aproximação ao meia e aos atacantes, também invadia a área para finalizar e avançava para combates pós perda; o meia mais criativo, procurava aproximações com os lados e tinha a missão primária dos últimos passes e o acionamento dos jogadores melhor posicionados. Independente do desenho de meio-campo. No Galo, Jair e Allan têm mais características para serem os primeiros homens, cada um também com características particulares. Allan é capaz de sair muito bem com a bola, tem excelente passe longo, jogou por vezes entre os zagueiros e tem muito boa noção de posicionamento para coberturas, sobretudo do lado esquerdo; Jair usa sua imposição física, qualidade de passe curto e proteção à bola para progredir em campo e também participar bem das jogadas ofensivas. A depender do que Cuca espera, os dois podem sim jogar juntos, apenas um deles, ou pode não jogar nenhum dos dois. Com o crescimento de Zaracho na função e a entrada de Nacho, Cuca pode optar por um meio mais versátil e criativo, é possível também aproveitar Zaracho como segundo volante, ao lado do eventual primeiro homem, destacando Nacho com único meia mais centralizado, ou até manter o triângulo central, com os dois argentinos lado a lado, criando, infiltrando, finalizando, revezando na ajuda à saída e se aproximando do seu lado para ser opção para os passes que vem do lado.
A formação do ataque
Cuca garantiu que não se apega à utilização de um centroavante, jogador que não tem no seu elenco. Mas, com seus atacantes móveis, que tendem a melhorar seu poder de finalização, com a adição de Hulk, especialista no assunto, a recuperação de Diego Tardelli, que voltou fazendo gols e o bom momento de Keno, o ataque do Galo deve ser um setor de grande competição por vaga e muito destaque ao longo do ano. Hulk, que prefere o lado direito, não tem característica de esperar a bola preso na linha lateral, ele já mostrou que circula bastante e busca muito o gol, dialogando com seus companheiros e fazendo boa dupla com Tardelli contra Uberlândia; Já Keno, dono da ponta esquerda, artilheiro e destaque do time na última temporada, mostrou ser capaz de entregar tanto amplitude, quanto centralização, o que permite as já citadas inversões com Arana. Pelo centro, Vargas, Sasha, o próprio Tardelli, e por quê não Marrony, o artilheiro do mineiro, sendo atacantes de mobilidade, que saem da área para abrir espaço e se apresentam para construir, podem ser o ponto de resgate das características da primeira passagem de Cuca, formando o trio, às vezes duplas, intensidade nas movimentações e inversões de posicionamento.
Modelo de jogo
Já vimos que Cuca é capaz de montar diferentes esquemas e implementar formas distintas e variáveis de jogo, o elenco atual do Atlético apresenta inúmeras opções de formação e variações, inclusive dentro de um mesmo jogo. Cuca não se prendeu aos números no Santos e variou bastante sua forma de jogar, como já decorremos por aqui. Veremos um Galo que alterna mais o sistema de marcação, pressionando a perda quando necessário, fazendo também encaixes individuais para fazer uma marcação de sombra, fechando linhas de passe, contra times que apostam numa saída com superioridade, mas sem pudor em baixar o bloco para o meio campo, na busca de reposicionar o time e avançar em transição rápida com a força do ataque pelos lados. Bola longa sim, mas consciente. Com um time bem compacto, avançando e recuando com os jogadores muito próximos, avançando o bloco adiantado, como vimos nas características versáteis dos meias, para espaçar os adversários, ganhar o meio campo e atacar com maior volume e rapidez.
A missão de Cuca é clara, pegar o melhor do Atlético 2020 e agregar encontrando soluções para o que deu errado. Apresentar maior consistência defensiva, resolver o problema crônico da bola parada defensiva, dar mais criatividade ao time, melhorar a pontaria para matar os jogos e tornar o Galo um time mais constante e competitivo, mas sem perder a versatilidade e a intensidade.