‘Crônicas em off’: A saída de Klopp do Liverpool pode nos ensinar (e ao Atlético) muito sobre o valor que damos a coisas e pessoas
Por Hugo Fralodeo
Hoje eu acordei e segui normalmente minha rotina da manhã. Passei o olho no celular pra saber o que o Atlético poderia proporcionar de pauta, conferi o horário do treino, da coletiva do Igor Gomes, até que a bomba do dia, do mês, da temporada e do ano – no nosso mundinho do futebol – me pegou desprevenido: Depois de NOVE ANOS!, Jürgen Klopp anunciou que deixará o Liverpool ao final da temporada europeia.
Depois de me recuperar do baque, pensei que não poderia deixar isso passar batido. Alguma coisa eu teria que falar. Afinal, o que me move no meio do futebol são as grandes histórias, a representatividade e a grandeza do esporte, a paixão e a dedicação das pessoas em nos proporcionar alegrias, vezes tristezas. Tudo em que se resume o treinador alemão, o cara mais parecido comigo, caso eu me aventurasse nas beiras dos campos.
Não me entenda mal, Guardiola é, pelo menos pra mim, o maior e melhor treinador de futebol da história e responsável pela última revolução nos campos. Fórmula ou antídoto, tudo que se vê nas quatro linhas hoje, é por conta do espanhol. Mas esse é justamente um dos principais motivos que me fazem falar aqui de Klopp.
A despedida deste cara pode nos ensinar muita coisa.
Em tempos de Guardiola, Jürgen “sempre” “será” “o segundo”. Em tempos de caras geniais e revolucionários desse tanto, outros caras tão geniais quanto, por aquelas coisas da vida, podem ficar marcados como apenas “o rival”, ou “o antagonista”, ou até mesmo ouvir: “se não fosse fulano, você seria o cara”.
Jürgen, não. Apesar de estar dividindo era com Pep, Klopp, um cara mais intenso e mais fervoroso em campo, tão apaixonado quanto, nunca será lembrado apenas como um rival do melhor. Até porque ele nunca foi um antagonista e perseguidor. Foi um rival, mas somente na busca pelos mesmos objetivos.
Como em todos os aspectos da vida, no futebol também se perde mais do que se ganha. Em sua carreira de treinador, Guardiola só não ganhou dois campeonatos nacionais, um contra José Mourinho, nos tempos de Barcelona, outro para Klopp, mais recentemente. Mas isso é a excessão da excessão. Eu duvido que o treinador do Liverpool será lembrado por ter “perdido” (até aqui) oito e ganhado “só” uma Premier League, ou por ter perdido três finais de Champions League e saído campeão “só” em uma. A simpatia de Klopp, mas, sobretudo, sua competência, sua capacidade, a representatividade do que ele fez, a relevância e a importância das suas conquistas, isso sim, é o que deve ser valorizado.
Isso serve pro futebol e, mais uma vez, pra vida. Não é porque teve Ronaldinho que Reinaldo vai deixar de ser importante. Em outro ângulo, não é porque Victor é santo que Everson não possa ter também o valor que merece, dentro do que ele merece. Não é porque Paulinho fez um gol a mais que Hulk que a “hierarquia”, melhor dizendo, as atenções mudem de direção. Tudo pode ser dividido, tem espaço pra tudo e todo mundo.
Eu tou te provando. Não é porque você perde muito mais vezes do que ganha que tudo o que você fez deva ser desprezado. Não é porque você erra e acerta, que seus erros – dentro de um limite, óbvio – devam prevalecer na visão das pessoas sobre você. Porque tem mais. Me lembro de várias vezes em que o estilo de Klopp na beira do gramado causou atrito com os treinadores adversários, o que acabou em cumprimentos ao final do jogo, independente do resultado. E bola pra frente.
E tem muito mais pra aprendermos. Muito mais. No final dos anos 90 e início dos anos 2000, fui criança e adolescente crescendo ouvindo sobre os tempos de glória dos Reds, que passavam por fase tenebrosa. Uma conquista de Champions ali em 2005, mas a volta da dignidade do torcedor do Liverpool veio apenas mais de uma década depois. E me lembro bem, Klopp, que chegou com pompa na Inglaterra, antes de Guardiola, diga-se de passagem, voltando um pouco atrás, desembarcou na terra dos Beatles como bicampeão alemão, não como vice da Champions com o Borussia. E vou além, o primeiro retrato da era Klopp em Liverpool é o “fracasso” na final da Europa League de 2016.
Como aconteceu certa vez no Atlético, você pode pensar: “pô, o time do cara é líder do nacional, tá na final de uma copa, vivo na outra e no início das fases mata-mata da copa continental, o cara é maluco, vai quebrar o clima, rachar o elenco”. Muito pelo contrário. Podemos tirar ensinamentos daqui também. Klopp respeita tanto o clube e sua história, além de sua história ali, que dá tempo pra que ele se prepare pra sua saída e, pro mal que faça, que a transição seja um pouco mais orgânica. Tenho certeza que jogadores correrão mais, terão ainda mais fome nos quatro meses derradeiros da temporada, pelo respeito. Se treinadores e jogadores adversários reverenciam Klopp, seu jogadores, até os que não jogaram tanto, o respeitam muito. Difícil encontrar um caso de atleta que tenha tido problemas com o alemão. Conectando tudo, você respeita o esporte, você respeita as pessoas, você respeita você mesmo e respeita a vida, sendo o mais excelente possível, ainda que não seja o suficiente pra muitos. Pra Klopp, pelo menos, foi. Tá sendo.
Quando Klopp se despediu do Mainz e do Dortmund, jornalistas, torcedores, diretores, funcionários, jogadores e o próprio, todos em prantos. Cenas que devem se repetir no Anfield. Quando a tristeza chorada é pela alegria da lembrança dos belos momentos misturada à dor de saber que esses momentos não mais terão, as lágrimas são mais doces e os lábios tentam sorrir devagar, quase como se nós dissessem: “foi lindo, cara”.
Eu quero ver uma nova era no Atlético. Queria também uma nova era na vida, no mundo, mas não é bem o ponto aqui. Recentemente, o Galo levou Reinaldo pra comemorar seu aniversário na Cidade do Galo. O Clube, pelo menos a Associação, tá mais próximo do torcedor. Desceram a lenha nos preços do pacote de ingressos, pode até ter sido tarde, com o rabo entre as pernas, mas tivemos mudança. A importância e atenção que Sérgio Coelho tá dando pessoalmente ao projeto ‘Califórnia Alvinegro’ e algumas outras ações, ainda tímidas, vão resgatando o espírito do Galo.
No fim das contas, é isso. O futebol é, pra muitos, a coisa mais importante das coisas menos importantes. A história de Klopp no futebol, sua despedida do Liverpool e, principalmente, o modo e o momento que ele escolhe pra anunciar isso ao mundo, tudo isso nos ensina que precisamos aproveitar as coisas enquanto é tempo, dar valor – ou mostrá-lo – ao que consideramos importante. Porque acaba. Sabe o motivo? Um dia, por exemplo, tomara que demore, mas não vai ter mais Hulk. E aí, você vai ficar lembrando do passado, procurando um novo nome pra depositar suas esperanças, parar de torcer ou vai colocá-lo no lugar que ele merece e seguir em frente gritando Galo?
* Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.