Coluna do Silas: Caranguejos, não mais!
Por: Silas Gouveia e Prof Denílson Rocha
A situação financeira do Atlético é no mínimo alarmante. Com a publicação do balanço de 2022, o valor total da dívida do clube atingiu as cifras de R$ 1.570 bi (Um bilhão, quinhentos e setenta milhões) e se consolidou como a maior dívida entre clubes brasileiros. E a partir de então, surgiram várias versões para atacar ou atenuar o atual quadro financeiro do clube, assim como as mais diversas teorias que buscam defender ou atacar a atual administração do clube, quando isto (atacar ou defender) deveria ser a última coisa a se fazer, porque não traz soluções.
Ir além das adorações a dirigente A ou B, exige racionalidade. Então, vamos direto aos fatos, ou melhor, aos números:
- Aos que insistem em pegar os valores da dívida de anos anteriores e aplicar a taxa Selic + 1%, isso indicaria que TODOS os gestores do Galo nos últimos anos teriam deixado de pagar tanto o valor principal da dívida quanto os encargos (juros). Isso não é real porque, entre 2013 e 2022, o Galo pagou 660 milhões em juros, multas e encargos sobre a dívida (impostos e financiamentos).
- Se pegarem a dívida líquida de 2006 e atualizar pela inflação, o valor foi multiplicado por 3x. Se considerar 2013, multiplica por 1,5.
- Entre 2006 e 2022, a operação do Galo (receitas menos despesas para fazer o clube funcionar, excluindo o que é só contábil ou financeiro) gerou (atualizado) quase 800 milhões de prejuízo. Teria superávit em 2013, 2015, 2016 e 2017 (lembrando que 2017 teve renovação de TV, “luvas” e antecipação de receitas). Somente com os clubes, o déficit entre 2006 e 2022 chega a 9 milhões (total atualizado monetariamente).
- Ainda com a atualização monetária, houve redução na dívida líquida em 2011, 2014, 2015, 2016, 2017 e, surpresa, 2022. Se pegar o valor da dívida líquida em 2021 e atualizar pela inflação, fica maior que o registrado em 2022.
- o Atlético está ABSURDAMENTE dependente de resultados esportivos. A receita bruta cai significativamente nos anos que o clube está fora da Libertadores ou que tem campanhas piores na copa do Brasil e no Brasileiro. É, portanto, essencial desenvolver outras fontes de receitas que sejam menos suscetíveis aos resultados do campo. Nesse quesito, fica evidente a falta de categorias de base que revelem talentos.
- O ano de 2020 foi trágico. As receitas foram insignificantes e isso foi e é uma catástrofe para qualquer negócio. Não existia planejamento que estivesse preparado para o que aconteceu – ninguém conseguiria prever uma pandemia. Em valores atualizados, 2020 significou 500 milhões em acréscimos na dívida líquida. Muito disso foi para fluxo de caixa. Se não tivessem novos empréstimos, o clube quebrava. Sem contar que foi no ano dos maiores investimentos no time.
Se considerar apenas a atualização pela SELIC + o déficit operacional, a dívida atual é igual a que o Ricardo Guimarães deixou em 2006, ou igual ao que o Kalil recebeu em 2009.
Saindo dos números: o Galo vem sendo muito mal administrado há muito tempo. Gestões de Kalil, Nepomuceno, Sette Câmara ou Coelho compartilham muitos dos mesmos problemas. Não tem como avaliar quem foi melhor ou pior. Se há déficit ano após ano, existe uma prática comum.
Pode-se então dizer que há tempos as gestões do clube vêm sendo temerárias e o conselho, de uma forma geral, omisso na sua função de fiscalizar. Não há como jogar toda a responsabilidade nos presidentes ou nos cargos executivos. Afinal, o presidente já foi e, após o mandato, volta a ser conselheiro. Os que estão à frente do Atlético fazem parte do Clube há décadas. Ninguém chegou ontem para transferir a responsabilidade para o “passado”. Todos passam a ser responsáveis e deveriam ser cobrados por isto. Todos os dirigentes citados acima estão no Galo há muito tempo e fizeram parte de um mesmo grupo. São como caranguejos em um mesmo balaio. Portanto, todos são responsáveis, independentemente de alguns serem hoje da situação ou oposição.
Mas, o mais importante: o Galo hoje ainda continua sendo viável.
O que deveríamos estar discutindo então? Pode-se sugerir que, ao invés de haver torcida por dirigentes ou diretores, o conselho, os torcedores e mesmo diretores do clube, deveriam se unir na busca de soluções e ações conjuntas que busquem solucionar de vez a situação caótica em que o clube se encontra. Não há espaço mais para divergências política e muito menos deixar que divergências pessoais afetem o Galo. O trajeto só será possível de ser construído ou seguido, se todos rumarem numa mesma direção. E internamente isto precisa ser assimilado.
Não haverá vencedores ou vencidos quando o barco onde estão, afundar. Em uma empresa que precisa crescer, não se admite que o diretor “A” não se preocupe ou ajude o diretor “B” por que um não gosta do outro, ou que um tenha uma opinião diferente do outro. As metas a serem atingidas não são sectárias, mas sim complementares. Se um setor “X” não conseguiu atingir sua meta, o setor “Y” deve ajudar para que o resultado final não seja negativo. Extrapolando para um clube de futebol, se o dirigente “fulano” não conseguir o sucesso financeiro ou esportivo necessário ao bom desempenho financeiro ou esportivo do clube, o dirigente “Ciclano” não passa a ser melhor por isto e vice-versa. Se a torcida não gosta de um diretor ou dirigente atual, não adianta pedir a volta de um do passado e muito menos se satisfazer da nostalgia de tempos atrás. O futuro é construído hoje e não de lembranças do passado ou projeções do futuro. Por mais piegas que isto possa parecer, é a mais pura realidade.
No Atlético em especial, não mais importa se alguém é contra ou a favor de que seja constituída uma SAF. O que importa de fato é que seja tudo construído de forma clara e transparente. Mas há de se ressaltar que certos conceitos ou valores são absolutos, enquanto outros podem ser relativos. Como relativos pode-se entender a questão de uma gestão profissional. Afinal, existem bons e maus exemplos de profissionalismo, mas todos serão agrupados como profissionais. Já os como conceito absoluto, pode-se citar a questão da transparência. Este conceito nunca deveria ser relativizado. Ou é ou não é! Ponto!
Seguir o que a Lei prevê ou apresentar um balanço com o mínimo exigido pela legislação, não torna uma gestão transparente. Ir além e clarear todos os pontos possíveis, sim. Fazer o que manda a lei é obrigação (e nem sempre cumprida). Mostrar o que acontece em uma instituição de INTERESSE PÚBLICO vai além, é dever MORAL. Não basta ser legal, é preciso ser moral. Entretanto, há se fazer uma importante ressalva quanto a atual administração, pois foi a primeira a ter a coragem de expor os “esqueletos dos armários” que viviam escondidos há anos através de manobras contábeis legais. Este foi um bom exemplo de profissionalismo da atual administração e merece ser reconhecido e elogiado.
A situação em que o Atlético foi colocado é complexa e isto requer uma destreza ímpar. Se antes falávamos dos “esqueletos nos armários” agora pode-se talvez usar outra expressão: “balaio de caranguejos”! Deve-se ter enorme destreza, como a daquele sujeito que vende caranguejos no mercado do porto. Os animais são colocados dentro de um cesto e, para retirá-los, há de ser experiente e preparado, por que um caranguejo costuma se agarrar ao outro através de suas garras e quando você puxa um, geralmente vem outro e mais outro e mais outro. Nem sempre é muito fácil nem simples separá-los. Mas há de conseguir se desfazer de cada um. O cesto do Galo está cheio de problemas, muitos deles bastante agarrados com outros. Passou da hora de separar, encarar um a um e, principalmente, resolver. Ou vamos continuar, assim como caranguejos, andando para o lado.