Coluna do Silas: não é só futebol!
Por: Silas Gouveia
14 mai 2024 14:45
Há tempos já nos acostumamos a ouvir e a dizer: “Não é só futebol!”
Uma frase que sempre é lembrada e repetida quando vemos uma atitude ou um gesto que extrapola as quatro linhas de um gramado. Algo que não se esperava, ou que nos surpreende pelo inusitado, ou pelo respeito, ou mesmo, pela bondade e carinho que traz consigo.
Pois bem! O Galo deu tremenda demonstração de carinho, respeito e solidariedade, ao abrir os portões de seu estádio para que sua torcida pudesse acompanhar um treino normal de seu time, pagando ingressos para isto e também doando dinheiro, alimentos, água e outros itens ao povo do Rio Grande do Sul. Diretoria foi sensível à causa e a toda situação do Rio Grande do Sul, os torcedores foram motivados a agir com solidariedade e carinho para o povo gaúcho e os jogadores e comissão técnica fizeram um excelente trabalho e se engajaram nisto. Todos estão de parabéns. Foi uma aula de cidadania e solidariedade.
Não era esperado recorde de público ou de arrecadação. Não era esperado que a torcida se manifestasse como num jogo qualquer. Não era esperado que o clube e seus patrocinadores arcassem com uma despesa extra para abrir e oferecer a estrutura de seu estádio, para que seus torcedores pudessem mostrar todo seu amor pelo clube. Mas na verdade, o que vimos foi um misto de tudo isto, embalado pelo sentimento de amizade, fraternidade e solidariedade aos irmãos do Sul do País!
Se em termos absolutos não batemos recorde de público e renda, mas em termos de atitude e entendimento do real significado deste evento, a torcida e o clube do Galo bateram todos os recordes mundiais quanto à sua participação em uma causa tão importante e nobre. E mesmo com um custo elevado para fazer funcionar toda a estrutura de um estádio, o clube, sabidamente um dos mais endividados do País, gastou muito mais do que seria razoável. E a torcida, mesmo assistindo a um simples treino, mostrou todo seu amor e sua raça nas arquibancadas, aplaudindo e vibrando a cada jogada, cada lance, cada gol, de um jogo no qual o Galo já entrou vencedor em campo, mesmo que houvesse um adversário real na briga por um título em campo.
Mas, “Não é só futebol!”
O futebol é das coisas menos importantes dentre aquelas de menor importância na vida das pessoas. E não há fanatismo que possa alterar esta questão. Os torcedores que entendem isto, entendem que não há como continuar um campeonato, sem que os clubes do estado devastado pelas enchentes, tenham condições de participar. Os dirigentes que pensam mais adiante, também entendem que não há sentido adiar apenas os jogos dos clubes do Rio Grande, pois isto irá gerar um atraso e uma condição desigual de competitividade, não apenas aos times do Rio Grande do Sul, mas a todos os clubes do País.
Imaginem que, por conta do atraso nas partidas dos clubes do Rio Grande do Sul, o seu clube possa estar sendo prejudicado na reta final do campeonato, perdendo um título por conta de jogos que seu adversário ainda precisa fazer, contra um time que poderá estar sendo obrigado a jogar sob condições completamente adversas, como prazos mínimos entre os jogos, ou com jogadores fora de forma e sem qualquer padrão de conjunto, por terem ficado grande período sem ter condições de treinar.
E mesmo aqueles que estarão brigando para não serem rebaixados, poderão também ser vítimas desta situação, por conta de adiamentos de partidas de poucos clubes. Qual o prejuízo para estes clubes também? E qual o sentido de se disputar se você não tem o mínimo de critério justo e igual entre todas as equipes?
Por conta desta situação atual e com a paralisação parcial, os times do Rio Grande do Sul por não terem condições mínimas de treino e de preparo, por não estarem jogando e nem recebendo dinheiro das rendas e das transmissões, talvez já tenham que atrasar os salários de jogadores e funcionários, agravando assim ainda mais, o estado de dificuldade em que já se encontram. E a proposta inicialmente apresentada pela CONMEBOL, de excluir os times do RS de suas competições este ano, garantindo desde já vagas para as mesmas no próximo, não parece levar em consideração a perda atual de receitas que isto irá acarretar a estes clubes (bilheteria, premiações e transmissões). O Inter, por exemplo, gastou muito dinheiro em contratações, na expectativa de poder jogar uma Libertadores em 2025 e não uma Sul-americana.
Não é só futebol!
É, acima de tudo, pensar mais adiante e com mais assistência àqueles que realmente precisam. Se não parar as competições por algum tempo, teremos torneios manchados pela parcialidade e pela falta critérios e de compromisso pelas condições de igualdade entre os participantes. Estarão impondo aos times do Rio Grande do Sul, uma condição extremamente desfavorável em relação a todos seus adversários. Estarão ainda prejudicando, deliberadamente, a capacidade de arrecadação e investimento destes times, impedindo-os de manterem seus times de forma competitiva frente aos demais adversários.
A CBF, a CONMEBOL, assim como as detentoras dos direitos de transmissão dos jogos de cada torneio e os patrocinadores de ambas entidades, deveriam estar pensando em algo que minimamente pudesse ajudar aos clubes do Rio Grande do Sul, a se reerguerem para o próximo ano, independentemente deles continuarem disputando os campeonatos este ano, ou se eles tiverem de ser excluídos das competições, como propõe a CONMEBOL. Não basta apenas garantir suas participações no próximo ano. Tem também de viabilizar economicamente até lá.
Em um grau diferente, tudo isto lembra um pouco da tragédia que ocorreu com a Chapecoense, quando sua equipe foi vitimada pela queda do avião, matando grande parte do elenco. Todos os times brasileiros de mobilizaram e alguns até cederam jogadores ao clube catarinense, para que ele pudesse continuar disputando os torneios e campeonatos daquele ano fatídico. Qualquer saída que se pensar para esta tragédia do Rio Grande do Sul, deveria levar em consideração ao menos a capacidade de arrecadação de cada um dos times envolvidos.
Continuar as competições com todos os clubes, onde alguns destes sabidamente estarão prejudicados, técnica, física, psicologicamente e financeiramente, em prol de uma suposta máquina de produzir receitas e gerar empregos, seria como a aplicação de um analgésico fortíssimo no intuito único de sedar um paciente que está em estado de angústia profunda, apenas para que ele não reclame de sua condição. Sabemos que não estarão tratando da causa da doença, mas sim aplicando um remédio que faz a todos se sentir mais aliviados, simplesmente por não ouvir mais os lamentos dos doentes.