Preto no Branco: gigante pela própria natureza
Por: Max Pereira / @MaxGuaramax2012
Aquele grupo de garotos de classe média que se reuniu naquele 25 de março de 1908 no velho coreto do Parque Municipal e fundou o então Athletico Mineiro Football Club, foi movido pela ideia de que estava criando um clube de todos, do povo daquela Belo Horizonte do início do século XX.
Mal sabiam eles que estavam parindo um gigante extraordinário. Mais que um time de todos os habitantes da jovem capital mineira, i.e., um time do pobre e do rico, dos brancos e dos negros, dos índios, dos mamelucos, dos cafuzos, dos ameríndios, dos amarelos, dos crentes e dos ateus, dos agnósticos, dos patrões e dos empregados, dos chefes e dos subordinados, dos donos do capital e dos trabalhadores, dos homens e das mulheres, dos héteros e dos homossexuais, dos velhos, dos jovens e das crianças, aquele clube que surgiu daquele arroubo juvenil teria um futuro que aqueles garotos, por mais que tentassem adivinhá-lo, certamente não jamais conseguiriam imaginá-lo.
A presença, a abnegação, a coragem e o legado de Dona Alice Neves, a mãe daquele time de cores preta e branca, são o alicerce, o fermento e o início de uma história construída e vivida na chuva e no sol, na alegria e na tristeza, na felicidade, na dor e no sofrimento.
Dona Alice, a primeira CEO do Atletico, ainda que informal, foi quem deu ao Glorioso o seu primeiro sentido de organicidade e mostrou que a atleticanidade não tem fronteiras, não se deixa limitar por quaisquer barreiras e que, além de acreditar na ideia, era preciso esperançar o futuro, ou seja, construí-lo, fazê-lo à imagem e semelhança dessa paixão avassaladora e imorredoura. Nunca se tratou, portanto, de esperar que as coisas e as facilidades caíssem de graça dos céus. Há sempre que se fazer por onde.
Esse Atlético de 2024 e que, portanto, chegou aos seus 116 anos de muita história, vitórias, títulos, glórias e também de muitas tristezas, crises, dívidas e ataques sórdidos dos inimigos que as suas conquistas e grandeza trouxeram, cuja torcida já derrotou o vento inúmeras vezes, traz em seu DNA o gigantismo sonhado por aqueles garotos que se juntaram nos idos de 1908 e forjado por anos e anos de lutas, de muitas lutas.
Esse Atlético é capaz de chamar mais atenção do que qualquer outro rival e ser o destaque do esporte mesmo sem jogar. Esse Atlético é capaz de colocar cerca de 40 mil pessoas em seu estádio para simplesmente assistir um treinamento. Esse Atlético é capaz de produzir torcedores apaixonados que o seguem à distância e que nunca tiveram a oportunidade de vê-lo jogar ao vivo e em cores.
Esse Atlético foi capaz de deixar ao longo desses 116 anos de vida marcas de uma paixão imensurável. Vicente Mota no hino cantado aqui e ali por qualquer atleticano expressou em alguns de seus versos os sentimentos de identidade e pertencimento que são comungados por milhões e milhões de aficcionados espalhados pelos quatro cantos do mundo:
Nós somos do Clube Atlético Mineiro
Jogamos com muita raça e amor
Vibramos com alegria nas vitórias
Nós somos campeões do gelo
O nosso time é imortal
Nós somos campeões dos Campeões
Clube Atlético Mineiro
Uma vez até morrer
E o poeta do povo não parou por aí. Os versos de Vicente Mota também escancararam a dimensão planetária desse gigante alvinegro:
Honramos o nome de Minas
No cenário esportivo mundial
Lutar, lutar, lutar
Pelos gramados do mundo pra vencer
Somos o orgulho do esporte nacional
A Massa alvinegra, conhecida internacionalmente, temida e respeitada, traz em sua configuração uma gênese típica de uma nação. Não é exagero, portanto, ver no hino brasileiro a exegese da atleticanidade e do gigantismo alvinegro:
Gigante pela própria natureza
És belo, és forte, impávido colosso
E o teu futuro espelha essa grandeza
Mas se ergues da justiça a clava forte
Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Ser e se sentir atleticano é exatamente isso. Identidade e pertencimento. O país do atleticano é preto e branco. É o país da diversidade, de todos e de todas. É o país que se constrói com tenacidade, perseverança, estoicismo e acreditando sempre que o impossível pode ser possível. Duvida? Pergunte ao vento.
O mutirão alvinegro de solidariedade ao sul do país nos deixa uma certeza e uma lição: da mesma maneira que nas arquibancadas e nas gerais essa massa torcedora inigualável já amarrou as chuteiras dos jogadores com as suas próprias veias e levou o time atleticano a vitórias e viradas consideradas impossíveis, fora do campo não só pode construir de vez aquele time vencedor e campeão dos sonhos de cada galista, como ser a mola propulsora de um país diferente, equânime e soberano.
Um país de um povo que pode ser um guardião efetivo das instituições. Um país que entenda a importância de um Estado forte. Assim como Dona Alice Neves, uma mulher à frente do seu tempo, percebeu que aquele clube que havia acabado de nascer só teria futuro e seria um grande vencedor se se organizasse e refletisse a paixão e os sonhos de sua massa torcedora que não parava de crescer, a lição que clube e torcida deram neste mutirão de solidariedade é a da importância de se fazer vicejar nestas terras tupiniquins um espírito de nação.
Esse Atlético capaz de emocionar gregos e troianos, esse Atlético que mesmo assim não deixou de ser um inimigo a ser batido no mundo do futebol, só existe e é gigante, com ou sem SAF, porque essa torcida apaixonada, visceral e completamente maluca existe e não o abandona nunca. Esse Atlético é gigante pela sua própria natureza. A sua benção, Dona Alice Neves.