“Voltar pra cá foi a melhor coisa que podia ter me acontecido”, assim Mariano define sua segunda chance no Atlético, em carta publicada nesta segunda-feira (12) na plataforma The Players Tribune. Agradecendo e se declarando ao Galo, o lateral-direito lembrou sua difícil primeira passagem pelo Clube e enalteceu a volta por cima com as conquistas.
Revelando detalhes do episódio antes de uma partida contra o Palmeiras, que resultou em sua demissão do Atlético por justa causa, Mariano conta que pensou que sua carreira no futebol estivesse acabada:
“Contrariando as regras da comissão técnica, eu e outros dois jogadores deixamos o hotel pra curtir a cidade e voltamos só de madrugada. Eu nem joguei aquela partida. Mandaram a gente de volta pra Belo Horizonte já avisando que não fazíamos mais parte do grupo. Fiquei arrasado. Como fui capaz de jogar tudo pela janela? O que vai ser da minha vida agora?”
O lateral ainda fala de toda sua trajetória após o incidente, até retornar ao Alvinegro, em 2020, já aos 34 anos, quando chegou ciente de que precisaria lidar com a desconfiança de torcedores e imprensa:
“Eu já imaginava como seria no Atlético. Se jogasse mal três ou quatro jogos, iam começar: ‘Ah, tá velho… Veio só pra se aposentar’ Tudo bem, eu estava preparado pra esse tipo de coisa. O que eu não esperava era que parte da imprensa seria tão maldosa a ponto de dizer que eu tinha voltado pra me ‘redimir’ daquele caso de indisciplina de 2008, quando eu tinha 22 anos”.
”Voltar pra cá foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Não só do lado esportivo, que segue me motivando a lutar por mais títulos e a contribuir com este clube maravilhoso da forma que eu puder. Mas também do lado pessoal. Acho que nem dá pra dizer que eu me reaproximei da minha família. Eu me aproximei. E da melhor maneira. Sem remoer o passado, sem procurar culpados, sabendo que dá pra melhorar mais e tentando finalmente ser um time”.
Peça fundamental na conquista do Triplete Alvinegro em 2021, quando foi eleito melhor lateral-direito do Brasileirão no Prêmio Bola de Prata, Mariano soma 175 partidas um gol com o Manto. Pentacampeão Mineiro, o lateral-direito também fez parte do elenco Supercampeão do Brasil, em 2022.
Trechos de ‘Uma Luz na Rua Sem Saída’:
(…)
Meus pais tiveram onze filhos, que infelizmente nunca formaram um time. Nós crescemos meio que “cada um por si”. E eu só fui sentir o peso disso já adulto, num dia em que a luz do poste não acendeu e eu me vi numa rua sem saída afundando no breu. Vocês sabem do que eu estou falando: da minha primeira passagem no Atlético, quando fui demitido por justa causa e precisei deixar o clube dentro de um carro de polícia pra não apanhar de torcedores enfurecidos.
Foi em 2008 e eu tinha 22 anos. Sempre meio retraído, de personalidade mais fechada, eu confesso que estava deslumbrado com o que o futebol me oferecia, as facilidades todas. Um garoto saído da periferia agora tinha campos e mais campos pra treinar, cama boa pra dormir, médico, nutricionista, fisioterapeuta cuidando dele… E a comida então? Cada dia um prato diferente, uma variedade de alimentos que eu só conheci quando comecei no Guarani. E as coisas só foram melhorando.
Do Guarani eu fui pro Ipatinga, depois pro Cruzeiro e agora estava no Galo. Uma trajetória maravilhosa num espaço de tempo pequeno. Fora a distância da minha família, que só aumentou — afinal, eu tinha saído de casa —, eu me sentia encantado. Até que a gente foi jogar contra o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro.
Contrariando as regras da comissão técnica, eu e outros dois jogadores deixamos o hotel pra curtir a cidade e voltamos só de madrugada. Eu nem joguei aquela partida. Mandaram a gente de volta pra Belo Horizonte já avisando que não fazíamos mais parte do grupo. Fiquei arrasado.
Como fui capaz de jogar tudo pela janela?
O que vai ser da minha vida agora?
Que outro grande clube vai me querer depois dessa mancada?
Eu tinha muitas perguntas, muita angústia e um diálogo travado por falta de uso com quem eu mais precisava naquele momento: meus irmãos e meus pais. Cheguei a me imaginar voltando pra casa deles lá em Osasco e falando assim: “Gente, cometi um erro, fui dispensado e não sou mais jogador de futebol”. Aí todo mundo sentaria em volta da mesa pra me dar uma força, perguntar o que tinha acontecido, dizer que ia passar, que eu ia me levantar e que, de todo modo, era uma oportunidade pra aprender.
(…)
E aí o Galo entra de novo na minha vida…
O Sampaoli, que tinha sido meu treinador no Sevilla, me chama. Minha filha já estava em idade de ir pra escola, vivíamos fazia muito tempo fora do Brasil, eu queria ainda poder jogar bem no meu país e, acima de tudo, eu tinha uma questão familiar pra resolver. O objetivo principal, não vou mentir, era voltar pra perto dos meus pais e dos meus irmãos e de uma vez por todas dar um jeito naquele aperto no peito que me acompanhou praticamente a minha carreira inteira.
Eu tinha esquecido da beleza de um Mineirão lotado em dia de jogo do Galo. A gente entrava em campo sabendo que ia ganhar
E eu já imaginava como seria no Atlético. Se jogasse mal três ou quatro jogos, iam começar: “Ah, tá velho… Veio só pra se aposentar”. Tudo bem, eu estava preparado pra esse tipo de coisa. O que eu não esperava era que parte da imprensa seria tão maldosa a ponto de dizer que eu tinha voltado pra me “redimir” daquele caso de indisciplina de 2008, quando eu tinha 22 anos.
Pô, eu estava com 34 agora. Campeão no Fluminense, na Espanha, na Turquia. Nove anos de Europa. Champions League. Convocações pra Seleção Brasileira. E os caras me perguntando se eu vinha pra dar a volta por cima?? Sério?
Minha volta por cima eu dei nos últimos 14 anos, vocês não acompanharam, não? Eu tô no Galo de novo porque a proposta de trabalho é boa, porque o clube é muito grande e porque eu posso contribuir com o projeto ambicioso que a diretoria traçou pro ano que vem.
Até porque 2021 era um ano-chave pro Atlético: meio século desde a conquista do Brasileiro de 1971.
Começamos o ano sendo campeões mineiros. O Sampaoli tinha saído e voltou o Cuca, que me deu uma nova posição em campo. Passei a ser praticamente um terceiro zagueiro, construindo as jogadas pelo meio. Foi fundamental. Eu estava com 35 anos e podia contar com o apoio do Zaracho, uns 15 anos mais novo e que corria uns 15 quilômetros por jogo. Fomos campeões da Copa do Brasil também, mas caímos invictos na Libertadores.
Quando isso aconteceu, o torcedor passou a vir em massa pro Mineirão pra empurrar o time no Brasileiro. Cara, eu tinha esquecido da beleza de um Mineirão lotado em dia de jogo do Galo. Eu acho que é amor mesmo. A gente entrava em campo sabendo que ia ganhar, te juro. Isso a Europa não tem. De jeito nenhum. Eu sei o que tô dizendo…
Nós ganhamos o Brasileiro, demos fim ao jejum de 50 anos e naquela campanha rolou algo muito emocionante: os atleticanos levavam pro estádio cartazes e fotografias dos amigos e familiares perdidos na pandemia de Covid, que não tiveram a chance de ver o Galo campeão depois de tantos anos. Aquilo mexeu de uma maneira profunda comigo.
O meu pai já estava com 80 anos. A minha mãe, 71. Dos meus irmãos, eu não sabia quase nada. Então, como eles nunca tinham me visto jogar, achei que podia ser uma boa trazê-los de vez em quando pra BH. Ou convidá-los pra assistir às nossas partidas fora contra o São Paulo, o Palmeiras e o Corinthians. Também passei a ir mais pra Osasco nos meus dias de folga. E numa dessas descobri que meu pai, aos oitentinha, passava mais tempo jogando bola do que eu. O velho Mariano (sim, nós temos o mesmo nome) não perde uma pelada no bairro. E assiste tudo quanto é jogo, seja na várzea ou na TV. Fanático mesmo.
Eu tinha rodado o mundo procurando um jeito de me aproximar dele e a resposta sempre esteve ali, tão perto… A resposta era o nosso amor pelo futebol.
Por isso eu sou muito grato ao Atlético. Voltar pra cá foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Não só do lado esportivo, que segue me motivando a lutar por mais títulos e a contribuir com este clube maravilhoso da forma que eu puder. Mas também do lado pessoal. Acho que nem dá pra dizer que eu me reaproximei da minha família. Eu me aproximei. E da melhor maneira. Sem remoer o passado, sem procurar culpados, sabendo que dá pra melhorar mais e tentando finalmente ser um time.
Os Ferreira de Osasco.
Que se juntaram à Massa no Mineirão para me ver campeão. Minha mãe já não está mais entre nós, mas eu tenho certeza que ela ficou orgulhosa ao sentir aquela alegria compartilhada por toda a família antes de partir.
Hoje posso dizer que cumpri todas as metas que estabeleci no momento mais difícil da minha carreira, que, por obra de Deus, seria o começo para a realização da mais especial delas.
Obrigado por essa nova luz na minha rua sem saída, Galo. Muito obrigado. Venha o que vier, eu jamais vou te esquecer.
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