Marcinho Reus, BVB, amor verdadeiro, lealdade sem preço e mais ensinamentos sobre o valor que damos a coisas e pessoas
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Por Hugo Fralodeo
1 jun 2024 18:03
Já pensava há algum tempo em falar sobre Marco Reus. Desde que o Borussia Dortmund se classificou para a final da Champions League, sabia que arrumaria um jeito de vir aqui escrever algo. Não é incomum ficar rascunhando ideias na minha cabeça por dias, ir organizando, desorganizando e reorganizando as palavras várias vezes, até que chega o momento e tudo corre praticamente sozinho para o papel. Sempre achei que, por mais que eu tente, não me preparo bem para nada. Na verdade, faz muito tempo que acredito que um plano “perfeito” se divide em três partes: planejar, esperar dar errado e improvisar. Mas, dessa vez, (infelizmente) tive muito tempo no cantinho do pensamento. Por isso, imaginei que todas as ideias que fui tendo ao longo dos dias seriam escritas e reescritas mentalmente mil vezes, só para chegar agora e jogar tudo fora, só porque eu queria testar minha emoção, porque, mesmo podendo prever e esperar, eu não sabia o resultado do jogo.
Quem diria, eu errei de novo. Tudo que queria e precisava dizer é o que já estava pensado e repensado, independente do retrato final. Voltando, com todo esse tempo que “ganhei”, precisei ocupar a mente. Sozinho na minha cabeça, me vi fissurado na Teoria da Floresta Negra. Não, não me refiro a uma imaginária der Schwarzwald, que é bem real e fica no sul da Alemanha, falo da teoria citada pela primeira vez na trilogia de romances do escritor chinês Liu Cixin, Lembranças do Passado da Terra, mais especificamente no segundo livro, homônimo à hipótese que tenta explicar o motivo de ainda não termos encontrado vida “inteligente” fora do “nosso” planeta. Resumindo breve e porcamente: se realmente existem outras civilizações desenvolvidas espalhadas pelo universo, algumas delas seriam benevolentes, mas outras seriam capazes e intencionadas de colonizar ou exterminar potenciais inimigos. Nada mais natural, então, que a maioria dos nossos eventuais vizinhos se escondesse, considerando que seres sencientes têm como instinto primário a sobrevivência. Não sei você, mas eu aprendi com os filmes de terror: se me deparo com um lugar escuro e vazio e escuto um barulho, não fico para saber do que se trata. A floresta é o universo, o “barulho” seria feito pela vida lá fora. Não foi o que pensaram em 1974, quando enviaram a Mensagem de Arecibo, mas a conversa aqui tem outro foco.
Assim vem sendo o futebol alemão desde a criação da Bundesliga, uma floresta completamente escura. A maioria dos clubes do país é temente ao Bayern. Não há qualquer hipótese de argumentação contrária, só há uma palavra para definir o que significa um clube conquistar 32 das 61 edições de uma liga: domínio. E está tudo bem, pois a maioria esmagadora dos demais se conforma com o singelo papel de vitrine (leia presa para os bávaros). Mas não em Dortmund. O Borussia sempre foi um clube resistente. O Borússia luta. O Borussia balança seus galhos.
Pensando em como soltar o Galo nesse papo, me lembrei que, de certa forma, as origens do Atlético e do BVB, em 1908 e 1909, são parecidas. Ambos clubes fundados por um grupo de jovens, com torcida apaixonada desde sempre, forjados na raça, injustiçados em dados momentos…. Claro, como a maioria dos Atleticanos e Atleticanas contemporâneos, tive mais interesse nos aurinegros a partir do final da década de 1990. Não pense bobagem, foi só por um tal de Dedê (😉). Na real mesmo, quem está acostumado com a Massa não se impressiona com qualquer coisa. Eu até respeito algumas torcidas, mas die Gelb Wand (a Muralha Amarela) é diferente. As arquibancadas do Westfalen, estádio germânico com maior capacidade de público, sempre lotadas, jogo sim e jogo também, um dos poucos lugares que me encantam e eu gostaria de ver de perto, mas ainda não tive a oportunidade.
Um dos que sabe exatamente o que tudo isso representa é Marco Reus. O destino e uns e outros podem insistir em chamá-lo de azarado, perdedor, até de otário, mas a verdade é que poucos serão os honrados de poder representar sua gente com chuteiras depois de muitos anos fazendo a diferença no gogó. O cara nasceu em Dortmund. Com SEIS anos, já estava nas categorias de base do clube. Não conseguiu se profissionalizar ali, é verdade, mas sequer saiu de Nordrhein-Westfalen para jogar futebol. Foi uma temporada em Ahlen e três em Gladbach antes de poder realizar seu sonho. Aqui, em 2012, ele já chegou eleito o jogador alemão do ano, logo após o bicampeonato nacional do clube. O time que já era bom, melhorou, e ele foi um dos pilares para a primeira ida a Londres, em 2013….
No ano seguinte, 2014, ele já era considerado o melhor jogador da geração que seria tetra Mundial. Não se engane, aquele meio-campo tinha Kroos, Scweinsteiger, Özil e Müller, mas o grande craque do time seria o cara que machucou o tornozelo apenas dez dias antes da estreia no Brasil. Não à toa, o bacana é chamado de Marcinho. O resultado poderia ter sido diferente com ele em campo? Claro, até porque Podolski foi importante na ponta-esquerda durante a campanha, mas é difícil imaginar que o nome mais criativo e que, junto ao já citado Mesut, ajudou a romper com o estereótipo do meia alemão, pioraria um time que esteve perto da excelência. Ele também perdeu a Euro em 2016 e, com muito custo, fez parte do fiasco na Copa de 2018, o que é pouco. Se não fosse as lesões, se Reus tivesse tido a oportunidade de mostrar ao mundo o que fez na Alemanha, se ele pudesse fazer um pouco mais de barulho na floresta, o mundo teria noção do seu tamanho para o futebol. Mas o pretérito imperfeito não escreve história, e ele só precisava da aprovação do seu povo. Muitas vezes, a gente precisa receber valor de uma só pessoa, quem verdadeiramente importa.
Eu não sou de torcer para outros times. Seja seleção ou clube, pode enfrentar o Galo, logo, é adversário. Não visto camisa, não mexe comigo do mesmo jeito. Não significa, também, que eu não tenha coração. Por mais que não me tire o sono, que eu não vibre da mesma maneira e não destrua a minha semana, às vezes, eu me emociono com determinados contextos. Gosto mais do Galo, mas gosto de futebol também. Disse recentemente, logo quando Givanildo guardou o centésimo, que viver é melhor que postar e que passei alguns anos achando que nunca seria tão feliz com o Atlético como fui na época de Ronaldinho. O mesmo serve para minha relação com o esporte no geral. No início dos anos 2000, eu sabia tabelas de classificação e de jogos de cinco, seis campeonatos de cor, toda rodada. São mais de 20 anos, não tem jeito, as coisas eram diferentes. Não me imerso mais dessa forma. Não é mesmo como na época do Bruxo, Pirlo, Lampard, Xavi, Iniesta e depois Messi, mas eu deixei o saudosismo para trás, aceitei e acreditei que o futebol ainda produz caras que me fazem sentar, assistir e aproveitar um jogo que o Atlético não esteja em campo. Um deles é Marcinho. Em 2013, óbvio, eu já estava preocupado com milhões de outras coisas, mas fui testemunha daquele sábado de maio. Dividido entre Robben – que carregava o rótulo de derrotado e pipoqueiro à época – e Reus, eu realmente não torci para ninguém, mas lamentei que ainda não era a vez de Marco e acreditei que esse momento ainda chegaria. Um ano depois, por mais que eu preferisse a coroação de Messi no Maracanã, fiquei mais irritado com Higuaín e decepcionado pela ausência do garoto de Dortmund no elenco que levantou a Copa.
Quando falei aqui de Jürgen Klopp, escrevi que, como em todos os aspectos da vida, no futebol também se perde muito mais do que se ganha, mas não é por isso que tudo o que você já fez deva ser desprezado. Não é porque você erra e acerta que seus erros – dentro de um limite, óbvio – devam prevalecer na visão das pessoas sobre você. Porque tem mais. Muito mais. Como dizem os japoneses, um jardim também precisa de pedras. Não tem como crer em deuses e insistir em ignorar os demônios. Reus viu seus companheiros e amigos buscarem a glória em outros lugares. Alguns deles foram atrás do vil metal, outros cometeram algo que talvez seja até pior para o torcedor, quiseram percorrer o caminho mais fácil onde seriam apenas mais um em apenas mais uma vitória, do que tentar levar os seus à terra prometida. O camisa 11 ficou. Recusando Bayern, Barcelona, Real Madrid e Manchester City, Reus foi a prova do lema entoado pela muralha: o amor verdadeiro pelo Borussia e a lealdade não têm preço.
Eu tenho certeza de que certas coisas no mundo da bola ainda me arrepiam porque, há exatamente um ano, eu estava aqui neste mesmo sofá puto da vida com o Borussia entregando a salva de prata nas mãos de München. Parecia a gota d’água para Reus, que, tenho certeza, abdicou da faixa de capitão ali porque se sentiu indigno de usá-la. Hoje, eu torci por ele mesmo, não nego. E vi por aí narrativas de dois vieses: os que atribuíam mau-caratismo a que torcesse por ele em desfavor dos brasileiros do Madrid contra os que apontavam o dedo para aqueles que não tinham coração em querer mais um título do maior campeão da Europa em detrimento da grande história da noite. Me desculpe, mau-caráter é quem quer dizer o que e como o outro deve sentir. Eu torci pelo Borussia porque o futebol, ainda que insistam em transformar em outra coisa, é sobre paixão. Tudo bem, o azarão ganhar do favorito me pega? Me pega demais. E eu já admiti que respeito muito o Borussia, mas hoje eu fui Reus Fußballverein (Futebol Clube).
Não existe mais Ballspielverein Borussia 09 e. V. Dortmund sem Reus. Ele perdeu muito mais do que ganhou, mas importa mesmo o que aconteceu hoje? Nós temos essa estranha mania de passar a achar que algo foi ruim quando termina mal. Tudo tem fim, mas não significa que o começo e o meio precisem ser desprezados porque algo acabou de uma forma não tão legal. Olha a carreira desse cara: 3x melhor jogador da Bundesliga, 1x líder de assistências, 6x na seleção do campeonato, 2x jogador alemão do ano, 1x na seleção do ano da UEFA, 1x no time ideal da Champions League. Falando de futebol, quando a parada é tão grande assim, o título fica em segundo plano, se torna apenas uma parte do todo. Mas não por isso. Por exemplo, não acredito que haja Atleticanos e Atleticanas ilustres. Se você grita Galo, para mim, é especial por si só. Não faço diferenciação. Claro, nos tempos modernos, o marketing digital nos obriga a aceitar certas vantagens a determinados nomes, mas somos todos iguais, temos o mesmo valor. Marco não deve pensar diferente. No jogo que sacramentou a ida à Inglaterra, Reus puxou o coro na arquibancada em Paris. Na sua despedida como jogador de Westfallen, ele tomou (e pagou) a saideira com a sua galera. Quem mais pode dizer que é o segundo maior artilheiro e quarto homem com mais partidas pelo seu clube do coração?!
Hoje, de novo em Wembley, 11 anos depois, um dia após seu aniversário, mais uma vez ao lado de Hummels, mais uma vez sob os olhares de Terzic – que trabalhava no clube em 2013, mas estava nas cadeiras na ocasião -, outros que dariam uma bela história, com todos os 519 funcionários do clube e todos os jogadores das equipes sub-12 a sub-19 presentes, com o apoio de cerca de 25 mil torcedores no estádio e mais de 80 mil nas ruas da capital inglesa, ele entrou quando o time era melhor, pouco antes de sofrer o primeiro gol. Foi ele quem consolou seus companheiros após o segundo.
Nós temos que aprender a valorizar quem merece. Já achava há algum tempo e continuo com o pensamento de que talvez eu esteja muito velho para ter novos ídolos. É um exercício para mim também. Não sei se é a idade mesmo, se a ingenuidade e a incerteza da juventude torna as coisas mais românticas, se a gente vai ficando mais chato e seletivo com o passar tempo ou se a nostalgia insiste em tentar tomar conta, talvez o errado seja mesmo eu, porque o novo sempre vem. Mas não é porque teve Ronaldinho que Reinaldo vai deixar de ser importante. Não é porque Victor é santo que Everson não possa ter também o valor que merece, dentro do que ele merece. Não é porque Paulinho fez um gol a mais que Hulk que a “hierarquia”, melhor dizendo, as atenções mudem de direção. Tudo pode ser dividido, tem espaço para tudo e todo mundo. O que já está escrito precisa ser lembrado e colocado no seu devido lugar.
No fim das contas, é isso. O futebol é, para muitos, a coisa mais importante das coisas menos importantes. A história de Reus no Borussia e sua despedida, principalmente da forma como foi, tudo isso nos ensina que precisamos aproveitar as coisas enquanto é tempo, dar valor – ou mostrá-lo – ao que consideramos importante. Não, o futebol em Dortmund não acaba e a relação de Reus com o time não morre, é mesmo eterna. Esse jogo é feito de ciclos, a história é contada em capítulos, com personagens diferentes de tempos em tempos. O que foi escrito não se apaga tão fácil assim. Reus defendeu em campo seu clube por 22 anos, mas amou o Borussia por todos os 35 que tem de idade. Tenho certeza que ele não se arrepende de nada e aproveitou cada momento. Nessas últimas semanas, aprendi que, apesar de termos todo tempo do mundo, não temos tanto tempo assim. Devemos buscar de todos os meios e querer o que queremos, amar o que amamos e mostrar valor ao que e a quem valorizamos. Mais uma vez, eu tenho certeza, devemos lutar pelo que acreditamos e sonhamos, ainda que não possamos controlar tudo. Obrigado, Marcinho, por me lembrar que o único fracasso é desistir.
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* Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.