‘A escolha de Milito’: o que está acontecendo com o Atlético e possíveis ajustes para a volta do time que praticou o melhor futebol da América do Sul
Por Hugo Fralodeo
3 jun 2024 12:13
É, por mais que não se possa dizer que esteja jogando mal, havemos de convir que o Galo de Milito já viveu dias (muito) melhores. Do Peñarol para cá, duas derrotas, uma vitória e o amargo empate com o Bahia. Excetuando a goleada para cima do Caracas, que fechou a fase de grupos da Libertadores e deu a segunda melhor campanha geral ao Alvinegro, um desempenho que apenas lembra os tempos áureos, quando a turma do Mariscal praticava o melhor futebol do país. O que aconteceu com o Atlético? Vamos acionar a prancheta para descobrir.
Tudo parte de um “problema” que começou como solução. Desde o primeiro clássico da final do Campeonato Mineiro, o Galo tem como pontos mais fortes as pontas, ocupadas por Scarpa e Arana, que tomaram o protagonismo para si e tornaram-se decisivos. Atacando mais pelos lados, sobretudo com tanto ímpeto, era muito fácil criar e finalizar, principalmente porque, com amplitude, aglomeração de peças em um ponto para virar a bola para o outro, abertura de espaços com aproximação e a movimentação constante tirando a referência dos defensores, o Atlético sempre teria um homem livre em algum momento, que teria tempo para pensar a melhor forma de concluir a jogada. Se homem é Sacarpa, Zaracho, Paulinho Hulk ou Arana, não tem jeito, as defesas serão castigadas, sobretudo pelo volume que a turma estava conseguindo criar.
Como já dizia o outro, “o prego que se destaca é o mais martelado”. As Minas Gerais, o Brasil, as Américas e o mundo passaram a observar atentamente o que estava acontecendo na Cidade do Galo, tanto para combater quanto para tentar copiar. Fugindo do clichê, não significa, necessariamente, que, se os times passaram a estudar mais o jogo de Milito, que construiu o time a ser batido, as coisas ficariam mais difíceis. Também, não só porque o nível de enfrentamento vem aumentando que a dificuldade aumenta proporcionalmente. As dificuldades que o Galo encontrou nos últimos jogos têm, sim, muita influência das movimentações do outro lado, mas o próprio Alvinegro tem sua parcela de culpa.
É óbvio, se nós vemos, todos também podem ver. Peñarol, Sport e Bahia entraram em campo sabendo que não poderiam se fechar contra o Galo e, certamente, passaram horas e horas pensando e treinando como desmontar os mecanismos de Milito e explorar as fraquezas. Todos eles, então, dobraram a marcação nas linhas laterais, onde o jogo do Atlético se concentra, tentando castigar dois Galos com uma só paulada. Fechando as principais fontes criativas do time, o adversário atrasa o jogo do Alvinegro, que passa a precisar de mais tempo para construir e definir e de mandar mais peças para frente, o que também impacta na transição. Com a defesa desguarnecida e cedendo o seu ponto forte ao adversário, o Atlético é castigado com gols originados pelo lado. Irônico, não?
Mas há solução. Soluções, na verdade. Aqui entra a culpa que deve ser atribuída à comissão técnica. Invocando mais um dito popular, se “em time que está ganhando não se mexe”, por outro lado, é fundamental que essa equipe tenha alternativas. Não estou dizendo que Milito não trouxe variações para o Atlético, o problema é outro. Você dizia que não existia mais “Hulkdependência”, você acreditou que toda vez que Scarpa ou Arana cruzassem, teria um pé – a maioria das vezes o de Paulinho ou Zaracho – para colocar a bola para dentro. Você sentiu confiança que, se um lance é desperdiçado, o time compensaria na jogada seguinte, se uma peça sai, a que entra não deixaria o nível cair. Todo mundo na Cidade do Galo também acreditou nisso. Milito avisou, é verdade, após cada vitória, sem exceção, ele disse que era preciso melhorar e que ainda não estava satisfeito, pois a maré poderia virar a qualquer momento. Qual a culpa, então, se o treinador estava ciente e trabalhando para combater isso?! Nenhuma. Estou só tentando repetir o que Milito e seus cupinchas devem estar fazendo neste exato momento: pensar, pensar e pensar até encontrar a tão esperada resposta.
Já dentro da mente de Gaby, a primeira coisa que eu imaginaria seria melhorar o que já deu certo. Precavido, nas duas últimas partidas, o treinador tentou se antecipar à ausência de Arana, lançou Alisson na direita e mandou Scarpa para o outro lado. Funcionou contra o Caracas, mas as implicações do “remendo” foram escancaradas pelo gol de Ademir (só o Galo…). Com Scarpa pela direita e Arana pela esquerda, por mais que se saiba que o camisa 6 sempre irá cortar para dentro, o 13 gera indecisão na defesa, porque ele pode carregar para o fundo, infiltrar na área ou também vir para o meio, o que provoca o caos na cabeça dos defensores. Lembra que falei do tempo ganho com a abertura de espaços e as inversões? Pois é, quantas jogadas começaram em um lado e terminaram no outro? Com Scarpa fazendo a de Arana, ele não vai ao fundo, mas também não traz para o meio. A opção mais natural que ele terá é de ir até os três quartos do campo e criar ali, o que chamo de “síndrome de Thiago Feltri”, quando a partir da intermediária tudo é linha de fundo. Deu certo na terça-feira, claro, diante de um time que não ofereceu muita resistência e não tem lá tantas virtudes ofensivas, mas não daria diante do Tricolor, um time muito mais organizado. Na ponta de cá, Alisson, apesar de mais atacante, cumpre, à sua maneira, papel semelhante ao do skatista, também não vai ao fundo. Ou seja, sem Arana na ponta, o Galo perde muita profundidade e o ataque amplo em velocidade.
Não se olha muito para o meio do Atlético, o que é proposital, inclusive aqui neste ensaio. Pode admitir, você só lembra da importância da faixa central para o jogo do Galo quando Zaracho ou Paulinho decidem na área, ou Otávio descola um passe elevado na infiltração de alguém pelo lado. Milito não quer mesmo que isso seja visto. Muita gente deve acreditar que a meia-cancha do Alvinegro só tem o papel de combater e sustentar, sem influência alguma na construção, se esquecendo que, em vários momentos do jogo, Hulk, praticamente um ponta-de-lança, rouba a atenção dos defensores e ajuda na transição de um lado para o outro, criando e gerando jogo só com sua presença em campo. E você aí achando que, pela seca de gols e alguns lampejos dos substitutos, o time não mais sentia falta do craque. A grande questão é que, se o Hulk não está ou é bem marcado, falta criatividade no miolo. Então, em efeito cascata, se as coisas não funcionam no lado direito, elas não funcionam no meio e não terminam bem no lado esquerdo e, literalmente, vice-versa.
O que Milito deve fazer? Há vários caminhos. Primeiro, incentivar Alisson a também atacar o fundo e criar uma zona protegida para Scarpa, isso se o camisa 6 não vir para dentro. Sem Franco, a tendência é que, lembrando do desfalque de Otávio, Battaglia permaneça na contenção, agora ao lado de Zaracho, que baixa para a ponta de trás do quadrado, abrindo a vaga para Scarpa, que precisaria de um substituto na ala. Palacios aguenta a bronca? Coloca mais um zagueiro, sobe Saravia e manda Alisson para a esquerda? Não sei, mas tenho certeza que o Mariscal considerou tudo isso, porque, você pode até não ter se ligado, mas ele testou tudo isso em alguns momentos dessas últimas partidas. Ter Bernard agora seria o mundo ideal, adicionaria experiência, qualidade técnica e mais invencionice ao meio-campo, mas o menino de ouro ainda demora mais de um mês para poder reestrear. A sorte é que ele terá um tempinho para se adaptar ao novo professor e aos novos companheiros.
Fixar uma referência, usar um centroavante? Seja com um 9 de ofício ou um atacante móvel, o Galo precisa criar mais um problema para os defensores. No panorama atual, um zagueiro que enfrenta um atacante do Atlético tem duas preocupações, ele terá de decidir se salta para prevenir que ele ataque a área ou se dobra a marcação com o lateral na tentativa de fechar o lado, o que tem sido mais escolhido. Como Hulk e Paulinho estão encontrando dificuldades em preencher a área, a defesa tem o trabalho facilitado, porque os zagueiros ficam livres para decidir sem ter a sombra de um atacante à espreita, esperando qualquer meia oportunidade de invadir a pequena área. Com um homem mais fixo, se perde em movimentação, porém, bem batidinho e organizado, também pinta como solução. Jogando ainda mais a responsabilidade para a defesa, a escolha do treinador quase sempre é por trazer mais um defensor para a sobra, encorpando a linha. Caso isso aconteça, o ataque ganha a possibilidade de ir empurrando a linha defensiva para dentro da área. Voltando ao início, com jogadores de tamanha qualidade, com mais tempo e liberdade para circular a bola na intermediária, já sabemos do que o Galo é capaz….
Apesar de ser possível prever, é impossível cravar a escolha de Milito. A única certeza é que o homem já pensou nisso tudo e em mais diversas opções que talvez eu não seja sequer capaz de imaginar. Quando ele chegou, eu disse, ele precisaria da força do acaso para que os resultados sustentassem e dessem o tempo que ele precisaria para formar seu time. Agora, em situação completamente oposta, Milito precisa aproveitar o tempo que terá para encontrar as soluções que trarão de volta os resultados.
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