Uma parada estratégica e necessária
Por: Max Pereira
O Atlético vai ficar parado por cerca de 10 dias. Se de um lado essa pausa revela os desacertos recorrentes do calendário do futebol brasileiro, esse hiato veio em boa hora para o Glorioso. O momento é de reflexão, ajustes de planejamento, correção de rotas e, se necessário, lavagem de roupa suja, em um processo reservado, longe dos holofotes, franco e direto. É, óbvio, não apenas entre os jogadores, mas entre todos os envolvidos direta ou indiretamente no futebol.
Em todas as organizações, escolas, grupos, profissionais, sociais e familiares, estes momentos são necessários, benfazejos e enriquecedores e, claro, se forem conduzidos com acerto e honestidade.
O Atlético tem formado ao longo dos últimos anos grupos que se afinaram, gostavam de estar e de jogar juntos e, em muitos momentos, até aprofundaram uma convivência social, i.e., fora dos muros da Cidade do Galo. Até mesmo uma eventual reserva ou preferência do treinador por um companheiro não era motivo de desavença ou de ruídos no ambiente interno.
Ainda assim, todo cuidado é pouco e, quando menos se espera, a maionese pode desandar e os prejuízos decorrentes incalculáveis e até irrecuperáveis. Portanto, a dinâmica das relações e a inevitável oscilação dos humores dos atores envolvidos, interferem compulsoriamente nas atividades humanas e afetam o ambiente e, por isso, é preciso muitas vezes antecipar o problema e possuir a expertise no trato com este ou aquele grupo.
O futebol exige uma gestão de pessoas particularmente especial e um conhecimento da natureza humana dos chamados boleiros, o que não se encontra e nem se aprende em nenhuma outra organização, seja da iniciativa privada, seja da esfera pública.
O Galo venceu o Athletic, classificou-se para a final do campeonato mineiro, mas deixou mais dúvidas do que certezas. E repetiu-se o que já tinha acontecido diante do Millonarios, quando o Atlético venceu por 3 x 1, placar olímpico que pode enganar a quem não viu o jogo, mas fez uma partida que deixou muitas lições e acendeu o alerta vermelho.
A classificação para a fase de grupos da Libertadores veio, mas ficou clara e indisfarçável a certeza de que muito tem que ser feito ainda para colocar o time nos trilhos e fazê-lo voar.
Assim, como o lance gol do Millonarios é o retrato da postura equivocada que o time atleticano tem adotado durante a maior parte dos jogos que fez até agora, o futebol impotente, improdutivo e sem inspiração apresentado na etapa inicial diante do time de São João Del Rei, quando a equipe atleticana foi literalmente encaixotada pelo adversário e não conseguiu dar um chute sequer a gol, deixou claro que muitas coisas precisam ser identificadas e resolvidas intramuros do clube.
Alguns jogadores claramente não estão bem. É visível que algo os está incomodando e impedindo de jogarem melhor.
As expressões e a falta de alegria nos seus rostos,, as testas exageradamente franzidas e os olhares ora angustiados, ora perdidos, flagrados inúmeras vezes pelas câmeras da televisão e a crônica falta de energia e de intensidade que têm caracterizado as suas ações, reações e atitudes durante os jogos, evidenciam um elenco desequilibrado, não só fisicamente e com alguns desajustes táticos evidentes, mas também na vibração, na intenção e na formulação de uma proposta de jogo competitiva e no enfrentamento daquilo que o adversário propõe.
Ninguém é contratado para ser reserva ou para ser titular. É contratado para prestar os seus serviços ao clube, sabendo que a titularidade nunca é garantida, que é quase sempre e com exceções especiais, algo sazonal, que os jogadores oscilam, se machucam, são suspensos, têm problemas pessoais e atravessam fases ruins.
Cada jogador tem o seu valor de mercado e, no momento de sua contratação, discute salário, projeto profissional e outras situações. Cabe ao clube dar aos seus contratados condições de trabalho e utilizá-los da melhor forma possível, extraindo o melhor de cada um. A relação custo benefício é medida por meio do rendimento e do retorno oferecido pelo atleta ao clube, versus aquilo que é oferecido a ele.
Cada jogador é um caso isolado. Assim, como a preparação física e os treinamentos evoluíram e passou-se a trabalhar cada atleta em particular de acordo com a sua fisiologia e características físico-atléticas, os cuidados com o lado emocional, psicológico, mental e comportamental também têm que ser individualizados.
Ninguém é igual a ninguém e, muito menos, é obrigado a ser como outra pessoa. Os problemas podem ser iguais, mas afetam cada um de nós de forma diferente e particular. Assim é na vida, assim é no futebol.
Os jogadores antes de serem atletas profissionais são seres humanos como qualquer um de nós, podendo ser bastante afetados por algum problema, independentemente do seu status, de sua carreira, de seu salário, origem, etnia, religião, orientação política-ideológica e sexual.
Há uma máxima no futebol que diz que ninguém desaprende a jogar futebol. É como andar de bicicleta. E não deixa de ser verdade. Portanto, se o rendimento cai e o jogador não mais consegue entregar aquilo que já entregou antes e todos sabemos que ele pode produzir, alguma razão há.
Edenilson é um exemplo típico no atual momento do Galo. Essa parada vai servir para que ele se reencontre e para que aqueles que comandam o futebol atleticano o ajudem a reencontrar o seu futebol. Diálogo, carinho, blindagem e compreensão, essa é fórmula mágica. Já Rubens, garoto de extraordinário potencial, é outro que pode ser ajudado nessa pausa do time.
Muitas vezes o peso da cobrança da torcida, somada ao nível de tensão provocado pelo adversário, tem produzido estragos no seu desempenho. O mesmo remédio que deve ser aplicado em Edenilson pode ser dado a Rubens, considerando, claro, as diferenças entre eles.
Hulk é outro que merece um cuidado especial que deve começar por retirar-lhe o cargo de capitão do time. Ele claramente não tem perfil para esta função. Hulk tem que entender que nada é mais nocivo para ele do que bater boca com os adversários e com o trio de arbitragem.
Agindo assim, ele perde o foco. Os adversários já perceberam isso, o provocam e o desconcentram e, em consequência, passam a tomar-lhe a bola mais facilmente do que tirariam um pirulito das mãos de uma criança.
Essa parada é estratégica para Coudet não só preparar e eleger um novo capitão e trabalhar o time em campo, mas para o Atlético poder identificar com exatidão e profundidade os problemas de fora das quatro linhas que por ventura estejam afetando o rendimento do time, fazer as correções de rota e os ajustes necessários. E, como sempre, vale sempre a pena repetir que o clube precisa de paz, equilíbrio e tranquilidade.
Nesse sentido, não canso de alertar e de repetir que todos os atleticanos, dentro e fora do clube, dirigentes, funcionários, conselheiros, comissão técnica, jogadores e torcedores, sócios ou não, têm, cada qual, que fazer a sua parte, agindo com muita parcimônia, tato e tirocínio. Mas, atenção: essa parada só será estratégica e benéfica se o Glorioso souber explorá-la com efetividade.
E para obter a eficiência e a eficácia necessárias é preciso também e fundamentalmente que o clube reveja várias de suas políticas e atitudes, particularmente no mercado da bola, suprimindo de vez da vida do clube esta malfadada e autofágica tática do pires na mão, prática recorrente do clube que se reflete negativamente na moral e no astral dos jogadores que vêem o seu valor de mercado derreter e se vêem constrangidos pelos recorrentes ataques da torcida contra si e contra companheiros que supostamente querem deixar o clube, como diversas postagens e informações que costumeiramente surgem aqui e ali nestes momentos, querem fazer crer.
Ao mandar reiterados recados por meio de segmentos da mídia tradicional e também das redes sociais informando que precisa vender, vender e vender para sobreviver, o Atlético joga contra si, vez que ele próprio conspurcar o ambiente interno, leva a intranquilidade e o desconforto a todos os seus atletas sem exceção e, não apenas àqueles que continuamente são considerados e tratados como descartáveis.
Após essa pausa o Atlético vai enfrentar um calendário e um ritmo pesado e vai precisar de foco, concentração e, claro, de realizar aquilo que foi traçado e trabalhado. O Galo não precisa de mais inimigos, principalmente de qualquer fogo amigo.
Já tem muita gente por aí jogando contra. E um último alerta: mais do que nunca o jogo dos bastidores vai requerer do clube uma atenção redobrada. A guerra dos pênaltis está apenas renascendo.
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