Preto no Branco: Tudo o que acontece dentro do campo é consequência do que ocorre fora dele
Por Max Pereira
@MaxGuaramax2012
O saudoso Antônio Abujamra, o velho Abu, filósofo, teatrólogo, dramaturgo, diretor, ator, apresentador e um provocador nato, encerrava seu delicioso e instigante programa “PROVOCAÇÕES” na TV Cultura de São Paulo, retransmitido para todo o Brasil por dezenas de emissoras oficiais estaduais e pela TV Brasil e para o mundo pelo YouTube, perguntando ao entrevistado da vez “O QUE É A VIDA”.
Entre mil e uma respostas interessantes e igualmente provocadoras, uma nunca foi tão apropriada para iniciar um debate sobre a natureza do futebol e os imbróglios próprios e inerentes a este esporte apaixonante: “A VIDA É A RESULTANTE DAS ESCOLHAS FEITAS”.
O futebol é cada vez mais o subproduto das escolhas e das decisões de gabinete. Ainda que o talento, a qualidade técnica, o condicionamento físico, os recursos táticos do treinador, a leitura e a assimilação das ideias de jogo de cada jogador, a força mental, o equilíbrio emocional e psicológico, o ambiente intramuros do clube, o grau de profissionalismo de cada atleta e o gostar de estar e de jogar juntos, sejam cada qual elementos fundamentais para o sucesso de qualquer projeto esportivo, o modelo e a qualidade da gestão do futebol, o sempre insidioso e traiçoeiro jogo dos bastidores do mundo da bola e as ações de um sem número de agentes externos podem ser decisivos para o bem e para o mal.
E cada escolha leva a um caminho específico e diferente que gera consequências, ora positivas, ora negativas. Assim, onde, como e quando investir, que treinador e jogadores contratar, quem, como e quando dispensar ou vender os direitos econômicos, qual o perfil do diretor executivo do futebol e quem comporá o seu staff, passando pelas funções de gerente e de supervisor, como deverá ser estruturado o departamento de futebol profissional, quem comandará e como serão organizadas as categorias de base, passando pela definição dos profissionais que nelas atuarão, são, por exemplo, algumas das escolhas e definições que irão determinar os rumos do clube.
Não é novidade para ninguém que o futebol dos tempos atuais se tornou um negócio multibilionário e, como tal, vem impondo aos clubes modernidades, estilos e modelos de gestão cada vez mais complexos e dispendiosos. Fazer futebol é uma tarefa cada vez mais cara e cheia de armadilhas. Não à toa, a expertise no ramo é mais que essencial, é indispensável.
Antes de um time entrar em campo, se exige do clube, i.e., dos dirigentes, treinador, comissão técnica, funcionários ligados direta ou indiretamente com o futebol e dos atletas, em graus e proporções que variam com as suas responsabilidades específicas e poder de decisão, os cuidados, as atitudes e as ações que darão aos 11 jogadores que entrarem em campo as melhores condições de jogo.
Cabe aos dirigentes o cuidado com a preservação de um bom ambiente de trabalho, o cumprimento das obrigações que assumir, defender com maestria e eficiência os interesses do clube no sempre infame jogo dos bastidores, sanar os conflitos internos que por acaso sopitarem, prover as necessidades do treinador e garantir a excelência de todo o departamento de futebol, blindar e preservar os ativos do clube, inibir qualquer tipo de crise, investir com proficiência, garantindo ao técnico um elenco equilibrado em qualidade, quantidade e em características físico-atléticas.
Cabe ao treinador e a cada setor do futebol, departamento médico, preparação física, fisiologia, fisioterapia, análise de desempenho e captação, trabalharem harmonicamente e em sintonia, única fórmula que leva a um trabalho eficiente e de resultados.
E cabe aos atletas, além de treinar, reportarem suas dificuldades, limitações, problemas extracampo, se ajudarem uns aos outros e buscarem manter um nível mínimo de companheirismo. No Atlético, ainda que nos últimos tempos tenham ocorrido saídas e chegadas muitas vezes inexplicáveis, extemporâneas e com critério duvidoso, agudizando os desequilíbrios do elenco, o gostar de estar e de jogar juntos tem prevalecido de forma satisfatória.
Ainda assim, não existe palavra melhor para definir o time do Atlético do que DOENTE. Como explicar tantas escolhas erradas dos jogadores dentro de campo e do treinador principalmente no que tange a um sistema que, com os jogadores normalmente escolhidos e posicionados por ele não tem funcionado?
Como explicar tantos passes errados e tantas bolas espetadas? Como explicar tanta falta de intensidade, de velocidade, de inspiração e tanto incomodo e sofrimento no semblante dos jogadores? Como explicar que nesta temporada Paulinho se tornou um jogador inoperante e Arana um jogador comum?
Claro que existem problemas táticos graves, mas será que isto é suficiente para explicar tanta letargia, tanta impotência? Por que Paulinho e Hulk passaram a jogar muito distante um do outro, parecendo dois estranhos no ataque atleticano?
Por que todos os adversários que o Atlético enfrentou até agora neste 2024 se mostraram mais organizados, mais verticais quando têm a bola e mais perigosos que Atlético? Por que apesar da surpresa Alisson desde o início de jogo contra o América, o que deixou o time mais leve e mais fluido, o Atlético continuou insistindo no jogo lento, burocrático e quase sempre previsível?
Por que Alisson, Hulk e Paulinho, mesmo evidenciando na teoria um ataque mais agudo e contundente, jogaram muito distantes um dos outros e, com isso quase nunca tabelaram, nem triangularam e, também, não se movimentaram, uns abrindo espaços para os outros?
Como explicar a clara insistência de Felipão em manter um sistema tático, inicialmente um insosso 4 4 2, utilizando jogadores que nitidamente não conseguem desempenhar as funções a eles delegadas, seja em razão de suas características físico-atléticas, seja em razão de um mau condicionamento físico natural em inícios de temporada, seja ainda em razão da perceptível dificuldade de assimilação das ideias de jogo do treinador por parte de alguns jogadores?
A diferença de sprint, intensidade, energia, intensidade e verticalidade entre o Atlético e seus adversários nestes dois primeiros meses do ano tem sido brutal. O Galo tem se dividido entre um joguinho curto, irritante para os lados e para trás em sua intermediária na saída de bola e nas bolas alongadas, espetadas, nas quais os adversários sempre prevalecem.
Mas, os adversários do Atlético nunca têm méritos? Claro que sim, mas os merecimentos dos outros times não eliminam e nem justificam os deméritos atleticanos. Aliás, se o América, por exemplo, respeitasse menos o Atlético e fosse mais ousado fatalmente teria vencido o clássico.
Não há articulação, construção. E ainda que algumas novidades táticas aconteçam durante os jogos, frutos de alguns eventuais reposicionamentos interessantes no plano teórico, o time não melhora o suficiente para envolver os rivais e agradar a sua torcida, vez que a letargia anula qualquer efeito positivo dessas mudanças.
O sofrido empate arrancado diante do América nos segundos finais da partida apenas livrou, ainda que não matematicamente ainda, o Atlético de um vexame de não se classificar para as semifinais do mineiro e, também, da vergonha de não garantir o primeiro lugar de seu grupo.
Um chutaço do irritado Hulk, um fortuito rebote do excelente goleiro americano e o oportunismo de Rubens salvaram o Galo da derrota e, por enquanto, Felipão da demissão. A situação do veterano treinador apesar da novidade Alisson desde o início do jogo e da feliz entrada de Rubens no lugar de Igor Gomes, continua casa vez mais indefensável.
O futebol recorrentemente sem vida, burocrático, lento e sem dinâmica de sempre coloca o torcedor cada vez mais favorável à sua saída.
Embora entenda que o Atlético precisa de um choque de realidade profundo que vai muito além da simples troca de treinador e seja contrário às repetidas e irresponsáveis demissões de técnicos ao sabor da passionalidade da torcida, acho que Felipão cavou sua própria sepultura e não deve durar muito.
Ironicamente Felipão é o treinador que mais tem usado a base, se compararmos o seu trabalho com os últimos técnicos que o antecederam. Logo ele que parecia resistente à ideia de trabalhar com as jovens promessas.
Dizem que a necessidade faz o sapo pular. O fato de o time estar muito mal, de suas opções iniciais não terem funcionado, de o clube não ter feito as contratações pontuais que o bom senso indicava e ainda indica, limitando-se a trazer tão somente o meia Gustavo Scarpa e, ainda, o fato de ter acontecido a inexplicável e temerária saída de Pavon, agudizando os desequilíbrios do elenco, são fatores que certamente estão na raiz do aproveitamento de Alisson e Rubens. Ainda bem que os garotos têm personalidade e não estão sendo queimados.
Mas, um alerta: se a Massa continuar culpando apenas os jogadores ou tão somente o próprio Felipão, o prejuízo ficará apenas com o Galo. E é fácil explicar. O grande atleticano @CrisCastroGalo postou em seu X, antigo Twitter, a seguinte mensagem:
“Que a torcida aprenda a conhecer o clube. Jogaram uma bomba no colo do Victor e sumiram!
O Victor não tem culpa, e não demora vão começar a culpá-lo, assim como já estão fazendo com alguns jogadores! Precisam desviar responsabilidade a qualquer custo! Sejam espertos e não caiam!”
Em outras palavras, o Cristiano Castro quer dizer que todos dentro do clube têm alguma parcela de responsabilidade em relação ao que está acontecendo no Atlético dentro e fora do campo. Ninguém pode se furtar de suas responsabilidades, em especial os dirigentes cuja missão maior é conduzir o clube e colocá-lo nos trilhos.
Como, enfim, explicar as modorrentas atuações do time atleticano? Eu, particularmente, não tenho nenhuma dúvida de que o que acontece dentro de campo é consequência do que ocorre fora dele. E você?
* Este texto é opinativo, de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.