Preto no Branco: Atlético, safe-se antes que seja tarde demais…
Por: Max Pereira
O futebol se transformou em negócio multibilionário e complexo e, em consequência, em um mostrengo sistêmico, no qual interagem com interesses e graus variados de influência e poder diversos agentes. Apesar disso e, sem surpresa, os clubes tupiniquins continuaram sendo geridos quase que sem exceção de forma amadora, temerária e inconsequente.
Para muitos que historicamente orbitam os interiores político-administrativos de nossas agremiações, seja individualmente, seja por tradição familiar, os clubes são vistos e tratados como feudos. E, independentemente de possuírem ou não expertise para administrar um clube de futebol, insistem em conduzi-los totalmente avessos a compartilhar suas ideias, a ouvir críticas e sugestões e, claro, sem se cercar de profissionais competentes e minimamente experientes.
Assim, apoiados quase sempre por Conselhos Deliberativos adredemente preparados para apoiá-los incondicional e irrefletidamente, capitaneiam gestões desastrosas. Qualquer tipo de oposição, inclusive as que se manifestam de forma construtiva e responsável, é sempre mal vista e rotulada como produto de interesses contrários aos do clube, defendidos por quem quer apenas tirar qualquer vantagem da entidade em benefício próprio ou age em razão de questões pessoais mal resolvidas em relação a este ou àquele dirigente de plantão.
Não sem razão, a quase a totalidade dos clubes brasileiros vem acumulando dívidas exorbitantes, experimentando crises recorrentes e explosivas, praticando o calote e o doping financeiro. Nos últimos anos muitos clubes médios e pequenos desapareceram. E, não atoa, a grande maioria dos atletas profissionais brasileiros são mal remunerados e fazem parte do time dos nômades que ora pulam de um clube para o outro, ora curtem períodos dolorosos de falta de trabalho. Muitos amantes do futebol não percebem ou não querem perceber que as estrelas dos grandes clubes, cujos salários são nababescos em relação ao que ganham a totalidade do trabalhador brasileiro, são ilustres exceções que confirmam a triste e vergonhosa realidade do nosso futebol.
De há muito, investidores estrangeiros monitoram o futebol brasileiro à procura de oportunidades de investimento. Entretanto, o endividamento crescente e descontrolado e a estrutura “cartoligárquica” dos nossos clubes, a má ingerência ou a omissão corrosiva dos conselhos deliberativos, um mal que deve ser definitiva e radicalmente extirpado, a inexistência de uma legislação que lhes desse garantias e o espectro cultural do povo e do futebol brasileiro, têm afastado muitos dos interessados em “fazer” futebol aqui no Brasil.
Alguns poucos grupos estrangeiros buscaram fazer parcerias e seus alvos firam sempre clubes pequenos e médios, de pouca torcida, nos quais ganhar grandes títulos e concorrer de igual para igual com os chamados gigantes do futebol brasileiro era mais que utopia. A transformação do alvinegro Bragantino no tricolor clube empresa (Branco, azul e vermelho) Red Bull é o caso mais emblemático e comentado, dentre os que ocorreram antes das SAF’s.
Os resultados esportivos desses novos clubes empresa, já limitados por história e tradição, passaram a se resumir em revelar jovens promessas em especial para o mercado primário (europeu) e de forma subsidiária para os chamados mercados secundários. A exposição da marca do investidor é também um objetivo frequentemente colimado.
Nesse contexto, no qual um número maior de clubes grandes e tradicionais do futebol brasileiro estão ficando sob o risco máximo de insolvência e de ingovernabilidade, uma nova legislação foi cunhada e é tida por muitos como a salvação da lavoura do esporte bretão nessas terras brasileiras. Mas, a SAF em si não é garantia de nada. Nem de sucesso e nem de fracasso.
Uma grande dúvida pairava no mercado a respeito da transformação dos clubes em empresa: por que alguém compraria um clube com dívida bilionária? Por mais que haja torcida, tradição e potencial, o passivo era exagerado ecdesalentasor. A SAF surge, então, como a grande saída para os clubes brasileiros, conforme nos explica o jornalista Rodrigo Capelo:
“Dívidas das associações civis seriam tratadas por meio do Regime Centralizado de Execuções (RCE). Esse mecanismo funciona como uma espécie de fila de credores trabalhistas e cíveis. Pessoas e empresas receberiam seus valores do clube originário em até dez anos, com descontos.
Como as associações ficariam praticamente sem receitas – pois o futebol seria transferido para a SAF, junto de todos os principais contratos –, a saída foi responsabilizar os clubes-empresas pelo repasse de 20% de suas receitas mensais. Assim, haveria dinheiro para que os credores recebessem, porém sem inviabilizar a operação do futebol.
A Lei da SAF funcionaria como uma espécie de barragem entre o passado das associações e o futuro das empresas, com o fluxo de pagamento das dívidas controlado. Investidores se basearam nessa promessa.”
As fortes declarações de John Textor, controlador da SAF do Botafogo carioca, servem de alerta ao Atlético e aos demais clubes que já constituíram ou projetam as suas SAF’s: “A Lei da SAF está quebrada. Ela não funciona. Começamos a controlar o clube no dia 11 de março, e desde o começo sentimos que os juízes e as cortes brasileiras não tiveram cuidado em interpretar a lei como ela foi criada”, criticou o empresário no site Fogão Net. “Acredito que temos que cuidar da SAF e não nos preocuparmos com os problemas do passado. Todos os credores têm que estar dentro do Regime Centralizado de Execuções, tendo seu pedacinho daqueles 20% da Lei da SAF, e não interferir na operação do futebol”, continuou Textor.
A legislação da SAF, porem, contém vários furos e é fonte de interpretações controversas que deverão ser pacificadas futuramente pelo STF. Até lá, muitas SAF’s poderão fazer água e o que seria o céu, se transformar em um inferno digno de Dante. Por outro lado, já tem SAF que, pelo menos por enquanto, está conseguindo driblar a sanha cobradora de seus credores. Falo do rival azul que já conseguiu em segunda instância reverter algumas decisões de primeira instância desfavoráveis à sua SAF. Com a palavra final o STF.
Além de tudo isso, é fundamental a qualquer clube que quiser constituir a sua SAF saber escolher bem o parceiro para o qual será dada a prerrogativa sagrada de gerir a sua marca, mormente em se tratando de um gigante com seus milhões de torcedores e sua história, riquezas intransferíveis, como é o caso do Atlético. Para escolher bem o investidor é preciso conhecê-lo bem.
E, conhecer bem o parceiro é saber se ele tem a expertise para gerir um clube de futebol, é saber quais são as suas intenções, é saber qual é o modelo de clube que ele pretende desenvolver, é saber se esse modelo de clube se choca ou não com os interesses esportivos do clube originário, com a sua história e com as expectativas de sua torcida e, por fim, é saber se a identidade, as cores, o escudo, nome e símbolos do clube formador da SAF serão respeitados e preservados por ele.
Atlético, aprenda com as experiências de terceiros e SAFe-se de prováveis tiros no pé antes que seja tarde demais.
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