O que esperar a partir de agora do pragmatismo do Felipão?
Por Max Pereira / @MaxGuaramax2012
Foi uma noite de Galo. Vitória mais que justa. Euforia e comemoração mais que justificadas. De uma tacada só o Galo se afastou da famosa e temida zona da confusão como astutamente o treinador Vanderlei Luxemburgo denominou o Z4 e, também, passou a ver uma possibilidade, ainda que tênue, de se classificar diretamente para a próxima Libertadores.
Ainda que salte aos olhos até do mais incauto dos observadores uma nítida evolução coletiva do time atleticano, particularmente na sua capacidade de se defender e, também, na articulação e na transição, à medida em que Pedrinho vai entrando em forma, adquirindo confiança e perdendo o medo de errar, o Atlético de Felipão, como não poderia ser diferente, pode ser definido como a expressão superlativa do pragmatismo, i.e., é a cara do seu treinador.
Aliás, falando em perder o medo de errar é inevitável não lembrarmos de Paulinho que, graças aos deuses do futebol, vai finalmente desabrochando com a camisa alvinegra e calando as bocas malditas que o massacravam, injusta e covardemente. O segundo maior artilheiro do Glorioso e terceiro maior do futebol brasileiro nesta temporada finalmente começa a encher os olhos do exigente e passional torcedor atleticano.
Mas, até onde este time do técnico Luiz Felipe Scolari vai ou pode chegar. Não, o objetivo deste artigo não é fazer, pura e simplesmente, um exercício de futurologia. É sim, tentar explorar as possibilidades alvinegras tanto em relação ao seu futuro imediato, quanto a médio e longo prazos, o que nos obriga a analisar o elenco atual e o potencial da base atleticana.
Falei que Paulinho está desabrochando e lembro que um dos desafios mais agudos do clube e do treinador de plantão, seja ele Felipão, seja ele qualquer outro técnico, brasileiro ou não, é fazer deslanchar as joias atleticanas. Usar a palavra joia não é nenhum exagero. E falar em desafio agudo também não é nada impróprio e exagerado.
Os grandes e estelares elencos da história do futebol brasileiro eram, via de regra, resultantes da mescla de jogadores consolidados com garotos revelados pela base e com alguns outros garimpados em equipes menores. E não precisamos de exemplos fora do Atlético. O time campeão brasileiro de 71 juntou Oldair, Cincunegui, Tião Cavadinha, Renato, Mussula, Romeu, Humberto Monteiro, Humberto Ramos, Lola, Vantuir e Grapete, dentre outros.
Na era de Reinaldo, Chicão e Cerezo fizeram a dupla de volantes, Palhinha, Marcelo e Paulo Isidoro eram os companheiros de ataque do Rei, Osmar Guarnelli com passagens pela seleção brasileira e o até então desconhecido Luizinho formaram a zaga, enquanto as laterais estavam com um tal Orlando, ex-Caldense e o experiente Jorge Valença, o Touro Sentado, egresso do futebol carioca. E a camisa 11 passou de Ziza para Éder Aleixo e depois para Edvaldo, enquanto a de número 7 foi dos sulistas Arlém, Serginho e Pedrinho e dos garotos da base, Marinho da Betânia e Sérgio Araújo. Ah! Nelinho e o uruguaio Olivera também integraram a companhia alvinegra. Não é preciso dizer mais.
Não obstante isso, o Atlético é de fato merecedor das inúmeras críticas que fazem ao clube sobre o medo, a incapacidade e a incompetência no que se refere ao aproveitamento dos garotos das chamadas divisões inferiores.
“Ah! Muitos clubes, Brasil afora, têm lançado em suas equipes principais garotos de 16, 17 anos e colhido resultados esportivos e financeiros muito interessantes. Já passou da hora de dar uma oportunidade a Matheus Iseppe, o garoto do sub-17 que vem encantando a todos aqueles que acompanham o futebol de base do Brasil”. Essas frases contêm, de fato, umas meias verdades.
As condições objetivas para se lançar com êxito uma promessa da base variam de clube para clube e de momento para momento dentro da própria agremiação. E, claro, variam também de jogador para jogador. Citar, por exemplo, Pelé, Reinaldo, Ronaldinho Gaúcho, Zico, Ronaldo Nazário ou Neymar ou ainda Robinho como exemplos é cruel para essa garotada que, nos dias atuais, já sonha e é massacrada com expectativas mil em relação a uma carreira vitoriosa.
Se dentre os jogadores consagrados citados acima, os três primeiros são gênios e sempre estiveram fora da curva, todos, ainda que craques absurdos, contaram em algum momento e em alguma medida, com trabalho competente, feeling de gente que tinha a expertise necessária, momento favorável e, em alguns casos, com proteção, cuidados e blindagem para se formarem não apenas como atletas profissionais, mas também como homens.
Figuras emblemáticas e míticas da história do Atlético como Zé das Camisas, Barbatana, Irineu Fernandes, Wilson de Oliveira e Dawson Laviola, cada qual à sua maneira e à bordo de suas intuições e conhecimento das manhas do mundo da bola, são responsáveis pelos melhores momentos da base alvinegra quando craques como Reinaldo, Toninho Cerezo, Laci, Marcelo, Lola, Beto Bom de Bola, Paulo Isidoro, Romeu Cambalhota, Sérgio Araújo, Vanderlei Paiva, Getúlio, Danival, Ângelo, Vantuir, Humberto Ramos, Adilson Bibi, Edvaldo e outros foram revelados e conquistaram o estrelato.
Ex-craques santistas como Pepe, Coutinho, Serginho Chulapa, Zito, Lima, Juari e Clodoaldo, dentre outros deram ao Peixe gerações extraordinárias dos chamados Meninos da Vila. Também não podem ser esquecidos os atletas já rodados e prontos que enxergaram o imenso potencial e abraçaram jogadores jovens e, até então desconhecidos, como Nilton Santos fez em relação a Mané Garrincha no Botafogo, e Pagão, Vasconcelos, Oberdan, Mengálvio, Zito e Pepe, dentre outros, o fizeram na equipe praiana com o garoto Pelé, então com apenas 16 anos.
O mérito de alguns treinadores de equipes principais deve também ser reconhecido. Telê Santana, fundamentalmente no Atlético e no São Paulo, Antoninho no Santos, Cilinho no São Paulo e os seus Menudos do Morumbi e ainda Barbatana à frente do time principal do Galo, são exemplos clássicos de técnicos que sabiam e gostavam de trabalhar as jovens promessas.
Se em outros tempos estas figuras se destacaram e fizeram história, o futebol de hoje exige cada vez mais trabalho empírico e organização, além é claro, profundo conhecimento de quem o conduz. Mais do que nunca profissionais que tenham destreza, perícia, habilidade e domínio das entranhas do mundo da bola e da alma do boleiro são necessários e essenciais. Da mesma forma, é fundamental e imprescindível que se dê a estes profissionais condições objetivas, estrutura e informação para fazerem o seu trabalho.
Nesse sentido, tenho defendido que falta ao Atlético construir um projeto consistente de formação e de transição. A expressão cunhada pelo ex-presidente atleticano Paulo Cury é vista por muitos como a definição de uma maldição que baixou sobre a base alvinegra: “O Atlético só revela foguetes molhados”, numa alusão aos fogos de artifício que subiam e não explodiam.
Mas, o que é visto por muitos como sina, carma, é para outros tantos produto da forma inadequada e equivocada com que o clube tem tratado a sua base ao longo dos anos, ainda que alguns experimentos interessantes tenham sido detectados em algumas gestões, inclusive nesta atual. Infelizmente, os erros acabam escondendo os acertos, em razão dos malefícios resultantes.
Particularmente, pouco espero de Felipão em relação ao aproveitamento das jovens promessas atleticanas. E não apenas em razão do pragmatismo que caracteriza o trabalho de Scolari, mas também e, em grande monta, em função das características intrínsecas do clube.
Não, não estou falando apenas da inexistência de um trabalho encorpado e eficiente em relação à formação e a transição tanto dos garotos egressos da base, quanto daqueles atletas vindos de clubes de menor tradição e de camisa menos pesada.
Falo também da conturbada e extremada relação clube/torcida que expõe a forma deficiente com o que o Galo protege os seus ativos. Expostos continuamente à fúria de torcedores apaixonados e intolerantes e também às ações de agentes externos sempre cruéis e incansáveis no seu mister de prejudicar e desestabilizar o clube, os garotos, assim como vários jogadores já prontos e experientes, vivem os seus infernos astrais, não conseguem entregar o que deles se espera e o seu potencial indica e, por isso, em sua grande maioria, acabam engrossando o time dos nômades do futebol.
Felipão não deixa de ter razão quando admite publicamente seus receios de lançar este ou aquele garoto neste momento atleticano de muitas cobranças, de muitas dívidas e muitas incertezas, tanto quanto ao futuro do Glorioso dentro e fora das quatro linhas.
Há que se asfaltar o caminho da garotada, evitando ao máximo que caiam em armadilhas do seu próprio ego e os possibilitando resistir eficientemente ao fogo amigo e aos ataques inimigos. Trabalho, planejamento e cuidados compõem o trinômio que deve balizar a formação e a transição dos garotos e o reaproveitamento de vários outros que ainda têm vínculo com o clube, estão emprestados aqui e ali e ainda conseguem mostrar que vale a pena neles apostar.
O meia Bruninho, filho do ex-volante e lateral direito atleticano Bruno, está, por exemplo, ressurgindo das cinzas. A joia atleticana, para muitos, mais um entre tantos foguetes molhados, comeu o pão que o diabo amassou, foi ao fundo do poço, pareceu desistir, mas perseverou e é hoje o principal artífice da campanha do Guarani de Campinas em busca da sonhada volta à divisão de elite do futebol brasileiro.
Que a partir de 2024 ele, Iseppe, Isaac, Alisson Santana, Vitor Gabriel e muitos outros tenham uma chance digna de mostrar que têm bola para vestir o manto sagrado.
Por ora, já estará de bom tamanho se Felipão continuar mantendo esta espiral de evolução que, se não resultar em futebol plástico, envolvente, técnico por excelência, já estará dando ao grupo e ao time uma estabilidade emocional e tática que possibilitará àqueles jogadores que entrarem em campo, jogar com segurança e eficiência e, assim, garantir os pontos suficientes para que o clube faça até o final da competição uma campanha sóbria e que, particularmente, o garanta na próxima Libertadores.