O futebol brasileiro nunca mais será o mesmo e o Atlético também
Por Max Pereira @MaxGuaramax2012
Até o mais incauto dos observadores já percebeu que o futebol se transformou em um negócio multibilionário, sistêmico e complexo. E, não precisa ser um expert para ver que o esporte bretão, em contínua transformação, impõe desafios cada vez mais perversos para os clubes em geral. Os brasileiros então… . Sobreviver virou tarefa hercúlea para muitos, impossível para alguns e o protagonismo e a hegemonia realidade factível para poucos, muito poucos.
De há muito o futebol brasileiro era monitorado e considerado por muitos muitos como um dos mercados mais promissores, senão de maior potencial do esporte no planeta como negócio e como centro de exploração de marcas. Afinal, temos o maior e mais difícil campeonato nacional do mundo, muitos clubes gigantes, um país continental, heterogêneo e rico em diversos fatores, somos o maior celeiro de craques da Terra e o futebol é a paixão nacional.
Não à toa, porém, empresários e investidores estrangeiros sempre foram refratários em entrar no futebol brasileiro. Para eles, a falta de uma legislação que lhes desse segurança jurídica, a inexistência da prática de fair play, o doping financeiro sem controle, as recorrentes crises econômicas que sacodem o país, as péssimas gestões e o endividamento corrosivo, faraônico e nebuloso dos clubes brasileiros, além de alguns aspectos socioculturais considerados indesejáveis, têm sido os principais obstáculos para atrair investimentos estrangeiros para o futebol brasileiro.
O advento da SAF, uma experiência ainda incerta, nebulosa e mais que nova no futebol brasileiro, que deixa mais dúvidas do que certezas, mais preocupações do que tranquilidade e mais perguntas do que respostas para muitos observadores e outro tanto de torcedores, parece ser a porta de entrada para o investidor estrangeiro. Se a SAF é de fato o melhor caminho para futebol no Brasil e se ela será mesmo a salvação do esporte no país, só quem viver verá.
Embora a figura do clube empresa já fosse realidade no futebol tupiniquim, a Lei da Sociedade Anônima do Futebol, ainda que mal elaborada e cheia de furos, surgiu de forma emergencial no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de salvar da insolvência absoluta e sem volta clubes “falidos”, i.e., que explicitavam uma situação econômico-financeira desastrosa e sem solução até então. Para muitos, a SAF é a única e possível solução. A única saída.
O rival azul, Botafogo e Vasco foram os primeiros três gigantes brasileiros que se serviram desta nova legislação. E, como os mais variados investidores, estrangeiros em sua maioria, que “namoravam” e acompanhavam à distância o futebol brasileiro queriam o que chamavam de segurança jurídica para aqui atuar e investir sem nenhuma responsabilização em relação às dívidas antigas das associações originárias, a figura da recuperação judicial ou extrajudicial foi claramente disciplinada na Lei da SAF.
Aqui, já se pode apontar o primeiro ponto de insatisfação dos donos das SAFs, particularmente os estrangeiros: o alongamento do pagamento das dívidas trabalhistas do clube que deu origem à SAF para 5, 10 ou mais anos. E por que isso os incomoda tanto?
A resposta é simples: a forma como a legislação trabalhista no Brasil protege o trabalhador. É que o sagrado instituto da solidariedade estende ao sucessor a responsabilidade solidária pelo pagamento integral das dívidas trabalhistas. E, como a SAF é vista neste processo como sucessora do clube original, os seus donos e investidores querem e já articulam no Congresso Nacional uma alteração na legislação para retirar das Sociedades Anônimas do Futebol esse status.
E o Atlético com tudo isso? Neste contexto hostil, de novidades jurídicas, estruturais e tecnológicas, de dinheiro difícil e de dificuldades mil, seja no plano interno, seja em suas relações extramuros, o Glorioso inicia 2024 diferente de tudo que já foi nestes seus quase 116 anos de existência.
Mais que uma mudança de modelo societário, a SAF atleticana provoca no imaginário do torcedor alvinegro mil e uma preocupações. SAF e clube originário, uma estrutura híbrida, que compulsória e inevitavelmente muda o clube para sempre. A SAF impõe desafios novos, alguns já conhecidos ou fáceis de serem percebidos e medidos, outros ainda impossíveis de serem mensurados e até previstos. Mudanças de rota, de discurso e de estratégias são mais que possíveis, talvez inevitáveis. Se são justificáveis, necessárias, estratégicas e corretas, nunca se sabe ao certo. A dúvida sempre impera.
Se, por exemplo, o instituto da recuperação judicial ou extrajudicial está neste momento fora dos planos do clube, as dívidas da associação continuam bastante altas e tirando o sono dos torcedores. E, como não poderia ser diferente, elas também e, muito claramente, estão norteando as decisões e medidas do comando da SAF alvinegra. Assim, não seria surpresa se, dentro de algum tempo, os donos da SAF atleticana mudassem de ideia e de discurso e indicassem a recuperação judicial ou extrajudicial da associação originária como o melhor caminho a ser percorrido pelo clube.
As ações do Atlético no Mercado da Bola, ainda que a contratação de Gustavo Scarpa além de pontual tenha o seu quê de expressividade e ousadia, revelam até aqui uma política conservadora, de pouco investimento e que prioriza o trato do passivo. Discurso e prática que seriam plenamente aceitáveis e confiáveis se se ratificassem no dia a dia do clube, e viessem revestidos de justificativa plausível, transparência, planejamento e ações pertinentes.
Assim como não se monta um time de um dia para o outro, não se estrutura um clube e o coloca no topo do mundo sem trabalho, sem dar um passo de cada vez. E como deverão ser os passos de uma SAF neste novo contexto do futebol brasileiro? Quem disser que conhece estes passos em toda a sua complexidade e inteireza provavelmente estará blefando.
Certamente, neste cenário complexo e ainda naturalmente muito confuso e bastante belicoso qualquer prognóstico é perigoso. Muita água vai passar por debaixo da ponte e as SAF’s inevitavelmente irão passar por muitas idas e vindas. Será o preço a se pagar por uma realidade imposta da forma que vem sendo colocada no futebol brasileiro. Mas, uma coisa, porém, é certa: assim como o futebol brasileiro, o Atlético jamais será o mesmo.
Por isso, o Galo, na condição de clube originário, dono de sua história, identidade, símbolos, marca e propriedades culturais, assim como qualquer outro clube que tenha constituído sua SAF, tem a obrigação de saber quais passos deve dar e o dever moral e estatutário de se estruturar, de se blindar e de ser o curador da relação sagrada entre clube e torcida. À SAF o que é da SAF e ao clube o que é do clube.
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.