Na prática, a teoria pode ser o que o atleticano quiser e fizer…
Por Max Pereira
O Brasileirão 2023 está derrubando velhas e rançosas teorias e outros tanto de certezas que, desde quase sempre, muitos aficcionados do esporte e vários especialistas vêm cultivando. De há muito só o nome não ganha mais jogo. E camisa também. Os tempos lúdicos e plásticos já se vão longe e quase não se vê mais aquelas jogadas que transcendem o lugar comum e que fazem o torcedor gargalhar e deixar a sua imaginação voar nas asas do sobrenatural futebol clube.
Saudosistas e amantes do futebol técnico, criativo e prenhe em jogadas mirabolantes e geniais, ao mesmo tempo em que se ressente ao ver um futebol de muita marcação, muitas vezes amarrado, de pouca fluidez e burocrático, continuam acreditando que os tempos de Pelé e de Garrincha podem ser revividos, enquanto o atleticano sonha um ataque formado por Reinaldo, Ronaldinho Gaúcho e Hulk. E ainda bem que esses loucos adoráveis existem.
Embora tenha entrado no seleto grupo dos seres condenados à extinção, o jogador talentoso e cerebral não sem razão é cada vez mais desejado por torcedores e treinadores. O futebol dos tempos atuais está evoluindo, ainda que muitos não consigam enxergar, para abrir novos caminhos para que o jogador diferente possa luzir e fazer aquilo que mais sabe: criar e recriar, construir e desobstruir espaços. E quem sabe, para que aqueles que conseguem subverter a ordem natural das coisas e do nada tudo criar, possam ressurgir e terem o seu lugar ao sol.
Ainda que os gênios, aqueles super-craques que mais parecem a encarnação dos deuses do futebol, sejam cada mais raros, já é possível acreditar que se pode unir o belo e o prático, a arte e a força, o lúdico e o empírico, a plástica e a competitividade, o feijão e o sonho.
Não é de se estranhar, portanto, que muitos clubes brasileiros por indicação de seus treinadores, estrangeiros ou não, busquem um camisa 10 clássico no exterior, particularmente no futebol latino-americano, já que o futebol de base tupiniquim de há algum tempo não mais tem revelado jogadores com esta característica. Mais cedo ou mais tarde, como um mais um é igual a dois, os clubes brasileiros começarão a forçar as suas bases a reverter essa tendência.
Assim, não é surpresa ver que qualquer pesquisa, mesmo aquela desprovida de qualquer base científica e nem por isso absurda e questionável, aponte que a maioria absoluta dos torcedores atleticanos, se perguntados sobre a maior necessidade de contratação ou de reforço pontual para o time alvinegro na atualidade, responda: um camisa 10.
E, um camisa 10 significa para o torcedor alguém talentoso, que consiga dar ao time inteligência, fluidez, plasticidade e, principalmente, o levar ao gozo e provar que ser feliz ainda é possível.
Não atoa, muitos consideram o Fluminense de Fernando Diniz o melhor time da atualidade ou, pelo menos, aquele mais prazeroso de se ver jogar. Um velho e tradicional camisa 10 está reencontrando o seu melhor e mais eficiente futebol. Paulo Henrique Ganso se posicionando e se movimentando de intermediária, a intermediária tem encontrado e produzido espaços, o que tem tornado o tricolor carioca mais dinâmico, envolvente e contuso.
Não que o time das Laranjeiras seja o tempo todo brilhante e esteja sempre enchendo os olhos de seu torcedor e de qualquer amante de um bom espetáculo. O importante é o que se pode depreender de sua proposta de jogo. O individual e o coletivo não só devem, como podem se somar. Ou seja, se o talento de um pode potencializar o trabalho de muitos, a produção coletiva também pode cacifar o talento individual e favorecer a tarefa do jogador diferente.
Dizem que não existe clube sem torcida. E é verdade. Este sentimento poderoso que une torcedor e clube é a essência de um amálgama indestrutível que os torna um só pertencimento. Quando o seu time perde o torcedor assim se expressa: perdemos. E quando ganha, ganhamos. Ainda que jurídica e legalmente o clube (associação) não lhe pertença e sim aos seus sócios, o torcedor se sente dono dele. Já a agremiação se sente dona de sua torcida.
Assim, ainda que o futebol de hoje não consiga mais cumprir aquele papel catártico eficiente de outros tempos, o fascínio religioso que exerce em seus aficcionados é mais do que suficiente para não permitir que o esporte se deixe corromper de vez pelo seu lado negocial e perca definitivamente a graça, o imprevisível e a alegria.
O futebol não é ciência exata e não se forma um time de um dia para o outro. Muitas vezes na prática a teoria é outra e a realidade, por vezes cruel, se mostra bem diferente do que desejamos. Como não canso de repetir, muitas são as variáveis que podem se conjugar para por tudo a perder. E, muitos também são os agentes internos e externos que podem conjugar os seus esforços em prol do sucesso.
Dirigentes, conselheiros, funcionários, comissão técnica, treinador, jogadores, imprensa, “influencers”, torcedores, arbitragens, VAR e as entidades controladoras do esporte, cada qual à sua maneira e em grau maior ou menor, inevitavelmente afetam, seja para o bem, seja para o mal, o desempenho da equipe dentro de campo.
Por isso e, mais do que nunca, o torcedor alvinegro se torna peça fundamental na vida do Atlético. Com esse calendário maluco e perverso que vai fazer o Glorioso realizar 18 jogos em 60 dias, i.e., 1 jogo a cada 3,33 dias, além de um condicionamento físico e um equilíbrio mental excepcionais, mais do que nunca o apoio, o abraço e o incentivo da Massa serão a vitamina e a sustentação do time atleticano nessa tripla e dura jornada, Brasileirão, Copa do Brasil e Libertadores.
Com esse elenco curto, então, a missão atleticana será absurdamente espinhosa. As contusões jogo após jogo já mostram que o desgaste inevitável já é um inimigo poderoso.
Se o Rei Reinaldo sempre embalará e irá colorir o imaginário de quem o viu jogar, se a lembrança da magia do Bruxo sempre levará o atleticano a experimentar sensações e gozos que só ele é capaz de sentir e vivenciar e se Hulk é hoje para cada galista apaixonado o super-herói cuja missão é salvar o Galo de todos os males e inimigos do mundo, é sinal que o atleticano está sabendo melhor do que qualquer outro torcedor o poder do imponderável.
Assim, se o torcedor alvinegro que já venceu o vento entender a importância de fazer renascer o seu acreditar, aprendendo a conjugar o verbo esperançar, i.e., jogando junto com o time, fatalmente ele fará verbalizar na prática o seu sonho, o sonho de cada galista apaixonado. Na prática, a teoria pode ser o que o atleticano quiser e fizer.
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