Galo Análises: Breve história dos esquemas táticos
Por: Antônio Carlos (Galo Análises)
Baseado em “A pirâmide invertida” – Jonathan Wilson.
Em “Guardiola Confidencial”, Martí Perarnau traz a famosa frase de Guardiola sobre os esquemas táticos, dizendo que “são apenas números de telefone”, o que de certa forma contribui para uma certa resistência quando se fala destes esquemas. Guardiola se referia ao fato de que mais importante do que sair repetindo que determinado time joga em linha de 3, 4 ou 5 defensores, é analisar como essa linha se movimenta, como reage à perda da bola, ou como controla a profundidade. Ou ainda, mais importante do que saber se por exemplo, o Galo joga com 1 volante e 2 meias (4-3-3) ou 2 volantes e 1 meia (4-2-3-1) é entender quais “funções” essas posições exercem, como se comportam com e sem a bola, como cobrem os espaços, enfim. A crítica de Guardiola é que falamos de “posição” quando nos referimos aos esquemas, quando na verdade o que importa são as funções e “o que” e “como” elas fazem.
Feitas essas ressalvas, ainda assim nos parece interessante entender um pouco da evolução dos esquemas táticos, desde o século XIX até os dias atuais. O esquema inicial de uma equipe acaba por ser um interessante ponto de partida para uma análise mais aprofundada que busque o entendimento de algo mais complexo como o seu modelo de jogo.
A primeira partida entre seleções ocorreu em 1872, entre Inglaterra e Escócia (0 a 0). Nesta partida, a Inglaterra jogou no esquema 1-2-7, enquanto a Escócia jogou em um 2-2-6.
O futebol inglês se assimilava ao rúgbi, onde a ideia era simplesmente tentar correr até o gol. As primeiras regras criadas pelos ingleses também contribuíram para isso, entra elas a “Regra 6”, precursora da lei do impedimento, que dizia: “quando um jogador chutar a bola, todos os companheiros de time que estiverem perto da linha do gol do oponente estão fora de jogo e não podem tocar a bola”; assim, os passes só poderiam ser laterais ou para trás, o que facilitava o jogo de condução. Já na Escócia, a lei do impedimento dizia apenas que um jogador a estaria infringindo apenas se estivesse à frente do penúltimo defensor nos últimos 15 metros do campo. Essa lei favorecia muito mais o passe e os escoceses perceberem que era mais eficiente passar a bola.
Pouco tempo depois, um dos centroavantes do 2-2-6 recuou para o meio, se tornando um “centromédio” (meia central), dando origem à formação clássica que passou a ser chamada de “pirâmide”: o 2-3-5.
Um dos maiores divulgadores do estilo de jogo escocês foi Jimmy Hogan, jogador inglês que trabalhou como técnico (início do século XX) na Holanda, Áustria e Hungria, onde disseminou esse estilo de passes curtos e posse de bola, onde a técnica individual era valorizada: nascia a “escola danubiana” (em referência a alguns dos países citados, banhados pelo Danúbio).
Esse estilo de passes curtos e posse (controle) da bola, valorizando a técnica individual, também prevalecia na América do Sul, influenciado principalmente pelo “futebol de rua”; essa característica de jogo ficou evidente na conquista do Ouro nas Olimpíadas de 1924, 1928 e na Copa do Mundo de 1930 pelo Uruguai. Esse estilo de jogo foi ainda reforçado pela visita de times húngaros (escola danubiana) à Argentina, em 1922.
Em 1925, mudanças na regra do impedimento levaram ao surgimento do “terceiro zagueiro”, implantado pelo técnico inglês Herbert Chapman (fã do jogo escocês de passes) com sua formação “WM” (3-2-2-3); Chapman também foi pioneiro na tática de recuar seu time para atrair o adversário e abrir espaços na frente.
O “WM” foi sendo cada vez mais aperfeiçoado e na década de 1940, Arkadiev, treinador do Dynamo Kiev, fazia um jogo repleto de movimentação, passes curtos e trocas de posição com o seu 3-2-2-3, que se transformou em um 4-2-4 quando um dos médios assumiu um papel mais defensivo e um dos atacantes interiores recuou para cobri-lo; em 1953, a Hungria de Puskas já jogava (derrotando os ingleses em Wembley) em um sistema parecido com um 4-2-4.
Por volta de 1956 chega ao Brasil o renomado técnico Béla Guttmann, que foi contratado pelo São Paulo (depois treinou o Benfica e revelou Eusébio) e foi um dos principais responsáveis pela introdução do 4-2-4 para o Brasil.
Antes de Guttman, predominava no Brasil o 2-3-5, e apesar do “estilo brasileiro” de jogar, até a década de 1940 havia uma nítida desvantagem em relação à Argentina e Uruguai. O “WM” só foi implantado no Brasil com Dori Kurschner no Flamengo, Botafogo e na seleção em 1938.
Flávio Costa (técnico da seleção brasileira) transformou o quadrado do “WM” (3-2-2-3) em diagonais para dar mais mobilidade, mas na Copa de 1950, o Brasil entra num clássico “WM” contra o Uruguai, que adota um “1-3-3-3” copiado da Suíça (time que mais havia incomodado o Brasil no torneio e fez Flávio Costa abandonar a diagonal e voltar ao quadrado no “WM”). Depois do desastre de 1950, um dos jogadores do meio foi recuado para a defesa e se tornou o “quarto zagueiro”, enquanto o meia mais avançado se aproximou dos atacantes, consolidando o 4-2-4 vencedor na Copa de 1958.
Não só a nossa seleção, mas vários times brasileiros passaram a jogar no 4-2-4, o que provocou duas modificações: a marcação por zona, introduzida por Zezé Moreira no Fluminense e adotada pela seleção brasileira em 1958 e o recuo de um dos atacantes (Zagalo) em 1962. Assim, o 4-2-4 brasileiro se transformou em um 4-3-3.
Ainda na década de 1950, surge, com Valery Lobanovskyi e Rinus Michels, o “futebol total”: coberturas, trocas de posições, bloco alto e pressão para a retomada da bola. Ao chegar no Ajax, Michels promoveu uma série de mudanças: alterou a natureza dos treinamentos (treinos com bola) e substituiu o “W-M” pelo 4-2-4; posteriormente, o sistema mudou para o 4-3-3, que no ataque virava um 3-4-3 com o avanço de um zagueiro (líbero) que se tornava mais um meio-campista. As trocas de posição eram constantes, mas não se limitavam às trocas horizontais (ponta direita com ponta esquerda); eram trocas verticais (ponta com lateral; meia com zagueiro). Depois Rinus Michels se transferiu para o Barcelona, onde também implantou o futebol total.
O técnico inglês Alf Ramsey achava que o 4-2-4 era eficiente no ataque, mas não ajudava a recuperar a bola; contra quatro defensores, não via razão para ter pontas e recuou os jogadores de lado, transformando o 4-2-4 em 4-4-2. Outro que aparece como criador do 4-4-2 é Viktor Maslov, que também importou a marcação por zona para o Dynamo Kiev na década de 1960.
Chegamos então no 3-5-2, muito utilizado na Itália a partir de 1980. Muitos reivindicam a paternidade desse sistema, entre eles Carlos Bilardo. Bilardo, raciocinando sobre a inexistência dos pontas naquele momento, viu que não precisaria dos laterais tradicionais; decidiu então redesenhá-los e posicioná-los em áreas mais altas do campo (alas). Se esses jogadores fossem mais defensivos, a formação seria então um 5-3-2 e a “pirâmide” seria por fim invertida.
*Este texto não reflete, necessariamente, as opiniões do Portal FalaGalo.