Categorias de base, um negócio da China e de muitas histórias. E o Atlético com isso?
Por Max Pereira @Pretono46871088 @MaxGuaramax2012
Pode se dizer que há quase um consenso no mundo do futebol sobre importância das categorias de base para os clubes e, claro, para o próprio negócio, hoje complexo e multibilionário. Para o Atlético, então… .
Já há algum tempo os grandes clubes europeus, base do chamado mercado primário do futebol mundial, optaram, com cada vez mais raras exceções, por substituir as grandes contratações pela busca de jovens promessas ao redor do planeta, particularmente nos países sul-americanos e africanos.
Muitos, inclusive, fizeram convênios ou até mesmo criaram escolinhas em diversos países com o objetivo de potencializar a captação, driblando os clubes locais.
Clubes do chamado mercado secundário como Portugal e outros, também passaram a se interessar por este tipo de contratação, objetivando funcionar como intermediários na formação dos garotos cujo destino final seriam os grandes clubes da Europa.
No Brasil já há bastante tempo um número crescente de atletas de muito potencial técnico, mas sem formação e nenhuma estrutura pessoal têm sido levados a passarem por experiências no exterior, quase sempre fadadas ao fracasso.
Aqueles que conseguem ter uma carreira consistente e longeva no futebol europeu são poucos se considerarmos o número sempre crescente de jogadores que, buscando fazer o sonhado pé de meia, enfrenta o desconhecido e vê sua carreira ruir.
Não poucos são os exemplos de atletas já formados e até rodados em clubes de ponta e com passagens pela seleção brasileira que não conseguiram se destacar no exterior, notadamente na Europa, o que, por óbvio, significou inúmeros e gravosos prejuízos para os clubes que neles apostaram e investiram.
Alguns bateram lá fora e voltaram quase em seguida. Outros passaram e ainda passam por tremendas dificuldades. Rever, por exemplo, sempre deixou claro não ter muitas saudades de sua experiência no exterior.
Dificuldades com as diferenças relativas à língua, aos costumes, à alimentação, ao clima e às dinâmicas de treinamento, além da saudade da família e do próprio país de origem, têm sido, ao longo dos tempos, os principais obstáculos à adaptação dos atletas brasileiros no exterior, particularmente no continente europeu.
Uma crítica recorrente dos especialistas e profissionais do esporte bretão do velho continente em relação aos atletas brasileiros é a imensa dificuldade destes de assimilação de conteúdos táticos, associada a questões disciplinares recorrentes.
Essa é a principal razão da mudança de política que levou os clubes europeus a priorizarem a captação de jovens promessas e investirem eles mesmos na sua formação. Não atoa, pois, as categorias de base dos clubes brasileiros, já há vários anos, vêm se tornando alvo prioritário do mercado da bola.
O São Paulo, não sem outra razão, foi o primeiro clube brasileiro a estruturar-se para melhor explorar essa realidade. Em Cotia, cidade da Grande São Paulo, o tricolor paulista montou um centro de treinamento especializado em categorias de base, onde a prioridade é a formação e a educação dos jovens atletas, objetivando prepará-los para os desafios próprios de uma carreira sempre complicada nesse negócio complexo e multibilionário chamado futebol.
Além de prover o seu centro de treinamentos de Cotia com ensino médio e fundamental, reconhecido pelo Ministério da Educação, o clube do Morumbi, se preocupou também de dar aos seus jovens talentos cursos de inglês e de conhecimentos gerais e do mundo, o que faz como que eles conheçam e já comecem a se familiarizar com outras culturas.
Não é surpresa, pois, que durante muito tempo, o São Paulo tenha sido o clube brasileiro com o maior índice de aceitação de suas promessas no mercado europeu.
O Santos é outro clube brasileiro conhecido por um trabalho nas suas categorias de base extremamente meritório e bem sucedido. Vários ídolos santistas de gerações diferentes assumiram durante décadas as divisões inferiores do Peixe.
Os saudosos Zito, Coutinho e Dorval e também os grandes Lima, Mengálvio, Pepe, Clodoaldo, Juarí e Serginho Chulapa, usando e abusando do seu carisma e do seu conhecimento do mundo da bola e da alma do boleiro revelaram várias gerações dos chamados “Meninos da Vila”.
Não é de se estranhar que hoje em dia grande parte dos jogadores brasileiros com carreira consistente na Europa e com várias passagens na seleção brasileira não tem histórico relevante no futebol brasileiro. Hulk é um exemplo clássico desse fenômeno.
Muitos garotos deixam as categorias de base de seus clubes no Brasil em negócios geralmente mal explicados, antes mesmo de terem concluído o seu processo de formação e, com honrosas exceções, sem a possibilidade de dar os resultados esportivos e financeiros que poderia entregar. E essa é uma tradição do Atlético que, ao longo de décadas, vem suscitando críticas e muito descontentamento no seio de sua torcida.
No artigo “FUTEBOL DE BASE, NEGÓCIOS SEM BASE. DO SONHO AO PESADELO. CARMA? INÉPCIA?”, publicado no Arquibancada do Galo, escrevi que “as categorias de base do Atlético, sempre alvo de críticas e de desconfianças por parte de sua torcida, têm uma história peculiar, entrecortada de péssimos negócios e marcada por inúmeras carreiras abortadas”. E defendi que isto tem explicação.
Na verdade, o Galo historicamente nunca teve um projeto consistente de formação e de transição. A grande maioria dos garotos da base que ascendem ao profissional, assim como jogadores que vêm de equipes menores e de camisa menos pesada são jogados à própria sorte, comprometendo a sua adaptação e até mesmo o seu futuro no clube.
É fato que, vez ou outra, surgem sinais que indicam que o clube estaria estruturando a sua base e cuidando para que a formação e a transição de suas joias para a equipe profissional seja eficiente. Mas, a descontinuidade do trabalho e a alta rotatividade de funcionários, como por exemplo está acontecendo nesses últimos dias, têm sido um poderoso estrangulador de carreiras.
Trabalhar nas categorias de base exige expertise. O trabalho de formação na base quando falho resulta em vícios muitas vezes insanáveis e que marcam negativamente as trajetórias de vários atletas até o fim de suas carreiras.
No passado algumas figuras emblemáticas com paixão e muita entrega deram vida e pujança à base atleticana. Algo que, em alguma medida, lembra as vitoriosas experiências do Santos Futebol Clube.
E, como não tinha nada empírico, a atleticanidade, o feeling e o profundo conhecimento dos labirintos do futebol e da alma humana, possibilitou a estes super-atleticanos revelarem algumas gerações de atletas que fizeram história no clube e no próprio futebol.
O Rei Reinaldo, o Monstro da Bola Toninho Cerezo, Laci a Pérola Negra, o Moleque Travesso Paulo Isidoro, Buião, o Garrincha de Minas, Beto Bom de Bola, os craques Lola, Marcelo Oliveira, Adilson Bibi, Danival, Ângelo e Humberto Ramos, Getúlio, o Carão, Sérgio Araújo, João Leite, Heleno, Vantuir, o Xerife Vander, Marinho da Betânia, Romeu Cambalhota, Edvaldo, o Pepe Legal, Renato Dramático, Campos e Vanderlei Paiva, o Carregador de Piano, são alguns frutos do incansável e brilhante trabalho destes abnegados.
Zé das Camisas, Wilson de Oliveira, Barbatana, Irineu Fernandes e Dawson Laviola, todos de saudosa memória, se confundem com a história do Atlético. Tive o privilégio de conhecer todos eles pessoalmente e de acompanhar os seus trabalhos. Aqui abro um parêntesis para destacar o apreço e a atenção dados à base pelo treinador Telê Santana, também falecido, fundamental para o sucesso da transição de vários talentos para a equipe profissional.
Com eles os garotos não só se aperfeiçoavam, corrigiam vícios e aprimoravam fundamentos, como também conheciam a história do clube e aprendiam, além de amar o Glorioso e sentir orgulho de vestir o manto sagrado, a também a vencer, a querer vencer e a gostar de vencer.
Despiciendo dizer que eles fazem falta. Mas, além de profissionais que tenham o conhecimento e a manha para trabalhar com jovens promessas, o Atlético precisa hoje, dada a complexidade do negócio futebol, se reestruturar, repensando métodos, concepções e diretrizes, de modo a garantir a todo e qualquer garoto que vier apostar as suas fichas no clube uma formação e uma transição consistentes.
As categorias de base se transformaram em um negócio da China, claro para os clubes que se estruturaram para estes tempos. O Atlético, mais do que nunca, precisa reescrever a história de suas categorias de base.