Clássico é clássico! E o Galo com isso?

Por: Max Pereira
Se nenhum jogo, amistoso ou oficial, nem começa e nem termina com o trilar do apito, um derby cheio de história e de rivalidade como este Atlético x Cruzeiro jamais poderia se resumir ao que acontece dentro de campo durante os 90 minutos, independentemente do placar final da partida, do momento vivido pelos dois clubes, das qualidades dos times e dos erros e acertos das duas equipes, da arbitragem e do VAR.
A mística e a paixão que revestem o chamado superclássico mineiro não podem ser desprezadas e, tampouco, o jogo dos bastidores, no qual o rival azul tem sido ao longo dos tempos mais competente e efetivo que o Glorioso, deve ser menosprezado. Afinal, como não canso de repetir e de escrever, tudo o que acontece dentro das quatro linhas é consequência direta, reflexo direto, de tudo o que acontece fora delas. Se se preparar mal, vai jogar mal.
E, por falar nas estratégias de bastidores e nas ações para tornar o clima do jogão favorável a este ou àquele clube ou a algum interesse inconfessável ou não, já se tornou comum e, para muitos, absolutamente natural, que surjam na mídia convencional e de uns tempos para cá, também nos mais diversos veículos e perfis da mídia alternativa, as “indefectíveis” redes sociais, um sem número de matérias, informações, pesquisas e “curiosidades” com o único e indisfarçável objetivo de potencializar as possibilidades de um dos contendores, aquele que veste azul, e de desestabilizar e fazer o outro, aquele que veste preto e branco, ou a desacreditar de seu potencial, ou a subestimar perigosa e inconsequentemente as capacidades, as estratégias e os recursos do adversário.
E, neste momento em que a disparidade técnica entre os elencos e os times é talvez a maior da história dos dois clubes, quando a qualidade do grupo atleticano é flagrantemente superior à do rival azul, não é de se estranhar que uma narrativa curiosa e cheia de ciladas tenha dado o tom do noticiário do clássico nos dias que antecederam o duelo desta última segunda-feira.
Não sem razão, a história contada e recontada do maior clássico do futebol mineiro, em sua versão mais divulgada e repetida nestes momentos, omite fatos e números favoráveis ao Atlético. O famoso 9 x 2, maior goleada registrada neste super jogo e aplicada pelo Galo mais famoso e mais querido do mundo no então Palestra Itália no velho estádio do América situado na antiga Av. Paraopeba, hoje Augusto de Lima, onde hoje é o Mercado Central, e o fato do Rei Reinaldo ser o maior artilheiro do confronto na era Mineirão, são, dentre outros, alguns dos fatos históricos solenemente ignorados.
Já os famigerados, polêmicos e até hoje nebulosos e cheios de histórias e mistérios 6 x 1 aplicados pelo time da Toca na Arena do Jacaré são constantemente rememorados com inescondíveis requintes de perversidade, porque o objetivo aqui não é outro senão o de desconstruir a autoestima atleticana e elevar a do adversário azul.
“Clássico é clássico”, frase surrada e já desgastada no tempo. A tese de que em um clássico desaparecem a superioridade técnica, coletiva e individual, de um time em relação ao outro e de que a história já registrou vitórias memoráveis daquele que, em um dado momento, vivia uma fase ruim e não poderia ser considerado favorito em uma análise minimamente racional, é sempre cantada e decantada professoralmente com uma sabida e ressabida intenção.
Mas, independentemente de tudo isso, o que deveria ser sempre estimulado é que os jogadores alvinegros entrassem em campo com a faca nos dentes. E, sobre isso, o que o torcedor atleticano racional e parcimonioso (que existe, apesar de muitos não acreditarem em sua existência), sabia e defendia era que uma coisa é o favoritismo no papel, outra é o respeito e a motivação que devem ser trabalhados e cultivados antes do jogo para que na hora do embate o seu time possa dentro de campo fazer prevalecer a sua superioridade teórica. Ou seja, fazer com que a prática ratificasse a teoria. Porém, o que também não é novidade, é o fato de que o galista apaixonado e intempestivo sempre cai na armadilha, projeta goleadas históricas e o time, por sua vez, acaba entrando em campo sem aquele espírito competitivo necessário ao bom combate, o que mais uma vez ocorreu.
E, não bastasse tudo isso, Atlético e Cruzeiro pisaram o gramado do Horto com dois times premidos por objetivos absolutamente distintos nesta atual edição do campeonato mineiro. Além dos ingredientes naturais que permeiam o superclássico, este último confronto entre os dois rivais poderia marcar o fim das esperanças do time azul de se classificar para a semifinal e também de garantir uma vaga na Copa do Brasil de 2024. Uma derrota faria o clube da Toca mergulhar, em nível regional, no maior inferno astral de sua história moderna.
Cerca de hora e meia antes do jogo desabou um forte temporal. Chuva, muita chuva, gramado pesado e mando de campo do adversário eram apenas alguns ingredientes a mais para temperar ainda mais o clássico, criar mais e mais expectativas e elevar ao máximo a ansiedade que engolia a alma atleticana. E pensam que as coisas pararam por aqui? Ledo engano. O Sal Grosso foi espalhado no Independência. Em 2020 dizem que a mística do sal funcionou no Mineirão para o rival, quando o time azul venceu o Brasil de Pelotas pela Série B, 4×1. Ah! O serviço de som do Horto foi ligado a todo vapor. Seria para abafar os 1800 atleticanos que não paravam de gritar e de cantar?
Foi nesse clima que Atlético e Cruzeiro se viram frente a frente. Clássico é clássico. E o Galo com isso? Ah! O Galo. Não sem surpresa para os mais vividos e calejados, o Atlético entrou em campo totalmente despreparado para o jogo. Falhou Coudet e falhou o comando.
O rival, como todo adversário tecnicamente inferiorizado, tratou logo de elevar o nível de tensão da partida e ditar ele o ritmo do jogo, tirando os jogadores atleticanos da zona conforto, o que possibilitou aos cruzeirenses, mais que jogar de igual para igual, serem mais ajustados em campo e até serem superiores em alguns momentos, merecendo até mesmo um resultado melhor. Provocações, pressões sobre a arbitragem, objetos vários, mais de uma bola ao mesmo tempo e até bombas atirados dentro de campo compuseram a encenação azul.
Surpreendidos com a postura competitiva e com o clima criado e potencializado pelo adversário, os atleticanos se perderam inteiramente. Impotentes, nervosos e visivelmente desconfortáveis, os jogadores alvinegros abusaram do direito de errar passes e de dar chutões para o ataque e, assim, devolviam a bola para o adversário com uma frequência bastante indesejável. O que sobrou de intensidade e de competitividade ao rival, faltou ao Atlético.
Sem inspiração e sem alguém que chamasse para si a responsabilidade do jogo, o meio de campo do Glorioso pouco criou e, além disso outro fator se somou à estratégia azul e potencializou o nervosismo e o desconforto dos atleticanos: a péssima arbitragem. Não, não estou me referindo a não marcação de um pênalti reclamado pelos jogadores alvinegros que, por se tratar de um lance típico de bola na mão, de fato não aconteceu.
Falo de erros e de decisões equivocadas, marcadamente desfavoráveis ao Glorioso. Hulk, por exemplo e não sem razão, revoltado com as marcações infelizes da arbitragem quase sempre a desfavor do Atlético, perdeu o foco em boa parte do jogo.
Quando se esperava que o time fosse sacudido no intervalo e voltasse diferente, a equipe atleticana retornou para o segundo tempo com a mesma postura equivocada e o gol cruzeirense até que demorou a sair. E o rival poderia até ter marcado outra vez e matado o jogo. O empate que castigou o time azul só aconteceu graças a um chute imponderável e absolutamente espetacular de Hulk. Se o rival teve méritos em executar o seu plano de jogo e até mereceu um resultado melhor, os deméritos atleticanos ficaram evidentes e trouxeram bastante preocupação ao mundo alvinegro. Os méritos de um lado não excluem necessariamente os deméritos do outro lado. E o clássico mostrou isso.
O lado positivo em tudo isso para esse Galo maluco e bipolar é a lição e o aprendizado que devem ser tirados. Em poucos dias o Atlético inicia a sua participação em mais uma Copa Libertadores, competição demarcada por um nível de competitividade e de intensidade similar a esse que o rival impôs e o time atleticano não soube enfrentar e superar.
Assim como clássico é clássico, a Libertadores tem as suas características e sempre exige dos clubes que dela participam um espírito e um nível de competitividade e uma intensidade bastante elevados, os quais o time atleticano precisa entender e desenvolver.
Enfim, clássico é clássico e o Galo com isso? O Atlético tem que entrar em campo sabendo e entendendo o que os clássicos e o futebol de hoje exigem e preparado para não cair nas armadilhas dos adversários e para superar as adversidades que os grandes jogos naturalmente sempre impõem. Assim, seja em outro clássico, seja na Libertadores ou em qualquer outra competição, o Atlético não pode mais entrar em campo como entrou neste último jogo diante do rival, porque se assim o fizer de novo, nós atleticanos é que ficaremos com cara de bobos.
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