Viver é melhor que postar
Por Hugo Fralodeo
10 mar 2024 8h13
A história está sendo escrita diante dos nossos olhos. Quando eram decorridos 26 minutos da etapa final do clássico diante do América, na Arena MRV, Givanildo Vieira de Sousa marcou seu centésimo gol pelo Atlético.
Mais emblemático e poético não poderia ser. Em um jogo decisivo, homenageando a mãe do Galo nas costas do Manto, Dona Alice Neves, que, por aquelas coisas da vida, divide o nome com uma das filhas do artilheiro.
Ver ele explodindo junto com a Massa, como se fosse a primeira vez, há pouco menos de três anos, no Mineirão, contra o Coimbra, foi forte demais. Isso é para quem acha que poesia se faz com meia dúzia de rimas e outra meia dúzia de palavras difíceis. Por isso não há poeta tão caprichoso e assertivo quanto o destino.
E não há melhor contador de histórias que o tempo. Há uma semana, eu via, de pé, em reverência, com lágrimas nos olhos e batendo palmas, LeBron James marcar seu 40.000º ponto na NBA. O mesmo cara que, há décadas, não conseguia compreender como e por que narradores e comentaristas tinham essa atitude. Era porque eu não sabia o que eu estava presenciando. Neste sábado, também não consegui conter as lágrimas. Pela primeira vez na temporada comemorei mostrando minha força nos braços. Escrevendo este texto, então…. Literalmente, passou um filme inteiro na minha cabeça.
Me lembrei do meu avô Francisco, que descansou feliz em saber que seu neto tinha escolhido o Galo; do meu avô Jorge, que me ensinou a escutar os jogos no rádio (sim, sou velho); do meu tio Leco, que tocava uma fita com as músicas da torcida para a vizinhança toda ouvir; do meu padrinho Aender, que nunca vi sem o Manto; do meu primo Rodrigo, que me levou àquele Atlético e Caldense, me deixando maravilhado com a imponência do Mineirão e me lembrei de todas as vezes que subi e desci a Antônio Carlos a pé com a mesma turma de sempre, carregados pelo Binha e/ou pelo tio Zé.
Me lembrei da menina que se sentou próxima ao Gigante e se emocionou durante um clássico que era jogado a poucos metros dela, fora do estádio, mas dentro do jogo, feliz de estar tão perto do Galo. Me lembrei de quando eu vi o Atlético ser rebaixado, com o pé engessado, sabendo que minha vida tinha mudado para sempre; de compreender o que era paixão quando ajudei o Galo a subir; do meu grande amigo Elmer, que partiu levando o Manto; de Lélio, Abras e Willy, que foram meus olhos e voz por anos e anos.
Me lembrei até que nunca fui a um jogo com meu pai, mas que ele me ensinou outras coisas sobre o futebol: me conter em determinadas vitórias e não me abalar em qualquer derrota, além de respeitar as diferentes formas de se torcer. Lembrei da minha mãe, que torce para o outro lado e me ensinou que a rivalidade deve ter limites. Aí eu tive a certeza que viver é melhor que postar e ser parte da história é melhor que contá-la.
Dentro da minha cabeça de jovem adulto, passei alguns anos achando que nunca seria tão feliz com o Galo como fui na era Ronaldinho. O Bruxo é meu maior ídolo no futebol, mesmo antes do Atlético. Não tem jeito. Eu uso até hoje o mesmo modelo de chuteira dele, meu número é o 49, só comemoro gol metendo o 🤙 Mas era porque eu ainda não tinha crescido. Já velho, percebi que posso ser tão feliz quanto naqueles dias, ainda que as coisas sejam diferentes.
Se eu gritava “Taaaaaaaffareeeel” quando catava, se eu virava Valdir, Marques ou Guilherme quando metia gol, se meu espírito saiu do meu corpo e voltou quando eu, ali no Mário Penna, vi pela tv o helicóptero do homem descendo na Cidade do Galo, hoje eu imaginei quantos meninos e meninas têm o mesmo sentimento quando olham o Givanildo.
Fiquei indignado comigo mesmo. Cara, minha ideia inicial era falar sobre o jogo, com direito a implicância com o treinador. Olha o tanto que perdemos quando desperdiçamos tempo e energia no que não deveríamos. Nada que aconteceu neste sábado seria mais importante do que o gol do camisa 7.
Passei a entender que nada é somente saudosismo. Nós, que ouvimos sobre 37, o gelo, Dadá, o esquadrão de Reinaldo, Éder, Cerezo, Paulo Isidoro, João Leite e companhia, vai chegar a nossa vez de falar. Para contar, porém, precisamos viver. E é bom que tenhamos, enquanto vivemos, a exata dimensão daquilo que estamos tendo o privilégio de presenciar. O trem é religiosamente pontual e só passa uma vez. Acorde a tempo de vivenciar o que você será obrigado a contar. Vamos aproveitar, vamos cantar, vamos gritar Galo “sem motivo”, vamos vestir o Manto com orgulho, vamos andar de cabeça erguida, vamos ser parte da história, sem nos preocupar quando este ciclo pode acabar e o que virá.
Obrigado, Hulk.
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*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo.