Muito além da Arena e nada a ver com a SAF
Por Max Pereira @Pretono46871088 @MaxGuaramax2012
O Atlético Mineiro, o clube mais paradoxal e apaixonante do mundo, vive mais um dos seus típicos, fascinantes e, ao mesmo tempo, angustiantes momentos. A semana que provavelmente demarcará a maior transformação de sua história e o início de uma nova e nebulosa era, se iniciou para a sua apaixonada torcida de forma lúdica e pra lá de emocionante e especial.
O jogo das lendas, ainda que demarcado por várias ausências muito sentidas, algumas largamente explicadas, outras não justificadas e também por algumas falhas, algumas naturais e normais em se tratando de um evento inédito, outras nem tanto, permitiu a torcedores de várias gerações fazerem uma viagem ao longo da história atleticana. A nova casa do Galo se transformou em uma máquina do tempo, misturou jogadores de várias gerações e fez ressurgir na memória de muitos e, no imaginário de outros tantos, tempos mágicos da história do Glorioso.
Aos mais velhos como eu foi mais que nostálgico ver novamente em campo todos aqueles jogadores que um dia me encheram de alegria, seja nas arquibancadas do Mineirão ou dos velhos Horto e Estádio Antônio Carlos. Foi uma volta ao passado que, por várias vezes, me levou às lágrimas. Ah! Falei no velho campo do Atlético da Colina de Lourdes porque foi lá que vi o Galo jogar ao vivo e a cores pela primeira vez em minha vida há sessenta e cinco anos atrás, no já distante ano de 1958, sentado nos ombros do meu velho e saudoso pai. O Atlético ganhou por 2 x 0, dois gols de Tomazinho, o craque goiano da camisa 10.
Foi lá que vi também pela primeira vez o artilheiro dos gols espíritas, Ubaldo Miranda, o Miquica. Ali vi treinar Laci, a Pérola Negra, Vanderlei Paiva, o Carregador de Piano, Humberto Monteiro, Tião Cavadinha e Dadá Maravilha, o Peito de Aço. E um tal de Buião, o Garrincha de Minas. O velho Estádio Antônio Carlos, casa de muitos craques do passado como Kafunga, Zé do Monte, Guará, Carlyle, Murilo, Lucas Miranda, Nívio, Bueno, Willian, Nilson, o Calcanhar de Vidro, Toninho Catimba e Dondinho, o pai do Rei Pelé, dentre muitos outros, também foi o reino onde muitas lendas que não calçaram chuteiras, também fizeram a história gloriosa do Galo mais famoso e mais querido do mundo.
Zé das Camisas, Wilson de Oliveira e Irineu Fernandes deram vida à base atleticana e, junto com Barbatana e Dawson Laviola, craques também dentro das quatro linhas, revelaram inúmeras outras lendas que desfilaram talento e muito futebol vestindo o manto sagrado. Se duvidam, perguntem ao Rei quem o viu e o buscou em sua Ponte Nova.
Falar em lendas e não falar de Dona Alice Neves, de Anibal Machado, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos e primeiro artilheiro da história do Atlético, do trio maldito Mário de Castro, Said e Jairo, de Vavá, de Beto Bom Bola, de Ronaldo Drumond, de Oldair Barchi, de Cincunegui, de Mazurkieviski e de Olivera, de Tomaz e Betinho Naves, de Elias e Alexandre Kalil, pais e filhos presidentes do Atlético, de Nelson Campos, de Walmir Pereira da Silva, de Cecivaldo Bentes, o Tite, Adelchi Leonelo Ziller, Francisco Moreno Neto, Raimundo Suzano, Sempre, Lambreta, Victor Bastos, Júlio, o Mais Amigo, Capitão Estrela, Aníbal Goulart, Roberto Drumonnd, Xico Antunes, o XA, Mário Ribeiro, Gegê, João da Mata, Gregório, Mão de Onça, Carango, Mexicano, Marcial, Obina, Roberto Mauro, Procópio Cardoso, Mario Celso de Abreu, Dom Fleitas Soliche, Yustrich, Leão, Hilton Chaves, Campos, Gilberto Silva, Osmar Guarnelli, Pratto, Dátolo, Marcos Rocha, Éder Luiz, Éder Lopes, Hulk, Bugleaux, o autor do primeiro gol do Mineirão, Jô, Savarino, Negrini, Grapete, Xerife Vander, Vantuir Galdino, Alves, Cláudio Mineiro, Jorginho, Edvaldo, o Pepe Legal, Manoel Tobias, Jackson, João Mansur, Falcão e de Lenisio, além de muitos e muitos outros, é blasfemar contra a própria história e contra os deuses do futebol.
O brilho nos olhos dos torcedores mais jovens que nunca tinham visto aqueles astros em campo, mostrava claramente que a magia do futebol estava lhes permitindo imaginar e se deliciar com os gols e as jogadas geniais do Rei Reinaldo, com as assistências incomparáveis do Bruxo R10 e do Xodó Marques, com as arrancadas e os dribles de Euller, o Filho do Vento, do corisco Sérgio Araújo, do Garrincha Buião e dos ariscos Catatau, Clayton e Rômulo, com o futebol brejeiro e cheio de malícia de Paulo Isidoro, o Moleque Travesso e de Luan, o Menino Maluquinho, com o talento refinado de Luisinho, Renato Morungaba, Lincoln, Moacir, Tucho e Lola, com os lançamentos do Monstro da Bola Toninho Cerezo, com o futebol visceral de Pierre, Elzo, Jorge Valença, Josué, Rosinei, Donizete, Galvan, Clebão, Miranda, Alcir, Álvaro, Edgar, Richarlyson e Rafael Miranda, o Xodó da Vovó, com a liderança do Capitão Léo Silva, com os chutes poderosos de Éder Aleixo, o Bomba de Vespasiano, com as finalizações precisas e mortais de Guilherme, Diego Tardelli, Valdir do Bigode, Renaldo, Marinho, Vanderlei, Éverton, Alecsandro, Hernâni, Rafael Moura e Márcio Mixirica, com a elegância e a eficiência do futebol dos dois Paulos Robertos, Prestes e Costa, de Mancini e de Carlos César, com as defesas de Careca nos anos 60 e de São Victor. Ah! É claro, também com a expertise de dois campeoníssimos do futsal alvinegro, Piu e Ronaldo.
Se o primeiro gol com a bola rolando na Arena foi de alguém que profissionalmente nunca calçou chuteiras defendendo o clube do seu coração, mas foi campeão do mundo nas quadras vestindo o manto sagrado, o último gol do jogo das lendas foi antológico. Pênalti claro, confirmado pelo VAR dos corações alvinegros, cobrado e convertido em gol com a junção da magia de um Bruxo e a genialidade de um Rei. Teve tabelinha e assistência mitológica, tudo isso abençoado por um Santo que, de luvas, emoldurava o gol.
A expulsão do General Donizete e o gol histórico de Pierre, o primeiro em preto e branco, completaram a festa que começou com o pontapé inicial daquele que parava no ar, mas não era nem helicóptero e nem Beija Flor, o mítico artilheiro, autor do gol do título brasileiro de 1971, Dario, o Peito de Aço.
Fora das quatro linhas as presenças, dentre outros, do Pé de Chumbo Nelinho, do Goleiro de Deus João Leite, de Marcelo Oliveira e Humberto Ramos, craques e treinadores, de Levir Culpi, de Renê Santana, herdeiro do grande é imortal Telê Santana, do Miquica Ubaldo Miranda, de Getúlio Carão e do Patricão da Massa, cujas lágrimas ao ser ovacionado pela Massa, escancararam aquilo que nós atleticanos sempre soubemos e o mundo reconhece e reverencia: no Atlético, o clube mais apaixonante do planeta, você entra funcionário e sai torcedor.
O reencontro com o passado, as cabeças brancas, os passos trôpegos ora de um, ora de outro, as barrigas avantajadas e o excesso de massa corpórea deste e daquele, as lesões musculares de um e de outro, o cansaço de A ou de B, mostram que a roda da vida gira sem parar e que a história do Atlético continua sendo construída.
Não atoa o futebol é o esporte mais popular do planeta. E, onde quer que ela role, a bola pune. A queda do Rei, suavizada pela marcação de uma falta pela bela e sensível árbitra que puniu o tempo que não perdoou Sua Majestade, e o pênalti perdido pelo Bomba de Vespasiano, que durante a sua vitoriosa e extraordinária carreira jamais cobrou uma penalidade máxima explodindo a bola sobre o travessão daquela maneira, pareceram mostrar que “se não é sofrido, não é Atlético Mineiro”. Como foi doído ver o Rei desabar daquela maneira e como machucou o coração atleticano perceber no semblante e nos olhos de Éder Aleixo a sua imensa frustração ao não balançar as redes preto e brancas da nova casa do Atlético.
Tudo isso mostra que o Jogo das Lendas, assim como a vida do Atlético, vai muito além da Arena. E também nos faz lembrar que, se muitas vezes depois da tempestade vem a bonança, o contrário também pode acontecer. Essa semana que se iniciou mágica e mítica, pode terminar trágica, porque o futuro do Atlético estará sendo decidido.
Fora das quatro linhas o jogo, em muitos momentos, não permite improvisação e nem se decide com magia. Muito menos no chute e no oba oba. Nessa partida que promete ser a mais importante dessa vida de mais de 100 anos do Glorioso, os jogadores devem buscar estar muito bem informados, muito bem entrosados e conscientes da importância de seus votos.
Os passos que os conselheiros darão nos dias 20 e 21 deverão ser muito mais precisos dos que os passes e lançamentos de Toninho Cerezo, de R10, de Eder Aleixo e do que a finalização daqueles incríveis artilheiros que marcaram a história alvinegra com os seus gols, como os de Keno, autor do gol do título brasileiro de 2021. E se não precisam ser geniais como o Rei, porque aí seria exigir muito, deverão sim ser conscientes com o foram vários craques na construção de inúmeras vitórias atleticanas como Ricardinho, Petkovic, Ramon Menezes, Nacho Fernandes, Guilherme, campeão da Libertadores 2013, Valdo, Viladônega, Fifi, Alexandre, Robert, Rodrigo Fabri, Spencer, Danival, Ângelo, Ziza, Romeu Cambalhota, Marinho da Betânia, Pedrinho, Amauri, o Cabecinha de Ouro e muitos outros.
Assim como a vida do Atlético vai muito além da Arena, ela certamente nada tem a ver com uma SAF qualquer. A vida do Atlético tem história, tem identidade e tem um sentimento de pertencimento entre torcida e clube, patrimônios inegociáveis.
E um recado final: a vida sempre nos mostra a sua dinâmica implacável. Um craque que vestiu e honrou a camisa 10 atleticana, que merecia e poderia ter participado da festa, embora tenha nascido e vivido azul, nos deixou menos de 24 horas depois do jogo das lendas. Palhinha que jogou ao lado do Rei e fez parte daquele que para muitos da minha geração, foi o maior time da história atleticana, tinha 73 anos. Muito obrigado, velho Palha. Descanse em paz.
Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal FalaGalo.