Planejamento e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, mas…
Por: Max Pereira
Já escrevi e, por mais de uma vez, que a bola pune. Definitivamente, a bola não perdoa. Dizem muitos especialistas no esporte bretão mundo afora que o futebol, além de ser o esporte mais popular do planeta, porquanto fascinante e muitas vezes surpreendente, é também cruel e implacável com o erro e, principalmente com a falta de cuidados no seu trato e de planejamento.
O futebol se tornou um negócio multibilionário, planetário e, portanto, sistêmico e altamente complexo. E essa complexidade se reflete em campo de forma avassaladora e inevitável. Se a globalização do esporte e o volume de dinheiro gerado e movimentado imprimiram à sua organização contornos especiais e sistêmicos, a sua prática dentro de campo também foi se metamorfoseando ao longo dos tempos.
Longe já se vão os tempos daquele futebol lúdico, plástico e técnico por excelência. O futebol de hoje, cada vez mais rico em esquemas táticos rígidos e engessadores, exige do atleta profissional dos tempos atuais, além de um condicionamento físico de alta performance, uma preparação mental, emocional, psicológica e espiritual cada vez mais trabalhada, sem qual é impossível a qualquer jogador render aquilo que dele se espera e que o seu potencial e a sua qualidade técnica indicam.
Não sem razão, Turco Mohamed ano passado e Coudet nesta temporada defendem a manutenção de um elenco que lhes permita rodar o time e escalar jogo a jogo o melhor jogador, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista tático e estratégico, sem jamais perder de vista que o clube disputará simultaneamente três competições importantes de características diferentes e que obrigam cada atleta a virar constantemente a chave de um campeonato para o outro, o que é mental e emocionalmente desgastante. As contusões tornam-se recorrentes e inevitáveis e um banco sólido e de qualidade é indispensável.
Claramente incomodados com a delicada situação financeira do Glorioso, alguns “influencers” atleticanos e outro tanto de formadores de opinião manifestaram a sua preocupação com o que eles chamaram de uma relação custo-benefício indesejável e ruim. E, para solucionar este problema, eles aprovaram a decisão do clube de reduzir a folha de pagamento.
Estariam eles sugerindo que o clube entende que o que vem gastando com os seus jogadores não estaria sendo compensado com o retorno oferecido pelos seus atletas? Ou estariam eles sugerindo que a redução de patamar nos investimentos do clube no que se refere à contratação de jogadores de ponta é necessária e inevitável para alavancar a saúde financeira do clube?
Muitas vezes na vida um recuo estratégico é necessário. Outras vezes, um investimento se mostra equivocado e só traz prejuízos, não obstante ter-se mostrado rentável e seguro quando de sua realização. É assim no mercado financeiro, é assim no mundo dos negócios, é assim no futebol.
No esporte bretão o jogador é um ativo, aliás um dos mais valiosos ativos de qualquer clube. E este ativo só vai se valorizar e ele só vai conseguir entregar aquilo que o seu futebol prediz que ele pode oferecer, se, e somente se, um conjunto de variáveis se conjugarem a seu favor.
O jogador de futebol hoje em dia é um nômade. Joga aqui e ali. Passa por vários clubes, estados, países e enfrenta, em graus variados, as mais diversas condições climáticas, dificuldades com línguas, costumes, alimentação, trabalhos de condicionamento físico e tático extremamente variados, ritmos e intensidade de treinamentos e de jogo diferentes, períodos por vezes dolorosos e longos de adaptação ou de inadaptação dele próprio no novo clube ou de sua família na nova cidade ou no novo país, calendários perversos, viagens longas e de logística pesada e cruel, pressão de torcida, além de sua maior ou menor dificuldade em absorver as ideias de jogo do seu novo treinador ou da dificuldade deste ler e entender como pode explorar melhor as suas características e o seu futebol.
Ao voltar para o River Plate, Nacho Fernández disse, em alto e bom som, em uma entrevista para a imprensa portenha, que a sua maior dificuldade aqui era o desgaste físico e a impossibilidade de atingir o condicionamento ideal, em razão do calendário pesado e das viagens longas e cansativas.
E, o que vale para o jogador que vem de fora, vale também e, guardadas as devidas proporções, para os garotos revelados na base que precisam de um trabalho de formação e de transição eficiente, o que nem sempre o Atlético lhes oferece.
Portanto, antes de agir ou de implementar qualquer medida com base em uma primeira avaliação do custo-benefício, é preciso fazer um diagnóstico amplo, holístico e profundo e, a partir dele, fazer os ajustes e as correções de rota necessários. Uma nova mensuração da relação custo-benefício determinará as ações que devem serem desenvolvidas na sequência.
Um jogador que ganha 300, 400, 500 mil ou até mais pode oferecer um retorno tal que o faz mais barato e interessante para o clube do que outro que ganha 20, 30 ou até 50 mil e que, por razoes diversas, não consegue entregar nada ou é uma maçã podre dentro de um cesto de frutas boas.
Além disso, são os jogadores de ponta, mais caros, que, via de regra, atraem patrocínios, retornos publicitários e cotas de transmissão televisiva maiores.
Pergunte a um patrocinador qualquer se ele prefere associar a sua marca a nomes que trazem retornos publicitários gigantescos como Hulk e Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, ou a um jogador desconhecido, sem grife ou de nenhum apelo midiático? Pergunte à Globo quem dá mais audiência e retorno publicitário? Hulk, R10, Neymar, o time do Flamengo ou do Palmeiras ou, com todo o respeito, um time da série B ou C?
Portanto, o maior problema não é e nunca foi o tamanho da folha isoladamente, mas sim, como o grupo é gerido, cuidado e como aquilo que ele entrega é trabalhado e maximizado pelo clube.
Uma gestão profissional busca tratar e valorizar todo e qualquer ativo independentemente de gosto pessoal de torcedor, dirigente, treinador, imprensa ou de quem quer que seja.
Em outras palavras, birras, má vontade, discursos de ódio, preferências pessoais por razoes que nada somam para a agremiação e todas as escolhas não calcadas em uma visão profissional defensável ou em um projeto estruturado e consistente do clube jamais poderão balizar qualquer contratação ou dispensa.
Todos os clubes brasileiros, sem exceção, devem. O diferencial está na profissionalização de sua gestão e no trato responsável de seu passivo, i.e., nas suas ações de “compliance”.
O Flamengo, por exemplo, trabalha na atual temporada com um orçamento bilionário e, graças às suas últimas gestões, em um processo desenvolvimentista e organizacional eficiente, iniciado sob o comando altamente profissional, competente e louvável de Bandeira de Melo, hoje arrecada mais do que gasta.
Gastar e dever faz parte da vida operacional de qualquer organização, empresa ou associação. Toda empresa nasce devendo. Afinal, o que é o capital integralizado na sua constituição?
Com os clubes de futebol, independentemente de seu modelo estatutário, não é diferente. O fundamental é saber diferenciar investimento de gasto evitável e desnecessário. O primeiro deve ser potencializado, enquanto o segundo, senão zerado, reduzido cada vez mais.
Fortaleza, Athletico Paranaense e o próprio América Mineiro, hoje donos de uma cadeira cativa na série A do Brasileirão, conquistada com trabalho, organização e eficiência, são exemplos de clubes que vêm subindo gradativa e solidamente de patamar e que hoje se quiserem constituir as suas SAF’s e formatar alguma parceria com este ou aquele investidor, não o farão por extrema necessidade ou para sobreviverem como mostram alguns exemplos clássicos já implementados no futebol brasileiro e como o próprio Atletico vem prometendo fazer.
Planejamento e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Ah! Mas nem todo planejamento dá certo. E é verdade. Assim, como em qualquer obra de engenharia, da Arena inclusive, nenhum projeto se conclui tal e qual foi concebido, pois sempre existem imprevistos, concepções novas, modificações inevitáveis, gastos extraordinários e as recorrentes crises econômicas que o encarecem de forma assustadora e às vezes até o inviabilizam, o planejamento e os investimentos de um clube de futebol podem também ser frustrantes.
Por isso, os ajustes e as correções de rota são fundamentais. E, claro, a profissionalização da gestão, colocando em cada função e lugar o ator certo, i.e., o profissional certo que vai emprestar ao clube a sua expertise.
Uma mudança de estatuto, deixando clara a responsabilização dos gestores em caso de má administração dos recursos do clube e da implementação de políticas temerárias é vital para o sucesso do empreendimento.
Planejamento e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, desde que os atores certos estejam nos lugares certos e o clube dê um passo certo de cada vez.
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*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal FalaGalo.