Futebol de base, um balcão de negócios? Quem viver, verá!

Por Max Pereira / @Guaramax2012
Na maioria absoluta dos meus artigos nesta temporada, seja no aqui Fala Galo, seja no Canto do Galo e em minhas várias participações em Lives em vários canais e também nas minhas redes sociais, tenho alertado para o fato de que o clube já não consegue esconder que a casa alvinegra está completamente desarrumada e que o comando perdeu o vestiário e o controle do barco atleticano.
Mais de uma vez alertei também para o fato de que a simples troca do Turco por qualquer outro treinador não resolveria de “per si” os problemas do Atlético. Ao contrário, defendi que se o clube não fizesse um diagnóstico profundo de tudo que está sacudindo o Glorioso e desestabilizando o elenco de forma geral e o time em campo e não atacasse estes problemas na raiz, eles seriam agudizados e o time dentro de campo refletiria os erros, as escolhas erradas, as omissões e as decisões temerárias e inconsequentes.
E não deu outra. Cuca voltou e os problemas continuam se avolumando. As atuações inconsistentes e nada convincentes não são privilégio do time profissional. Os times de base do Atlético também vêm mostrando nesta temporada uma preocupante irregularidade e encontrando muitas dificuldades para impor o seu jogo. O que deveria ser diversão e um vasto campo de observação para quem tem acompanhado os jogos das equipes Sub 16, Sub 17 e Sub 20 do Atlético, seja “in loco”, seja nos diversos streamings e canais do Youtube que vêm transmitindo as partidas dessas divisões, acaba se transformando em fonte de preocupação e de muita irritação.
A base do Atlético tem muitos garotos de muito bom potencial. O trabalho desenvolvido que é muito ruim. Ou será que o que vem acontecendo intramuros do clube e minando o rendimento da equipe profissional dentro das quatro linhas também vem afetando negativamente os times de base atleticanos? E será coincidência o fato de que o time feminino também estar sendo muito irregular nesta temporada?
Muito se fala em seguir o modelo do Barcelona, i.e., em criar um modelo de jogo que vai do infantil ou de categorias menores até o profissional, o que possibilitaria aos garotos chegarem ao time principal mais preparados e com o DNA atleticano e um jeito de jogar alvinegro próprio. Mas, como fazer isso funcionar com treinadores diferentes, com visões de jogo diferentes, muitos deles claramente despreparados para trabalhar com jovens? E às vezes com o staff do profissional inteiramente divorciado do que acontece nas divisões de baixo? E como implantar uma filosofia europeia no futebol brasileiro, considerando as enormes diferenças estruturais, culturais e econômico-financeiras?
Não à toa, Erasmo Damiani tem batido de frente com o alto comando alvinegro, cobrando mais investimentos, o que, aliás, lhe fora prometido quando de sua chegada e até hoje não cumprido. O fato de o Atlético ser o 18° clube que mais investiu nos últimos 5 anos no futebol de base no país é sintomático e explica a irregularidade e os percalços que vêm marcando suas categorias inferiores. Claro que vão dizer que o pouco investimento é consequência das dívidas e dessa eterna crise financeira que assola o clube. “É inadmissível o América Mineiro, cuja receita e orçamento são muitas e muitas vezes inferiores aos do Atlético, ter mais investimento em base do que a gente”, protestou um atleticano em suas redes sociais.
A preparação e o desenvolvimento dos garotos passam, além do apuro técnico e da absorção de conceitos táticos, pela lapidação e eliminação de vícios de postura e atitude dentro e fora do campo, cuidados com o lado mental, emocional e psicológico, bem como com uma mínima formação erudita para enfrentar as dificuldades da vida e da própria carreira, muitas vezes perversa e cheia de armadilhas. Se na base atleticana encontramos jovens de muito potencial, também está claro que o trabalho é deficiente. Muita pedra bruta para ser lapidada e transformada em diamante.
O São Paulo foi desde sempre o grande exemplo a ser seguido pelos clubes brasileiros. O tricolor paulista foi o primeiro clube brasileiro a construir um CT planejado e estruturado para trabalhar as divisões de base. Localizado em Cotia, município da Grande São Paulo, este centro de treinamentos do São Paulo garante aos diversos jovens que por lá passam ensino fundamental e secundário reconhecido pelo MEC, além de cursos de inglês, apoio psicológico e pedagógico.
Os clubes europeus desenvolveram as suas categorias de base e nelas concentram grande parte de seus investimentos no futebol porque perceberam que estavam tendo muitos prejuízos contratando jogadores já formados em centros como o Brasil, vez que a maioria desses atletas, despreparados e mal formados em seus países de origem, não conseguiam se adaptar aos seus novos clubes e a uma nova vida nesses novos centros. Longe de sua terra natal, com dificuldades em relação ao clima, à alimentação, aos costumes, à língua, ao trabalho tático e físico lá desenvolvido e ao ritmo profissional que lhes era imposto, jogadores, alguns até de renome, se tornavam pesos mortos em seus novos times. E o prejuízo se tornava inevitável e, muitas vezes, irrecuperável.
A busca de jogadores de tenra idade, ainda nas divisões de base dos clubes brasileiros e convênios com escolinhas e clubes de médio e de pequeno porte do futebol tupiniquim se multiplicaram. Entenderam aqueles clubes que se investissem diretamente na formação e na lapidação desses garotos o risco de prejuízo era muito menor. Lionel Messi é um exemplo típico disso. Garimpado ainda bem jovem no futebol argentino, o craque passou inicialmente pelas categorias de base do Barcelona antes de explodir e ser hoje um dos maiores jogadores de todos os tempos.
Uma preocupação tem me tirado o sono: o Atlético está prestes a constituir a sua SAF. O que o investidor, futuro dono e controlador da Sociedade Anônima do Futebol alvinegra pensa sobre as divisões de base? As categorias de base atleticana se transformarão de vez em fornecedores de atletas que nesta ordem, produzirão resultados esportivos e financeiros realmente efetivos para o clube ou se tornarão de vez simplesmente exportadoras de matéria prima para outros centros? Enfim, o Atlético terá um futebol de base robusto ou suas categorias de base se converterão de vez básica e essencialmente em um balcão de negócios? Uma coisa é certa: quem viver verá!
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*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal FalaGalo.