Preto no branco: Se LIGA futebol brasileiro, e se cuide, Atlético!!!

Por: Max Pereira
Que o futebol se transformou em um negócio multibilionário, sistêmico e complexo não é novidade para quem acompanha minimamente o circo do esporte bretão e seus tentáculos espalhados em todos os rincões do planeta.
Embora as realidades socioeconômicas, culturais e jurídico legais demarcarem limites e tecerem as características próprias de cada país, a FIFA e os mercados financeiro e da bola produzem um efeito globalizante no esporte e impõem a todos os clubes, sem exceção, uma certa camisa de força, independentemente de sua história, tradição, capacidade econômico-financeira e de retorno publicitário, origem, região do planeta, tamanho da torcida e modelo societário e organizacional.
Ao mesmo tempo em que nada regra e nada impõe em relação à constituição societária dos clubes (associação ou empresa) e nem sobre os mecanismos e as formas de migração de um modelo para outro, a FIFA é extremamente rígida quanto às normas as quais eles devem se submeter para disputar todas as competições oficiais nacionais e internacionais e também para movimentarem o mercado bola.
Sistêmico e complexo em sua organização, o futebol torna os clubes vulneráveis em graus diferenciados, para o bem e para mal, a ações, ingerências e influências de um conjunto de agentes externos: entidades que controlam o futebol (FIFA, confederações, federações), arbitragens, VAR, mercados publicitários, patrocinadores, parceiros, investidores, empresas de lobby e de avaliação de mercado, mercado da bola, imprensa, televisões detentoras dos direitos de transmissão esportiva, fornecedores de material esportivo e outros, prestadores de serviços, bancos, empresas de auditoria e de consultoria, agentes, empresários, redes sociais, influencers , youtubers, sócios, torcidas organizadas e torcedores em geral, famílias de jogadores e de funcionários.
Diferentes sob vários aspectos os clubes são impactados de forma distinta e variada por este multifacetado e quase sempre hostil sistema. Historicamente mal geridos e acumulando dívidas faraônicas e quase impagáveis, os clubes brasileiros em sua grande maioria se ressentem de uma cruel e injusta repartição das cotas de transmissões televisivas que privilegia pouquíssimos clubes.
No caso do Atlético, as cotas a que o clube vem fazendo jus não refletem, por exemplo, o desempenho histórico do Glorioso nas vendas de Pay-Per-View e, nem tampouco, o inescondível retorno publicitário que o Galo mais famoso e mais querido do mundo já mostrou que é capaz de gerar.
Não sem razão, portanto, os clubes brasileiros sonham em se organizar em ligas profissionais e, assim, estruturarem eles próprios as suas competições, controlando e redistribuindo entre si e de forma mais igualitária e justa as receitas geradas. Se os clubes têm em comum o mesmo sonho, os interesses são bastante difusos e, em consequência, todas as tentativas de constituírem uma Liga de clubes profissionais fracassaram. A grosso modo pode se dizer que o Clube dos 13 e a Liga Sul Minas foram implodidos e que a Primeira Liga nasceu natimorta.
Atualmente os 40 clubes das séries A e B do futebol brasileiro estão divididos em dois grupos: FORTE FUTEBOL e LIBRA. A Liga do Futebol Brasileiro (Libra) foi fundada em maio de 2022 por sete clubes: Bragantino, Cruzeiro, Corinthians, Flamengo, Palmeiras, Santos e São Paulo. O bloco aumentou nos últimos meses e conta atualmente com 18 equipes. O último a aderir foi o Bahia, que tomou a decisão após a venda da sua SAF para o Grupo City.
A LIBRA não forma maioria entre os times de Série A e B, mas saiu na frente em razão do poderio econômico (nove dos maiores clubes do país: Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Vasco, Botafogo, Grêmio, Santos e Cruzeiro), da maior concentração de torcida e por ter conseguido o primeiro grupo disposto a investir mais de R$ 4 bilhões por 20% do “novo Brasileirão, a Mubadala dos Emirados Árabes.
A Liga Forte Futebol do Brasil (LFF), por sua vez, surgiu em razão da divergência de alguns clubes com propostas da Libra e é formada por 26 equipes. Apesar do menor poderio econômico, a LFF teve uma vitória recente em relação à Libra. Ao todo, cinco times que fazem parte do bloco vão disputar a Libertadores 2023 (Inter, Fluminense, Athletico-PR, Atlético-MG e Fortaleza) – contra três da Libra (Palmeiras, Corinthians e Flamengo).
Além disso e, conforme escreveu o jornalista e colunista do Portal Uol, Paulo Vinícius Coelho (o PVC), “o anúncio do aporte de R$ 4,85 bilhões do fundo de investimentos formado pela Serengeti e LCP para a Liga Forte Futebol aumenta o risco de o Brasil ter duas ligas ou não ter nenhuma. É fundamental para o futuro do futebol brasileiro a organização de um campeonato por uma só instituição, formada pelos 40 clubes das Séries A e B (leia aqui).”
Não bastasse isso, a LIBRA, segundo PVC, criou “uma estrutura política em que um dos idealizadores da liga, Flávio Zveiter, se embrenhou a ser também dirigente da CBF. Uma coisa é haver boa relação com a confederação. Outra coisa é estar dentro dela. A estrutura política, as votações que exigem unanimidade e a dificuldade para ter clareza na divisão do dinheiro e em definir exatamente critérios como engajamento — o que isto implica e como se mede? — afastou a outra liga, Forte Futebol”.
Assim, segundo o nobre articulista, a proposta da Serengeti e LCP, 2% maior do que da Mubadala, investidora da Libra, e a determinação da Liga Forte Futebol em dividir o dinheiro de modo a obter o equilíbrio que produz o sucesso do Campeonato Inglês, estariam atraindo o interesse de dirigentes importantes de Vasco, Botafogo, Cruzeiro e Grêmio. Se ainda não é possível garantir que esses clubes irão mudar de lado, já é possível cravar que há opiniões internas capazes de mudar o pensamento de quem sabe ser importante estar alinhado com os gigantes.
A principal divergência, portanto, entre as duas propostas de Liga (Libra e LFF) está na falta de consenso em relação à divisão de receitas. Os que estão na Libra aceitam uma diferença maior entre o que mais recebe e o que menos recebe, enquanto os da LFF pregam uma divisão com menos distância, mais igualitária.
O estatuto inicial da Libra previa a divisão de 40% da receita dividida igualmente entre todos os participantes da competição, 30% de variável por performance e 30% por engajamento. Já o Futebol Forte, por seu turno, se espelha nas ligas europeias e quer uma divisão diferente: 45% divididos de forma igualitária, 30% sobre performance e 25% por apelo comercial. O grupo entende que a diferença máxima de receita entre os clubes não deve ultrapassar 3,5x.
E nesta última segunda-feira, dia 6 de fevereiro, os clubes que compõem a Liga Forte Futebol assinaram um acordo de investimentos com a gestora brasileira Life Capital Partners e com a estadunidense Serengeti Asset Management. São 20% da liga a ser fundada destinados aos parceiros. O próximo passo é a aprovação dos órgãos deliberativos de cada clube, incluindo o montante negociado com o investidor: R$ 4,85 bilhões para uma liga com 40 clubes ou R$ 2,3 bilhões se forem apenas os atuais 26 clubes da LFF. Ou seja: paralelamente aos processos internos dos atores da LFF, haverá a busca por conversão de clubes alinhados à Libra.
A verdade, entretanto, é que o futebol brasileiro ainda está muito longe de ver os seus principais clubes chegarem a um entendimento regido por princípios transparentes, éticos e morais. Interesses transversos e heterodoxos sempre presentes têm sido a ruína do futebol brasileiro. É preciso que os clubes estejam abertos ao debate e que percebam que o interesse comum deve prevalecer. Enfim, é preciso que a crise histórica fruto da falta de confiança e de fair play no futebol brasileiro, somadas a abusiva e recorrente prática de doping financeiro, seja superada. Não bastará, pois, que a Mubadala venha dos Emirados Árabes para aumentar o dinheiro já oferecido à Libra.
É neste contexto de incertezas, de indefinições e ainda de muitos desacertos entre os clubes e entre estes e as entidades que comandam o esporte, é que agremiações como o Atlético indicam avançar na constituição de suas SAF`s e na cessão de um percentual e do controle delas a um investidor. Muitos acreditam que a simples transformação do clube em SAF e a sua cessão a um investidor qualquer, desde que este se disponha a colocar milhões no clube, é a solução definitiva de todos os problemas. Infelizmente não é bem assim.
Questões como a qualidade da gestão, a expertise em futebol de quem vai controlar a SAF, as salvaguardas de interesses e valores nobres do clube originário, bem como as garantias deste em caso de desvios de conduta e de má condução do clube por parte do investidor, quais os objetivos do controlador da SAF, que tipo de SAF está sendo gestada, além do contexto atual do futebol brasileiro e do que pode acontecer com o esporte no Brasil caso uma liga de profissional de clubes saia efetivamente do papel e mude de vez a realidade do futebol no pais, são questões geralmente relegadas a um segundo plano, pouco debatidas e, principalmente, pouco cobradas.
As experiências mundo afora quase sempre também não são levadas em consideração como deveriam ser. Vejam por exemplo o que está acontecendo no futebol inglês: a acusação mais séria da história da Premier League contra um clube da própria liga tem como alvo o Manchester City. O City está sendo investigado pela Premier League por violações financeiras. São mais de 100 infrações financeiras cometidas durante 9 temporadas, entre 2008/2009 e 2017/2018, quando o clube inglês venceu 6 dos 8 campeonatos que conquistou em toda a história do futebol inglês.
Não se trata, pois, de ser pura e simplesmente contra a SAF, mas sim de ser reticente a constitui-la e, principalmente a ceder o seu controle, sem os cuidados necessários e sem conhecer e balizar todas as variáveis internas e externas envolvidas.
E aí? Liga, prá que te quero liga? A resposta é muito simples: para que tenhamos um futebol disputado de forma mais equânime, justa, ética e equilibrada. Mas, a exemplo das SAF’s não basta que a Liga seja criada e comece-a funcionar. É essencial garantir a excelência administrativa, moral e ética da entidade. Por isso, é preciso vigiar e cobrar sempre, incansavelmente.
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