Turco entrou e saiu do Atlético como a criança tímida nova no bairro
Por: Hugo Fraldoso
Antonio ‘El Turco’ Mohamed chegou ao Atlético em um momento festivo, naquela hora que a ressaca tá querendo ameaçar o batido da galera e lá de longe, lá de onde nem se vê, só se ouve um grito: “Não acredito, Lindomar!”. Pois é, Lindomar abriu a primeira gelada do dia, reiniciando o agito.
Antonio Mohamed chegou no seu novo bairro tranquilo. A criançada, que tinha alguns elementos voltando e outros saindo de férias, como natural, ficou curiosa com o novo postulante à integrante da turma e fez aquele questionário, geralmente regado a muito refrigerante, depois daquela peladinha mais solta, descompromissada, descalço na rua. Com toda a receptividade de uma boa vizinhança mineira, Antonio virou Turco para uns e Tony para outros. Houve um esforço para integrar o novo comparsa de brincadeiras e armações, principalmente pela história pregressa interessantíssima que trazia de suas vizinhanças antigas.
Educado, Tony prometeu que observaria atentamente aos novos colegas, pra que pudesse ir se adentrando, pegando os costumes do novo ambiente, antes que fosse capaz de ter uma voz mais ativa nas decisões importantes que toda turminha de bairro tem de tomar, como quando brincar de quê, é a vez de quem pedir dinheiro pra comprar os doces, mas, principalmente, quem vai tirar os timinhos na hora da pelada. Apesar da parcimônia e timidez, Tony foi abraçado pela turma e os meliantes de patente mais alta davam aquela moral pro novo membro, sobretudo, por conta da experiência, saberem de como é difícil chegar em um novo lugar, ver tudo novo de novo, se ambientar em um bairro já consolidado e que já tem seus costumes.
Veio a primeira festa de aniversário de um dos moleques que Turco seria convidado. Tony, muito bem educado e, claro, tentando se mostrar uma peça de valor, deu o melhor presente ao aniversariante, ofereceu ajuda à tia, foi um dos primeiros a chegar e foi ali pro seu canto, quietinho, só observando como a turminha conduzia suas solenidades festivas.
Não sei na sua turma, mas, na minha época, aliás, se você cresceu entre o fim dos anos 80 e o fim dos 90 (ou seja, a turma dos ‘inta’ e dos ‘enta’), festa de criança tinha salgadinho, aquele bolo molhado, vezes com guaraná, vezes com achocolatado, recheado de doce de leite, brigadeiro, morango, ou o que tivesse mais acessível na época, cheeeeeeeeeeeeeeeio de merengue, ou pasta americana, até mesmo uma coberturinha de brigadeiro mole tava bem paga. Dependendo da época do ano rolava um caldo, mas aí era pros adultos. Garrafas e mais garrafas de refrigerante e aquela boa mesa de docinhos. Mas, pra mim, o que não podia faltar era o mini cachorro-quente. É doidão… a tia começava o molho lá pelas 3 da tarde e aquele cheiro de pimentão subia no ar, e eu sabia que a festa seria boa! Tony não tava muito acostumado a esses trem, na vizinhança dele era diferente, eles comiam empanadas, choripáns, tomavam mate e o bolo era de mel com maçãs.
Depois do parabéns, só há três tipos de criança: as desesperadas, que pulavam na mesa pra catar os brigadeiros; as como eu, que não são muito fãs do doce mais popular entre os brasileiros e se mancomunava com as tias pra mocar alguns cajuzinhos e olhos de sogra; e os tímidos, que eram puxados, também pelas tias, que arrumavam um pratinho com o que tava guardado, pra ele dar um pulo em casa e garantir que não sairia da casa dela sem ter provado seus famosos quitutes.
Percebendo as dificuldades, a mãe do líder da corja decretou que a turminha deveria abraçar Turco para integra-lo de uma vez. Chegou até a conversar com a mãe de Tony, que sentia que o filho não estava tão mais animado quanto no começo. A contragosto, pois a molecada já estava conhecendo mais o novo colega e percebeu suas limitações, digamos assim, a voz de Turco passou a ser mais ouvida. Mas a garotada não curtia suas ideias, brincar na casa dele era estranho, pois o vídeo game dele era diferente do de todo mundo, sua bola era mais tecnológica, então os craques da rua não estavam acostumados com tamanha pompa, mas, a gota d’água foi seu desempenho na hora crucial, que separa os meninos dos pré-adolescentes: Seu Rubão, o pai do Rodriguinho, deu de presente 90 minutos numa das melhores quadras da região, seu Ricardo uniformizou a turma com peitas personalizadas, seu Renato os equipou com chuteiras zero bala, seu Rafael até emprestou a van pra transportar o timaço. Enquanto tio Serjão e tio Zé negociavam com o clube a federação dos garotos. Estava tudo muito bem armado para o sucesso. O problema foi que Turco foi botando seu dedo no time. Com o respaldo que lhe foi dado pela velha guarda do bairro, para que as crianças o deixassem à vontade, a confiança cresceu e ele colocou todo aquele trabalho meticuloso de toda vizinhança em manter a garotada feliz à perder.
Demitir um treinador sempre será ruim. Demitir um treinador sempre será escancarar o fracasso. Demitir um treinador sempre será admitir um erro, seja ter contratado, ter dado confiança demais, ou até mesmo se a demissão terá sido a escolha certa. A questão é que um treinador deve ser demitido quando não se há mais a confiança de que seu trabalho será capaz de superar qualquer dificuldade que esteja pela frente, baseado em como foi sua postura em dificuldades superadas (ou não). Turco começou cativando o grupo, mexeu com a torcida, prometeu não colocar seu dedo no time até o momento certo, mas não foi capaz de cumprir. Quando teve a oportunidade de mexer, se atrapalhou todo, corrigiu a deficiência defensiva tirando os atacantes de perto do gol, perdeu a capacidade de solucionar os problemas que ele mesmo criou. Ao querer dar sequência ao trabalho de seu antecessor, acabou ficando refém dos jogadores que estavam mal, mas que não poderia sacar do time, temendo perder o comando. Gente boníssima, ao que parece, se encantou pela Massa, tentou agradar, mas fracassou. Talvez por ter chegado muito tímido a um ambiente onde queria se integrar a todo custo. Um treinador de futebol não deve querer agradar a todo mundo, deve apenas fazer as melhores escolhas que julgue necessário para as vitórias. Mas parece que Turco deixou suas capacidades e sua alma no México. Cadê o cara que peitou o Klopp no mundial??? Era insustentável, não tinha mais clima, a Massa não mais deixaria o homem trabalhar (se é que ainda estava trabalhando). 69% de aproveitamento? Tinha. Dois títulos no ano? Também. Mas e o futebol? O retrato de um time em campo é, quase sempre, o reflexo de seu treinador. Turco estava apático, assim como o time em campo. Não dava mais!
Tal qual a criança tímida da minha historinha, daqui alguns anos, em alguma mesa redonda, ou de bar, alguém vai indagar: “Como era o nome daquele cara que treinou a gente depois do Cuca e antes do fulano?” / “Qual era o nome daquele cara que morou aqui no bairro na casa do Cuca, que depois foi de fulano?”
“Aaaaaaaah, era o Turco. Gente boa ele, né? Onde será que ele tá hoje?!”
* Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do FalaGalo.