Clube-empresa ou associação?
Por: Max Pereira
De tempos para cá muito se tem vendido aqui no Brasil que a transformação dos clubes brasileiros, histórica e tradicionalmente mal geridos e temerariamente muito endividados seria a sua transformação em clubes empresa. A simples transformação em clube empresa seria para muitos suficiente para que os clubes brasileiros virassem definitivamente a chave de sua história confusa e turbulenta e passassem a morar no paraíso da bonança e da prosperidade.
Não é preciso ir muito longe para perceber que essa “verdade” não se sustenta. O futebol europeu onde há bem mais tempo as experiências dos clubes empresa já acontecem é prenhe de “cases” que deixam claro que o pulo do gato do sucesso e da robustez administrativa e financeira de um clube de futebol, tenha ele se mantido associação, tenha ele se transformado em empresa é a qualidade de sua gestão e não apenas a sua constituição jurídica.
O futebol do velho continente é pródigo de experiências positivas e negativas tanto no universo das associações, quanto dos clubes-empresas. Vários são os clubes tradicionais e históricos da Europa que, depois de transformados em clubes empresa, faliram e tiveram que ser refundados, deixando na poeira do passado aquela agremiação vitoriosa, mítica e de muita tradição no esporte.
Cada país europeu tem a sua legislação própria e, assim, regula de forma particular e específica a transformação de seus clubes em empresas. Particularmente, considero o modelo alemão o mais interessante porque busca preservar o controle da associação sobre o clube empresa resultante da transformação implementada. Há uma nítida preocupação em preservar a associação, i.e., a identidade do clube e, por tabela, o sentimento de pertencimento de seus torcedores.
Sobre estes valores, identidade e pertencimento, no artigo “PERTENCIMENTO E IDENTIDADE, TUDO A VER”, publicado na ultima quinta-feira, dia 7.7, aqui nessa coluna, escrevi que “antes mesmo que os imbróglios jurídicos que já estão pipocando aqui e acolá, particularmente em relação às dividas trabalhistas da associação e sobre qual é a responsabilidade e quais são as obrigações da SAF em relação a elas, cheguem ao STF, muitos aficionados do esporte bretão nessas terras tupiniquins por temerem efeitos nefastos dessa nova legislação, com justa razão, já cobram dos próceres de seu time do coração respostas quanto à preservação da identidade da agremiação e, em consequência, do sentimento de pertencimento, amálgama fundamental à robustez do elo clube/torcida”.
Aqui é preciso esclarecer que a SAF é um modelo tipicamente brasileiro, que os clubes nacionais nem são e nem estão obrigados a aderir a ele e que no Brasil existem outras formas legais de uma associação se transformar em empresa. Antes mesmo que se falasse em SAF no Brasil, o Bragantino, por exemplo, já havia se transformado em Red Bull. E, ainda que seja uma impropriedade jurídica chamar e entender o Red Bull Bragantino como SAF, a experiência do clube de Bragança Paulista deve ser estudada, avaliada e tomada como referência para os demais clubes brasileiros que veem, seja em uma transformação similar, seja na constituição de uma SAF própria, a salvação de sua lavoura.
Assim como no modelo alemão é cláusula pétrea preservar a associação, entendo que os clubes brasileiros, e o Atlético em particular, deveriam instituir como valor inegociável a sua identidade. E, para isso, o controle da SAF ou do clube empresa, seja qual for o ordenamento legal abraçado, as suas cores, brasão, nome e demais valores que embasam o sentimento de pertencimento de sua massa torcedora devem ser preservados.
Não basta constituir uma SAF ou, sob a égide de outro mandamus legal, transformar o clube em empresa. Qualquer que seja o caminho escolhido, muitos cuidados deverão ser tomados e muitos passos deverão ser dados antes de se bater o martelo. No artigo citado acima alertei que “a SAF, que para muitos é o único porto seguro para os mal administrados e endividados clubes brasileiros, ainda é um caminho cheio de sombras, dúvidas e incertezas. Para muitos juristas a legislação da SAF é dúbia e contém vários pontos obscuros, senão inconstitucionais, que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser discutidos e definidos de uma vez por todas pelo Supremo Tribunal Federal. Para o bem ou para o mal, a SAF veio para mudar radicalmente o futebol e, por isso, todo o cuidado é pouco”.
Clube-empresa ou associação? Essa é uma pergunta cuja resposta deve ser precedida de um acurado estudo de medidas que robusteçam o clube de modo a preservá-lo e protegê-lo de eventuais descaminhos que a experiência, se mal sucedida, o projetar. Recentemente os torcedores do poderoso Manchester United, um dos gigantes do futebol inglês, foram às ruas de Manchester protestar contra a cessão do controle acionário do clube para um investidor americano, argumentando que o negócio, da forma que estava sendo feito e o que se projetava para a agremiação após a sua efetivação, significava a corrosão definitiva da identidade daquele clube tão tradicional do país da Rainha.
Assim, os torcedores do Manchester United exigiam que fosse acionada uma cláusula da constituição do clube empresa que, em casos especiais como aquele, autorizava os sócios do clube retirarem dos atuais controladores qualquer poder sobre a entidade, devolvendo à associação o pleno controle da instituição.
Clube-empresa ou associação? Essa é uma pergunta que o Atlético tem que responder tão somente depois de estar preparado e totalmente resguardado para dar qualquer passo em direção ao futuro.
O texto não reflete, necessariamente, a opinião do FalaGalo.